Gil Karlos Ferri


PROJETO HISTÓRIA & VITIVINICULTURA: SAINDO A CAMPO E AMPLIANDO OS HORIZONTES DO SABER



Historicamente, a produção de vinho relaciona-se com a colonização italiana em Santa Catarina. Regiões no entorno de Urussanga e Videira firmaram-se como tradicionais áreas vitivinícolas do Estado. Entretanto, ventos que sopram do planalto nos trazem novidades: os vinhos finos de altitude da Serra Catarinense. Diferente das regiões tradicionais, na região serrana a vitivinicultura é resultado de pesquisas técnico-científicas e investimentos de empresários que apostaram em um novíssimo terroir. Na década de 1990, experimentos da EPAGRI e UFSC apontaram o potencial edafoclimático da Serra para a implementação de vinhedos de castas europeias. A partir destes experimentos, diversas vinícolas foram instaladas, conquistando reconhecimento por seus vinhos finos e o desenvolvimento do enoturismo. Trabalhando na UFSC com a Environmental History, sob orientação da Dra. Eunice Nodari, pude perceber a complexidade das interações entre seres humanos e meio ambiente. Com base neste insight da História Ambiental, entre 2015 e 2018 idealizei e coordenei o projeto História & Vitivinicultura. O projeto consistiu na realização de saídas a campo nas vinícolas da Serra Catarinense junto com estudantes, pesquisadores e enólogos. Por meio das excursões, os alunos de Anita Garibaldi puderam interagir com profissionais e construir conhecimentos sobre história, vitivinicultura, desenvolvimento e sustentabilidade. A parceria que articulamos com instituições de pesquisa e empresários da associação Vinho de Altitude tornou-se pioneira em seu formato no país, destacando o projeto como um case internacional de inovação no ensino. O projeto História & Vitivinicultura cumpriu sua missão de proporcionar aos jovens conhecimentos, experiências e novos olhares para a região onde vivem. Provamos que é possível inovar no ensino, pesquisa e extensão conectando a população local com as vinícolas de uma maneira dinâmica. Se tratando de uma atividade que vem reconfigurando a paisagem e a economia da região serrana, a vitivinicultura pode nos ensinar muito sobre melhoria socioeconômica e o desenvolvimento de uma cultura de sustentabilidade.

Justificativa e objetivos do projeto

A ideia de desenvolver um projeto que objetivasse a melhoria da mediação de conhecimentos sobre História Regional e Desenvolvimento Sustentável, surgiu da realidade socioeconômica da Região Serrana de Santa Catarina, na qual nossa escola está inserida. Considerando que a região possui o menor IDH do Estado, e, paradoxalmente, detenha uma paisagem e clima exuberantes - com serras e campos de altitude, sendo a região mais fria do país, com ocorrência regular de geadas e ocasionais nevascas - o projeto História & Vitivinicultura foi idealizado para possibilitar aos alunos do Ensino Fundamental da Escola de Educação Básica Padre Antônio Vieira, de Anita Garibaldi (SC), aprendizados sobre um setor que vem despontando na região: a vitivinicultura (produção de vinhos e espumantes). Além da produção de vinhos, em uma das empresas parceiras do projeto, a vinícola Abreu Garcia, encontra-se um milenar sítio arqueológico indígena, através do qual também realizamos estudos sobre arqueologia e história indígena. A escolha da temática (História & Vitivinicultura) seu deu, sobretudo, devido as peculiaridades históricas e ambientais da região, que proporcionaram que a partir do final dos anos 1990 empresários investissem em vinícolas na Serra Catarinense, e, em relativo pouco tempo, desenvolvessem intensamente o enoturismo e conquistassem destaque internacional por seus vinhos premiados. Sendo assim, em uma região que há pouco tempo tinha apenas a pecuária e o extrativismo vegetal como maiores fontes de renda (atividades de negativo impacto ambiental, isto é, uma situação-problema), o projeto se justifica no aspecto escolar, econômico e social, pois apresenta aos estudantes este recente setor da economia de uma maneira dinâmica e que amplia as possibilidades de inserção socioeconômica e amplia os horizontes do saber.

Dentro da temática escolhida para desenvolver o projeto (História & Vitivinicultura), procurei priorizar recortes na área de História Regional, com destaque para mediação de conhecimento aos alunos sobre a Região Serrana de Santa Catarina, Arqueologia, Agricultura e as atividades que envolvem o setor vitivinícola, como plantio de videiras, produção de vinho, enoturismo, economia e desenvolvimento sustentável. As oportunidades que esses recortes temáticos puderam oferecer foram fundamentais para o desenvolvimento dos conteúdos da disciplina de História, sobretudo para as turmas de 6º ano do Ensino Fundamental, pois, através das saídas a campo nas vinícolas, pude explicar e demonstrar na prática como esses conceitos se aplicam na nossa realidade regional. Dentre as metas de aprendizagem que busco atingir com o projeto, destaco a articulação e desenvolvimento de novos saberes sobre a história regional, desenvolvimento socioeconômico e sustentabilidade.  Por meio de cada saída de campo, objetivo que os estudantes mobilizem seus conhecimentos prévios sobre a história regional e os articulem com os novos conhecimentos aprendidos durante a visita guiada.

O objetivo do projeto foi apresentar as vinícolas de Santa Catarina aos alunos, através de saídas a campo na qual articulamos, juntos com os empresários e enólogos, temas da história regional, desenvolvimento socioeconômico e sustentabilidade. Por meio de cada saída a campo, os estudantes mobilizaram seus conhecimentos prévios sobre a história regional e os articularam com os novos conhecimentos aprendidos durante a visita guiada.

Metodologia e desenvolvimento

As saídas a campo compõem uma metodologia de ensino dinâmica, através da qual os alunos podem compreender diversos temas da disciplina de História. Durante a visita guiada às vinícolas, o professor (Gil Karlos Ferri), os proprietários e os enólogos contextualizam a produção do vinho através das diferentes sociedades e períodos, bem como trouxeram à tona a história da região onde o empreendimento está inserido e seus impactos socioeconômicos. Os alunos também aprendem conceitos de economia agrícola e turismo, setores tradicionais e com alto potencial no estado de Santa Catarina. Após cada visita, que dura a tarde toda, os alunos produzem um relatório no qual apresentam suas observações e aprendizados adquiridos durante a atividade. A principal intervenção realizada pelo professor são as interações e indagações acerca dos conhecimentos prévios dos alunos, buscando conectar com os novos conhecimentos construídos coletivamente com o grupo de estudos de cada saída de campo. Chamamos essa metodologia de “aprendizado de experiência”.

Cada turma envolvida com o projeto passa por três (3) etapas, desenvolvidas para propiciar um crescendo de aprendizados e novos conceitos assimilados: aulas preparatórias na escola; saída a campo em alguma vinícola da região; e produção do relatório e feedback sobre a atividade realizada a campo. As turmas que participam do projeto passam por um (1) mês de trabalho, no qual uma aula semanal da disciplina é reservada aos estudos de História & Vitivinicultura, sendo: duas (2) aulas/semanas de estudos na sala; uma (1) aula/semana para a saída a campo, previamente agendada (com documentos de autorizações dos pais assinados); e uma (1) aula/semana para a elaboração dos relatórios. Uma das estratégias para motivar os alunos a participar com entusiasmo do projeto e promover a interação e o “espírito de equipe” da turma que fará a visita a vinícola, é mostrar fotos das turmas que já realizaram a atividade, e também sugerir que os alunos criem grupos em redes sociais para trocarem ideias, como, por exemplo, quais músicas irão ouvir e cantar durante a vigem no mircoônibus. Tratando-se de uma escola pública de Santa Catarina, Estado por excelência formado pela migração e miscigenação étnica, a diversidade é nossa maior riqueza, logo, o projeto valoriza a variedade de saberes. Acredito que o momento mais significativo de cada saída a campo é o encantamento dos estudantes ao descobrir como funciona a fermentação das uvas para se produzir o vinho, e a noção de que todas as matérias que eles estudam na escola são mobilizadas pelos profissionais para essa atividade, como, por exemplo, ciências e matemática.

O projeto foi planejado para ser desenvolvido, com cada turma, em três (3) etapas: aulas preparatórias na escola; saída a campo em alguma vinícola da região; e produção do relatório e feedback sobre a atividade realizada a campo. Ao longo de minha formação na Universidade Federal de Santa Catarina (2009-2014), muitos autores/pesquisadores da área da educação contribuíram e me inspiraram a buscar alternativas criativas para o processo de mediação dos conteúdos, dentre os quais destaco: Jaume Carbonnel, com seu livro A aventura de inovar: a mudança na escola (Porto Alegre: Artemed, 2002); Ana Francisca Moura, com sua tese de doutorado intitulada Tempo da escola, tempo da vida (Universidade do Minho, 2005); e Jorge Santos Martins, com sua obra Situações práticas de ensino e aprendizagem significativa (Campinas: Editores Associados, 2009). Diversos materiais sobre estudos regionais e enologia foram compartilhados com os estudantes, tais como livretos ilustrados, revistas temáticas sobre enoturismo, folders e artigos científicos sobre arqueologia adaptados ao nível escolar. Os recursos materiais que são mobilizados para o projeto, além do transporte em microônibus que utilizamos, são papel, lápis/caneta e prancheta para as anotações necessárias para elaborar o relatório após a saída a campo.

Os diagnósticos de aprendizagem dos alunos foram feitos através de um relatório escrito, no qual os estudantes produziam um texto narrando a saída a campo e apresentando alguns conceitos desenvolvidos durante a visita guiada, bem como seus novos aprendizados construídos. A avaliação destes relatórios foi realizada de modo personalizado e sem atribuição de nota, isto é, cada relatório é comentado pelo professor (feedback) buscando identificar os novos conceitos e conhecimentos, e apontar as possíveis melhorias, tanto na narrativa escrita quanto nas informações descritas.

Considerações finais

A experiência obtida com o projeto, de levar estudantes a campo, não se restringe apenas na questão de vitivinicultura. Também aproveito a metodologia para ensinar temas como colonização e História Ambiental (modificação da paisagem), sempre por meio de teoria na escola e vivência prática nas excursões. Aprendi com o projeto que a escola pode e deve estar inserida na realidade que a cerca, pois o mundo é uma escola, e a escola é o mundo. Ela não pode estar dissociada dos anseios socioeconômicos de uma região, e assim como as universidades, deve produzir, sistematizar e socializar conhecimentos bem construídos, através de parcerias com empresas, entidades e a sociedade de modo geral.

Acredito que a História seja, por excelência, uma disciplina dinâmica e envolvente; logo, seu ensino escolar precisa estar em sintonia com o que há de mais atrativo e significativo, do ponto de vista pedagógico e cidadão. A realização de saídas a campo é fundamental para ampliar os horizontes do saber através do que eu chamo de “aprendizado de experiência”. O projeto História & Vitivinicultura representa uma oportunidade a mais para impulsionar os alunos a uma postura mais crítica e emancipatória. O conhecimento extraclasse do aluno faz toda a diferença no aprendizado como um todo. Em uma experiência como a do projeto, fica mais fácil, por exemplo, explicar conceitos e mediar informações que foram observadas pelos próprios estudantes durante as atividades.

Álbum fotográfico do projeto disponível em: <https://www.facebook.com/pg/EEBPEANTONIOVIEIRA/photos/?tab=album&album_id=1340110129364470>. Acesso em: 13 jan. 2019.

Referências

Gil Karlos Ferri é bacharel e licenciado em História pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e mestre em História pela Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS). Pesquisa e leciona História, com ênfase em estudos ítalo-brasileiros, vitivinicultura e História Ambiental.

CARBONEL, Jaume. A aventura de inovar: a mudança na escola. Porto Alegre: Artemed, 2002.

MOURA, Ana Francisca. Tempo da escola, tempo da vida. Universidade do Minho, 2005.

MARTINS, Jorge Santos. Situações práticas de ensino e aprendizagem significativa. Campinas: Editores Associados, 2009.

2 comentários:

  1. Professor Gil, eu já conhecia o seu projeto através de uma reportagem da televisão e de um evento que eu participei a profª Eunice havia comentado sobre ele. Acho um excelente projeto, e agora lendo o seu texto compreendi ele melhor, realmente é sensacional. Ele é um belo exemplo de que, tão ou mais importante do que ter equipamentos de última geração na sala de aula, o que torna o ensino interessante para os alunos é a criatividade do professor na hora de transmitir o conhecimento e você o faz com muita propriedade abordando vários temas além da história ambiental, como história regional, geografia, economia, entre outros, é muito legal essa aproximação da história com outros saberes. Minha pergunta é muito simples, se esse projeto foi seu estudo de mestrado? Tens perspectiva de ampliar esse projeto para outros lugares- escolas?

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  2. Caro Gil Karlos, parabéns pela excelente iniciativa e belo trabalho. Considerando a abrangência de possibilidades exploratórias, houve envolvimento de professores de outras disciplinas ao longo do projeto, numa perspectiva transdisciplinar?

    Fábio Alves dos Santos

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