UM ROTEIRO
CINEMATOGRÁFICO PARA A PONTA GROSSA REPUBLICANA DO SÉCULO XX
Este trabalho apresenta os resultados de um projeto de
ensino proposto pelo professor supervisor e alunos-bolsistas do subprojeto de
História, do PIBID/UEPG em 2017, realizado junto aos alunos do primeiro ano do
Ensino Médio do Colégio Estadual Polivalente. Buscou-se através de aulas
interativas discutir junto aos adolescentes alguns elementos da cultura local
do século XX, da cidade de Ponta Grossa - PR, com ênfase no cinema, que
simbolizou o progresso para uma população que buscava o desenvolvimento e a modernidade.
Objeto
Especialmente na primeira metade do século XX, Ponta Grossa
passou a ser um polo cultural regional; destacando- se como a segunda principal
cidade do estado do Paraná, e inclusive uma das principais do Brasil. A ideia
de cidade-progresso que crescia e se desenvolvia em vários sentidos, estava
presente no imaginário dos ponta-grossenses, e despertou uma fase de grandes
expectativas e efervescência no que se refere à cultura, que atraia até mesmo
pessoas de outras cidades a vir visita-la.
Nesse sentido, um dos principais espaços eram os cinemas,
que conforme Perrinchelli, eram bem aceitos pelos ponta-grossenses:
As recreações mais chamativas para jovens e adultos dos mais
diversos segmentos sociais são mesmo os cine-teatros, primeiro pela curiosidade
de entrar em contato com a chamada sétima arte do mundo, segundo por ser
símbolo de progresso, fazendo com que as pessoas se sintam modernas e, terceiro
por tornar-se um hábito, favorecendo pontos de encontro. (PERRINCHELLI, 1997)
Esses espaços se constituíam como uma atração que também
criavam como observa Nelson Silva Júnior, a sensação de pertencimento, de
pertencer a um grupo que tinha no cinema o seu interesse comum.
Porém, a partir década de 1960, o que era um dos principais
símbolos da modernidade e do progresso, lentamente foram se esvaziando ao irem
perdendo lugar para a televisão; até que também por interferência de uma ação
mercadológica, se fecham e adentram a shoppings, também como sinônimo de
modernização; mudando a relação da sociedade com esse espaço.
Hipótese
Ao longo do século XX, o cinema em Ponta Grossa sempre foi
sinal do progresso e modernização na cidade, seja quando da sua criação ou do
seu fechamento, e desta forma ajuda o pesquisador da História local a
compreender não somente o contexto histórico, mas quando enxergamos o cinema
como espaço cultural e de sociabilidade, percebemos os cidadãos que construíram
essa cidade.
Trabalhando com o tema de cinemas na cidade, pode-se
verificar a importância do mesmo dentro da sociedade, pois servia como espaço
de socialização e encontros. Durantes os séculos XIX e XX, é possível notar que
o cinema está presente em grande parte do país, com isso, não é só em Ponta
Grossa que ocorre este desenvolvimento. Sendo assim, trabalhar a história do
cinema local, não é somente analisar e compreender o contexto regional, mas o
contexto nacional, tendo em vista a grande presença dos cinemas no Brasil.
Várias são as possibilidades de trabalhar o contexto
histórico de determinada época. Com isso, o objetivo principal do projeto é
trabalhar a partir dos cinemas, compreendendo nossa história regional, os
acontecimentos neste momento do país. Analisando o desenvolvimento até o
fechamento destes. Verificando a necessidade tanto de seu inicio, ou seja, os
motivos que foram levados a construir tais prédios dos cinemas, até a
necessidade dos fechamentos dos mesmos, dando espaços para outras instalações
ou construções.
Objetivo
● Perceber o
contexto histórico da cidade quando da abertura dos cinemas, bem como do seu
fechamento, dentro do cenário nacional de ideal republicano;
● Notar a
presença e a ausência do cinema como indício de progresso e modernização;
● Aproximar-se
do cotidiano do cidadão ponta-grossense do século XX;
● Contribuir
para o estudo da História local;
● Perceber o
cinema atual como resultado de um processo de capitalização da cultura.
Metodologia
Em comemoração ao aniversário da cidade de Ponta Grossa, foi
proposto pelo Professor Supervisor do PIBID que durante o mês de setembro fosse
trabalhado aspectos da história regional, com ênfase na cultura.
A partir disso, trabalhamos a tem ética junto aos alunos em
três momentos: partimos do entendimento do “ser civilizado” no século XXI, onde
refletimos a origem da distinção dos modos entre os morados na área urbana e da
área rural, começando assim a discussão a respeito da urbanização da cidade de
Ponta Grossa, a partir da crônica “Ponta Grossa de Hoje” escrita por Raul
Gomes:
”[...] Pelas ruas, movimenta-se gente em grande porção. Às
lojas entram e saem cavalheiros e senhoras, azafamados e prestos. Carros,
carroças e carrinhos cruzam-se, aquelles conduzindo passageiros, essas cargas e
estes pequenos volumes. Nas grandes casas commerciaes o trabalho é enorme
porque dellas se abastece todo o interior do Estado.
O movimento urbano ultrapassa o tamanho da cidade. Ve-se
gente por toda a parte. À noite o povo flana nas ruas, penetra as lojas, enche
os tres cinemas, frequenta os clubs.
Ponta Grossa conta 3.800 casas, sendo quasi todas de
tijollos e de feitura solida e resistente. A população da cidade é calculada em
15.200 almas e a do municipio em 20 mil espalhadas por uma extensão aproximada
de 36 leguas quadradas.
Um dos segredos do progresso local, que transformou o burgo
apagado de ha dez annos atraz na “urbs” agitada e triumphal de hoje foi,
indubitavelmente, a vontade energica e indomavel do povo pontagrossense. Essa
vontade poderosa é que vai fazendo surgirem os melhoramentos que outhorgarão à
princesa dos campos o titulo incontestavel de cidade ideal.“ (GOMES, 1912)
Na sequência, foi abordado o tema central da atividade, a
cidade numa perspectiva cultural; com ênfase nas bandas, clubes e cinemas do
período. Esse último aspecto teve grande destaque na cidade, de maneira que
ainda hoje pode ser percebido na fachada imponentes dos prédios onde se situam
ou eram situados.
Em outro momento foi elaborado um material impresso, ou
seja, um caderno didático com explicações e propostas de atividades sobre os
cinemas de Ponta Grossa e sua importância para o “progresso” da cidade, a
realização das atividades foram feitas em sala de aula para posteriormente ser
realizada uma saída de campo para a contemplação dos locais que foram ou ainda
são os cenários dos cinemas Império, Ópera e Renascença/ Inajá.
Os resultados puderam ser percebidos no retorno da visitação
a partir da produção de texto elaborada pelos alunos, a partir da pergunta:
“Como a presença e a ausência do cinema demostram a noção de progresso e
modernização na cidade de Ponta Grossa?”. De forma geral, os textos demonstram
que os objetivos iniciais do projeto foram alcançados, e também que esse não
era um assunto conhecido anteriormente pelos alunos, de forma que esse projeto
contribui para o conhecimento e valorização da história local.
Quadro teórico
Na virada do século XIX para o XX, alguns fatores alteram o
cenário da cidade de Ponta Grossa. O primeiro a ser elencado por Zulian (1988,
p. 40) é a crise econômica das fazendas que levou a burguesia fazendeira a
buscar empreendimentos na área urbana na cidade, onde estava concentrada a
economia da erva-mate, em um momento em que o Paraná passava por um processo de
urbanização, então “nesse contexto, a região de Ponta Grossa passou a
configurar um centro de atração não só para aqueles advindos do meio rural,
como para outros migrantes, nacionais e estrangeiros (IBID, p.42). A autora
elenca ainda o incentivo à imigração para resolver a questão populacional na
Província recém criada do Paraná e a ferrovia em Ponta Grossa como importante
ponto de ligação urbano e rural, ambos fatores que contribuem para o processo
de urbanização da cidade.
A urbanização requer um novo modo de ser do habitante da
cidade, novas vestimentas, novos comportamentos, dentro da apreciação de uma
cultura à europeia (IBID, p. 44) que fez parte da construção do ideário
republicano nacional em que o Paraná estava inserido:
”A modernização do Brasil, isto é, a adoção de instituições
e do estilo de vida dos países mais avançados - e a França aparece nesse
contexto como o modelo por excelência- é o grande objetivo da elite intelectual
brasileira comandada pelos bacharéis. Modernizar o país é adotar o que há de
mais novo no plano das idéias, das instituições políticas e culturais, das
artes, para estabelecer aqui um estilo de vida equiparável ao da França. Assim
é que o Brasil é levado ao mimetismo cultural, cujo exemplo mais notável é a
reurbanização do centro do Rio de Janeiro: o Teatro Municipal, a Biblioteca
Nacional, a Escola de Belas-Artes e a Praça Paris procuram dar à cidade um ar
parisiense.“ (OLIVEIRA, Pedro Ribeiro, 1985, p. 232-233 apud. ZULIAN, 1988, p.
44).
Símbolo desse progresso e da modernidade ao longo de todo o
século XX veio a ser os cinemas de Ponta Grossa, uma cidade com destaque em
nível nacional nesse período. De acordo com Silva Júnior (2008, p. 40), a
primeira exibição de cinema no Brasil se deu no Rio de Janeiro em 1896; no
início do século XX, diversas cidades brasileiras contam com salas fixas de
exibição de cinema, entre elas está Ponta Grossa com o cine Recreio em 1906.
A cidade contou com diversos cinemas, hoje pouco lembrados,
e mesmo pouco conhecidos, mas que por um século tiveram importância fundamental
como espaços culturais e de sociabilidade, o que torna o tema essencial para um
aprofundamento na História local. Mas,
”A maioria das salas de cinema não soube resistir às
mudanças de hábito impostas inicialmente pela televisão e mais recentemente
pelas novas tecnologias digitais. O fato de se localizarem em áreas valorizadas
acabou acelerando sua destruição em favor da especulação imobiliária. No
pós-guerra, o cinema começou a perder seu público, seduzido pelos pequenos
aparelhos domésticos que pareciam indicar uma volta aos primórdios da diversão
audiovisual: um número reduzido de espectadores em frente a uma tela de
pequenas proporções. Nas décadas que se seguiram parecia que a diversão de
massa mais popular do século estava fadada a acabar. Hoje voltamos às dimensões
e às lotações das salas do início do século XX, com média de 200 lugares, mas agora
localizadas dentro de shopping centers. Novos estilos de vida e novas
tendências arquitetônicas, para uma arte que sabe se reinventar.“ (COSTA,
2013).
Como citado acima, os cinemas do século XIX e XX perderam
espaço para outras construções ou outras instalações. No exemplo da Revista de
História, que traz a realidade dos cinemas do Rio de Janeiro, parece apresentar
os acontecimentos dos cinemas de Ponta Grossa. Cine Império foi demolido por
estar em um local privilegiado, no centro, ainda sem construção nenhuma
prevista no local. O antigo Cine Inajá hoje instala uma igreja em seu interior.
As realidades destes cinemas desta época tiveram um mesmo rumo, de esquecimento
por parte de sua população.
REFERÊNCIAS
Isabele Fogaça de Almeida é Mestranda em História, Cultura e
Identidades na UEPG.
Apoio: Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior – CAPES
COSTA, R. G. R.
Arquitetura da tela Grande. Disponível em: http://www.revistadehistoria.com.br/secao/perspectiva/arquitetura-da-tela-grande.
Acesso em: 2 jan. 2017.
GOMES, R. Jornal “O Progresso” nº. 588 de 20 de julho de
1912.
OLIVEIRA, Pedro Ribeiro de. Religião e dominação de classe:
gênese, estrutura e função do catolicismo romanizado no Brasil. Petrópolis:
Vozes, 1985.
PERRINCHELLI. A. Nuances do Jornalismo Cultural em Ponta
Grossa - uma análise a partir do Diário dos Campos. Ponta Grossa: UEPG,
(Trabalho de Conclusão de Curso), 1997.
SILVA JUNIOR, N. O Fechamento dos Cinemas em Ponta Grossa:
particularidades de um processo histórico-cultural. 2008, 171 f. Dissertação
(Mestrado em Ciências Sociais Aplicadas). Universidade Estadual de Ponta
Grossa, Ponta Grossa, 2008.
ZULIAN, R. W.. A Victoriosa Rainha dos
Campos: Ponta Grossa na Conjuntura Republicana. Revista de História Regional,
vol. 3, n.2, Inverno 1998. Departamento de História UEPG, pg. 37-76. Disponível
em: <http://177.101.17.124/index.php/rhr/article/view/2060>.
Acesso em: 12 dez. 2016.
Parabéns pelo trabalho querido,
ResponderExcluirpodemos dizer que com a utilização do cinema no cotidiano da sociedade, possa a haver uma maior atração pela cultura regional?
- Heliane Cristina De Souza Ferreira.
Primeiro muito obrigada, e respondendo sua questão- certamente Heliane! Na maioria dos casos dos estudantes, eles nem sabiam da importância que o espaço do cinema teve na cidade, de forma que além do projeto ter trabalhado com informações novas que despertaram uma atração pela cultura regional, ele também contribui para a valorização dessa cultura regional.
ResponderExcluir-Isabele Fogaça de Almeida