PROCESSOS JUDICIAIS COMO FONTES HISTÓRICAS: ALGUNS
CUIDADOS NECESSÁRIOS
Este texto possuiu o objetivo de verificar
as possibilidades de utilização de processos judicias transitados em julgados
como fontes históricas. Para isso, realiza através de uma pesquisa
bibliográfica um panorama geral do uso e
classificação do processo judicial e as possibilidades metodológicas de sua
utilização. O estudo demonstrou a necessidade de resgatar as fontes
primárias, no âmbito das pesquisas da história e do direito, nesse profícuo
momento, onde emergem as reflexões acerca da preservação ou o descarte de
documentos judiciais, além disso, constatou-se que os processos judiciais são
excelentes fontes históricas desde que usados corretamente.
Introdução
Neste texto apresentamos as possibilidades de
utilização de processos judiciais como fontes históricas. Desta forma, a
pesquisa visa colaborar para que pesquisadores e professores de história possam
refletir sobre como fazer pesquisas históricas através destas fontes.
Com estes pressupostos o estudo abordou como
utilizar-se de processos judiciais findos, uma análise do instituto do processo
judicial, perpassando a utilização dele como fonte histórica e alguns cuidados
especiais na utilização deste tipo de fontes.
Para que ocorra essa
compreensão de processos judiciais como fontes históricas, inicialmente é necessário
ter em mente que eles não surgiram para que os historiadores façam pesquisa.
Não foram feitos para servir ao historiador, mas sim para apurar, investigar
alguma lide. Os documentos judiciais não estão lá como que só aguardando um
historiador para desvendá-lo. Tornar um processo em fonte histórica é um
procedimento de opção e seleção feita pelo pesquisador e que supõe seu
tratamento metodológico e teórico no processo de toda pesquisa desde a
definição do tema à redação do texto final, como veremos a seguir.
Processos judiciais como fontes históricas
Uma das formas de fazer
pesquisas históricas é através de processos judiciais. Em que, a utilização de fontes processuais jurídicas
enquadra-se numa problemática seminal que discute a possibilidade efetiva da
existência de um conhecimento histórico fora das marcas do discurso textual.
Para
compreender o assunto, é necessário estarmos ciente de que a palavra fonte aqui
é compreendida no sentido de documento,
ou seja, algo em que está lançado o testemunho de algum episódio que ocorreu no
passado.
Para
Heinsfeld (2013, p.196): “O relato de um evento do passado representa uma
reconstrução baseada nos vestígios do que aconteceu. O trabalho do historiador
é identificar os vestígios para poder depois coletá-los, organizá-los,
analisá-los e interpretá-los”. Por sua vez,
Bacellar et. al. (2005, p.28), nos
ensinam que:
“Em
seu estudo, os historiadores utilizam diferentes tipos de documentos, chamados
fontes históricas. Estas podem ser escritas (livros, jornais, certidões de
nascimento, testamentos), iconográficas (pinturas, gravuras, charges, desenhos,
fotografias), orais (depoimentos, histórias tradicionais) e materiais
(vestígios de construções, instrumentos, utensílios e fósseis, restos
petrificados de animais e vegetais), entre outras”.
No presente trabalho abordamos como fonte o processo
judicial, que é uma palavra com origem no latim procedere,
que significa método, sistema, maneira de agir ou conjunto
de medidas tomadas para atingir algum objetivo.
Assim,
processo judicial é o instrumento posto à disposição do Poder Judiciário
para o exercício de suas funções típicas. Através dele se concretiza a
jurisdição, que possui como objetivos eliminar conflitos e fazer justiça por
meio da aplicação da Lei ao caso concreto. Etimologicamente,
tem o sentido de marcha para frente, avanço, progresso ou desenvolvimento.
O processo no Direito é necessariamente formal porque suas formas atuam
como garantia de imparcialidade, legalidade e isonomia na consecução das
atribuições do Estado. A formalidade do processo também é um pressuposto de
entrave à busca de interesses individuais e à prática de arbitrariedades por
aqueles que estão no poder.
Pode ser compreendido, portanto, como o meio, criado e normatizado pelo Direito,
para exercício de uma das funções próprias do Estado, no caso a jurisdicional.
A Constituição Federal é a fonte responsável por definir seu modelo
fundamental, cabendo à legislação ordinária a sua regulamentação.
Não é de hoje que diferentes processos judiciais podem servir a
diferentes tipos de pesquisa, sendo possível extrair deles análises variadas
sobre grupos sociais diversos. Mas essas diferentes pesquisas têm em comum o
fato de trabalharem com a interpretação da palavra escrita a fim de discorrer
sobre a construção do discurso empreendido por determinados grupos sociais.
Outro ponto a se destacar é o recorte
espacial para a utilização de processos judiciais como fontes históricas, pois
muitas vezes eles são julgados em locais distintos ao da ocorrência do fato.
Machado (2013, p.29) elucida a situação:
“Uma vez que as fontes são processos judiciais, não podemos delimitar
uma região em termos espaciais de forma específica, pois os processos judiciais
têm origem em comarcas da Justiça; portanto, tem-se um critério de ordem
institucional, ou seja, as comarcas do norte do Estado do Rio Grande do Sul não
correspondem à divisão político-administrativa do mesmo, mas à organização
administrativa do Judiciário, bem como o fato de os litígios identificados nas
autuações dizerem respeito às terras do Planalto rio-grandense e da legislação
corresponder, ora ao Estado brasileiro, ora ao estado federativo”.
Também é importante destacar que é
impossível analisar processos judiciais sem refletir sobre as atividades e
crenças dos profissionais do sistema jurídico, embora como visto anteriormente os
profissionais do judiciário devam desempenhar suas funções com imparcialidade e
de acordo com as regras legais, preestabelecidas nos códigos processuais.
Ainda, deve-se estar atento para uma análise processual na data da ocorrência
dos fatos e da legislação que vigia na época, para não incorrer em anacronismo.
Contudo, tudo isso só faz sentido se a
leitura da fonte não ficar restrita ao universo do próprio processo. Sua
análise é concernente na medida em que pode ajudar a instruir um contexto mais
amplo, bem como a discutir a produção historiográfica mais geral sobre um
período ou uma questão. É justamente na relação entre o particular e o geral,
entre o micro e a macro-história, que está a arte do historiador.
Assim, os documentos elaborados e recebidos pelo Poder Judiciário
Brasileiro formam os arquivos judiciais, espaços nos quais são acondicionadas
informações públicas de cunho jurídico, científico e social. Essas informações,
além de atender às demandas de sua criação e uso, podem refletir à memória a
ser legada às gerações futuras.
O processo judicial não deve ser interpretado apenas como manifestação
do Estado, e este não deve ser visto como emitente dos depoimentos. É viável considerar
os filtros que a justiça impõe, mas não se deve considerar que a narrativa não
contenha o modo como determinada pessoa vivencia sua realidade. O processo
contém discursos de todas as partes envolvidas na ação e não apenas a do
Estado.
Tão importante como desvendar o processo e extrair dele todas as
informações possíveis e disponíveis, é ter a sensibilidade de perceber onde
estão as ausências, os pontos obscuros, as entrelinhas. E buscar suprir o
silêncio, na medida do possível, com outras informações e documentos, fazendo
as devidas e as possíveis interferências.
Alguns cuidados com a utilização de processos
judiciais como fontes históricas
Não é de agora que os historiadores servem-se dos processos judiciais
como fontes históricas, mas mesmo assim ainda persistem muitas celeumas entre eles
sobe a utilização destas fontes, uma delas é sobre o recorte temporal, em que
muitos não entram em um consenso sobre a partir de qual tempo pode ser
considerado como passado e por isso, vários dos historiadores do tempo presente
sofrem resistências para sua legitimação como campo de estudo.
Em se tratando de processos judiciais compreendemos que a partir do seu
transito em julgado, que é o momento que são prolatadas todas as decisões e
esgotadas todas as possibilidades de recursos, eles já estão aptos para serem
estudados pela História. Considerando, que não sofrerão mais nenhuma alteração
ou acréscimo de atos, bem como porque os processos judiciais, muitas vezes
desde a sua propositura até seu arquivamento final, tramitam por muitos anos ou
décadas.
O uso de processos judiciais como fontes para abordagens históricas
sofre também eventualmente críticas por parte de alguns pesquisadores, por
esses denegarem a tais documentos seu potencial de objetivação. Isto é, repelem a possibilidade de estender os
questionamentos para além do mundo jurídico. Assim, não seria possível estabelecer uma
relação objetiva entre o fato processado nos processos com fatos do mundo. No
máximo, reconhecem a agregação ideológica de representações sociais existentes
num plano mais abrangente pelos lidadores do Direito que constroem o processo.
É o que afirma, por exemplo,
Corrêa (1983, p.40), para quem o processo não passa de uma invenção, ou mesmo
de uma ficção social:
“No momento em que os atos
se transformam em autos, os fatos em versões, o concreto perde quase toda a sua
importância e o debate se dá entre atores jurídicos, cada um deles usando a
parte do 'real' que melhor reforce o seu ponto de vista. Neste sentido é o real
que é processador, moído até que se possa extrair dele um esquema elementar
sobre o qual se construirá um modelo de culpa e um modelo de inocência”.
Corrêa (1983) concebe a
categoria de manipuladores técnicos, profissionais do judiciário quanto das
polícias orientados a ordenar a realidade de acordo com as representações
sociais eleitas pela máquina judicial. Nesse caso, os autos serviriam como
fonte para se fazer uma história da Justiça e das representações dos
funcionários da Justiça acerca da ordem social.
Desta forma, a utilização
dos autos, como fonte de pesquisa, não é de aceitação unânime entre todos os
historiadores, pois estes argumentam que eles não correspondem à exata
realidade do que se passou.
Não comungamos na
integralidade com a crítica destes historiadores, num passado mais longínquo
sabemos que a justiça era mais deficitária, contudo, no mínimo desde a
promulgação da Constituição Federal de 1988 todos os brasileiros têm direito ao
acesso a Justiça, aqueles que não têm condições de paga-la possuem direito a
assistência judiciária gratuita, a um defensor público ou advogado dativo, as
decisões monocráticas dependendo do rito processual são passíveis de recursos
para instâncias superiores, a ampla defesa e o contraditório é um princípio
constitucional e as provas periciais estão cada vez mais evoluídas.
Além disso, essa questão não
deveria ser uma preocupação do historiador porque, com a revolução documental,
a pretensão em atingir uma representação pura e verdadeira do passado cedeu
lugar a uma certa subjetividade, inerente ao trabalho do historiador, no qual
também se exteriorizam seus anseios, seus conflitos e sua visão de mundo. Ou
seja, todo trabalho historiográfico traz a marca de seu tempo, à medida em que
o pesquisador convive com versões incompatíveis e próprias de qualquer
realidade histórica. Há que se ponderar, também, que as interpretações
históricas sempre podem revelar novos fatos e novas leituras sobre velhos
fatos, visões parciais ou mesmo complementares, abolindo visões deturpadas ou
desacreditadas. Uma nova leitura de um processo judicial, ou de qualquer outra
fonte escolhida pelo historiador, pode projetar dúvidas sobre antigas certezas
e estabelecer conexões insuspeitas.
Parece, portanto, que um dos
obstáculos dos pesquisadores que se dedicam aos processos judiciais como fonte
histórica é não confundir a verdade formal, dos autos, com a verdade material,
presente no mundo objetivo.
Escapar dessa relação conflituosa
depende, primeiro, de um entendimento heurístico do funcionamento, das
dinâmicas e das nuanças intrínsecas aos processos judiciais, como resultado de
uma construção historicamente contextualizada e ancorada em interesses difusos.
Uma desaprovação dos arquivos judiciais, portanto, antecede o momento em que se
torna fonte; esses devem ser considerados, primeiro, enquanto mecanismos de
construção de verdade, um campo de luta onde se confrontam discursos que têm
como objetivo se impor sobre discursos adversários Neste ponto Rosemberg &
Souza (2009. p. 7) elucidam que:
“Vale lembrar a lição Foucaultiana
a respeito da implicação discursiva que atua sobre a realização do processo
judicial como instrumento legitimo e institucionalizado de busca da
justiça/verdade. O conceito de verdade como a realização da justiça, escopo
fundamental do Direito ao justificar o Devido Processo Legal,
vai de encontro com a concepção foucaultiana de verdade que, em sua a acepção
particular, significa, no campo de luta, a batalha pela validação de uma
versão. Em suma, a verdade não seria neutra, mas uma produção do discurso”.
A respeito, Fausto (2003, p.
32-33) também escreveu:
“O processo se corporifica
por meio de uma série de procedimentos, dentre os quais se destaca um conjunto
de falas de personagens diversos. A emissão dessas falas e forma de captá-las
não é diferente da construção do processo”.
Por isso, entendemos que as críticas não merecem respaldo, considerando
ainda, que o trabalho do advogado não difere muito a do historiador, ambos
trabalham com fontes, as do advogado servem como elementos para a propositura
da ação ou da defesa (provas), as do historiador para realizarem a narrativa
histórica, ambos utilizando uma teoria e interpretando conforme sua
subjetividade.
Outra preocupação que se deve ter é quanto ao conteúdo dos processos,
pois muitas vezes as informações são de caráter de segredo de justiça,
geralmente quando envolvem questões relativas a menores ou familiares. Nestas situações o historiador não pode
divulgar os nomes dos indivíduos que fazem parte da trama processual, uma vez
que podem ocasionar danos a eles, aos envolvidos ou familiares, mas isso não
impede de serem utilizados.
Uma barreira que pode
ocorrer ao historiador diz respeito ao acesso aos processos, embora, os
arquivos do Poder Judiciário são considerados documentos públicos, a Lei 8159,
de 08 de janeiro de 1991, que dispõe sobre a política nacional de arquivos
públicos e privados, reza que o Poder Judiciário possui a competência de
proceder à gestão de documentos produzidos e recebidos em razão do exercício de
suas funções. Por isso, alguns tribunais não permitem que os processos sejam retirados
pelos historiadores do cartório, em virtude da carga ser uma prerrogativa dos
advogados, outros permitem a digitalização ou fotocópias somente dentro das
dependências do Judiciário e muitos ainda cobram taxas administrativas para o desarquivamento.
Por último, mas não menos
importante, temos o anacronismo que é muito fácil de ocorrer em matéria
jurídica, eis que a legislação brasileira está em constante alteração, criação
ou revogação, o que hoje era proibido pela legislação pode amanhã estar
permitido. Por isso, não basta o historiador interpretar os dados dos autos
apenas conforme as informações constantes no processo, mas dialogando com a
legislação e inclusive com as normas religiosas e morais da época dos
fatos.
Além do anacronismo, o
pesquisador em matéria jurídica tem que estar atento para distinguir normas morais
das jurídicas, eis que embora o
procedimento jurídico é todo embasado através da legislação, as partes muitas
vezes tentam justificar seus atos através de costumes e tradições, que nem sempre
são recepcionados pela lei ou divergem desta.
Considerações finais
A história não é apenas
significado de grandeza e poder, mas busca conceber o entendimento histórico de
um período a partir de seus diversos sujeitos. Conhecer um passado através de
autos judiciais se tornou factível porque nestas fontes são lançadas o desenvolvimento
de uma sociedade, seja nas relações econômicas, no quotidiano da vida, nas
relações entre pessoas física e jurídica, entre patrão e empregado, entre
familiares etc. Os autos são preservados porque registraram formas de
administrar e punir, ouvir e comunicar de acordo com período em que o fato
ocorreu. Por isso, para as sociedades contemporâneas dialogar com esse passado retrata uma oportunidade de apreciar como
esses processos se concebem e se transformam.
Constatamos também, que os
processos judiciais findos são relevantes o seu uso como fontes informacionais
para fins históricos, sociais, científicos e culturais. A abrangência e
diversidade de informações existentes significam vários caminhos possíveis de
serem seguidos.
Lembrando que os processos
são caracterizados pela naturalidade e organicidade de sua produção, uma vez
que não surgem para serem fontes históricas, mas conquistam essa condição pelas
informações que carregam e pelos usos que oferecem.
Nesse sentido, demonstra-se a
pertinência da preservação dos arquivos judiciais, como fontes documentais que necessitam
ser adequadamente administradas e, consequentemente, acessadas, para o uso de historiadores
e demais interessados.
Os arquivos judiciais
representam um campo amplo de fontes documentais, as quais podem subsidiar
estudos específicos nas diversas áreas jurídicas que geram litígios e produzem
os arquivos. Dessa forma, é possível e viável a utilização destes processos
como fontes históricas, uma vez que eles são depositários de muitas informações
tanto no aspecto quantitativo quanto qualificativo.
Cabe lembrar, ainda, que
esses documentos não são produzidos por um único agente público. Concorriam nos
processos agentes diversos: advogados, juízes, peritos, escrivães, promotores
públicos, juízes, oficiais de justiça, entre outros. Portanto, tais documentos
são complexos na forma de sua produção e, muitas vezes, contém informações
completamente divergentes oferecidas por autoridades diferentes, mas que com
uma analise minuciosa, respeitando as especificidades tanto da História quanto
do Direito podem revelar muito sobre o passado.
Referências
Fábio Roberto Krzysczak é doutorando em História
pela Universidade de Passo Fundo, Licenciado em Direito e História, servidor
público do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do
Sul.
BRASIL. Lei 4.504, de 30 de novembro de 1964.
Estatuto da Terra. Presidência da República. República Federativa do Brasil.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L4504.htm.
Acesso em: 07 mar. 2019.
CORRÊA, M. Morte
em família – Representações Jurídicas de Papéis Sexuais. Rio
de Janeiro: Graal, 1983.
FAUSTO, B. Crime e
cotidiano. A criminalidade em São Paulo (1880-1924), 2009.
HEINSFELD, A. Sob a inspiração de Clio: uma introdução ao estudo da
história. 2ª ed. revisada. São Paulo: DPP Editora; Passo Fundo: PPGH-UPF, 2013.
MACHADO, I. P. Algumas considerações sobre a pesquisa histórica com fontes judiciais. Métis: história &
cultura. v. 12, n. 23, jan./dez. 2013.
ROSEMBERG, A; DE SOUZA, L. A. F. Notas sobre o uso de documentos judiciais e policiais como fonte de
pesquisa histórica. UNESP- FCLAs – CEDAP. v. 5, n.2, p. 159-173 -
dez. 2009.
Excelente texto!
ResponderExcluirUma pergunta: Considerando que o processo judicial é um conjunto de fatos e atos realizados conforme regras estabelecidas em Códigos (de Processo Civil, de Processo Penal, etc), como o historiador pode fazer a distinção entre a verdade processual e a verdade real, evitando se influenciar apenas pela verdade processual, que é obtida em obediência às regras dos códigos?
Obrigado.
Att,
Rodrigo Jacomo Teixeira
Rodrigo, fico muito feliz que tenha lido o texto e gostado.
ExcluirQuanto ao seu questionamento, a sua dúvida é bastante pertinente e importante, até para que os historiadores não façam uma simples narrativa dos processos judicias e saibam diferencias essas “verdades” Em síntese os códigos brasileiros afirmam que o ônus da prova incumbe ao autor quanto ao fato constitutivo do seu direito e ao réu quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito. Em outras palavras, cada alegação feita no processo precisa vir acompanhada da prova respectiva, para que seja aceita pelo juiz. Alegar e não provar tem o mesmo efeito que não alegar.
Esta é a regra a que se submete o juiz ao apreciar a prova e sentenciar, pois deverá fazer a avaliação, sobre cada um dos temas em debate, fixando o encargo da prova para cada questão e verificando se a parte dele desincumbiu-se a contento.
Provado o fato deverá o julgador examinar se a lei confere o direito pretendido e, em caso positivo, deverá acolher o pedido. Não provado o fato a pretensão será indeferida, pois o fato será tido por inexistente para o fim pretendido processualmente.
Vemos, portanto, que a verdade processual nem sempre coincide com a verdade real, pois determinado fato pode ter ocorrido na vida real, mas a parte não consiga prová-lo no processo. E para o julgador o que é verdade é aquilo que consta dos autos. Diante disso, a despeito do que ocorreu realmente, a verdade processual é que determina o que é verdade para o juiz.
E, diferente do juiz, o intuito do historiador não é o de encontrar apenas a verdade dos fatos, mas a forma como as versões foram construídas derivando em tais verdades.
Por isso, o historiador tem que ter a capacidade de contextualizar todas as circunstancias em torno das provas apresentadas, verificando por exemplo em que contexto histórico os fatos da prova ocorreram; a lei que regia a matéria era de autoria de quem? Havia interesse de alguém ou de grupos na medida? A parte estava em comoção? O ato era legal, mas era ético e moral? Os fatos entravam em choque com normas religiosas? Havia mais provas que não foram juntadas aos autos? A sociedade teve comoção com a verdade?
De fato a verdade real e a verdade processual é uma relação bastante conflituosa, por isso, o historiador têm que ter um entendimento heurístico do funcionamento, das dinâmicas e das nuanças intrínsecas aos processos judiciais, respaldado em questionamentos, muitas vezes com o suporte da analise de conteúdo e/ou discurso para uma interpretação abrangente. Espero que eu tenha sanado as suas dúvidas.
Ótimo Texto!Aprendi muito!
ResponderExcluirPergunta: Apesar de não ser sua preocupação com este texto, como você avalia a utilização de fontes judiciais em sala de aula? Quais cuidados o professor-pesquisador deve adotar ao fazer uso dessa tipologia de fonte em sala de aula? Por fim, como você avalia o cruzamento de fontes (judiciais, paroquias e, dentre outras, militares) como mecanismo para lidar com essa relação conflituosa entre a verdade processual e a verdade real?
Obrigada!
Cordialmente,
Maiara Silva Araújo!
Maiara, fico muito feliz que o texto lhe lhe sido útil. Realmente, com seus questionamentos acho que seria bem importante eu ter mencionado sobre a utilização das fontes processuais em sala de aula, assim como a utilização de processos judiciais eletrônicos também seria interessante, eis que os procedimentos jurídicos estão sendo informatizados.
ExcluirEm relação à utilização de fontes judiciais em sala de aula, eu, penso que seja bastante factível, tanto qualitativamente quanto quantitativamente. Pois, os alunos sempre demonstram interesse e aguça a curiosidade deles, eis que geralmente se utiliza processos judiciais das comarcas de onde eles moram, então narra uma história daquela região, de um espaço que eles conhecem e assim conseguem contextualizar melhor. Também a utilização dos processos judiciais pode ser interessante por narrar fatos que são do cotidiano deles, de acontecimentos que foram pitorescos ou manchetes na cidade. Infelizmente, os historiadores/professores tem se utilizado quase que apenas de fontes judiciais criminais para estudar em sala de aula, mas os processos civis, trabalhistas, entre outros, podem revelar muito da história regional, podemos estudar a história ambiental da cidade através dos processos de crime ambiental, as relações de trabalho com as ações trabalhistas, entre outros.
Muito bem lembrado por você os cuidados necessários que temos que ter ao utilizar esses tipos de fontes. Embora os processos judiciais sejam públicos (exceto aqueles restritos a segredo de justiça) temos que ter bastante cautela quanto à utilização.
Um cuidado especial é ao tipo de conteúdo que têm no processo, exemplo um processo de homicídio ou de estupro, podem ter imagens e narrações muito impactantes, tanto para crianças quanto adolescentes, por isso desaconselhável a sua utilização.
Verificar se o processo não é referente algum familiar do aluno e que possa por ele em constrangimento. Por isso, sempre aconselhável também apagar, passar um corretivo sobre o nome das partes.
Verificar se a linguagem do processo está acessível aos alunos. Muitas vezes é necessário explicar aos alunos o que os termos jurídicos querem dizer nos autos.
Ter cuidado para que o processo não seja longo demais para a leitura dos alunos, ou até mesmo exaustivo por narrar poucos fatos.
Neste sentido, é necessário sempre que o professor faça uma leitura prévia dos processos para que as atividades ocorrerem tranquilamente.
Quanto ao seu segundo questionamento, outro colega fez uma pergunta similar e a resposta consta no questionamento acima, espero que ela contemple suas dúvidas.
Muito obrigado pelas perguntas!
Fábio Roberto Krzysczak
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ResponderExcluirBoa noite Fábio!
ResponderExcluirExcelente texto, me interesso muito nas relações entre História e Direito, apesar de não ter a formação jurídica, gosto de estudar por conta algumas temáticas, principalmente quando relacionadas à História e à Pedagogia.
Você considera que alguns processos judiciais não são passíveis de serem utilizados devido à sua natureza, seja violenta ou burocrática demais para ser entendida por terceiros que não estão inseridos no âmbito jurídico?
Agradeço desde já!
Ruhama Ariella Sabião Batista.
Olá Ruhama, também gosto muito desta relação entre direito e história, me fascina. Fico feliz por ter gostado do texto.
ResponderExcluirPenso que todos os processos judiciais podem ser utilizados sim, desde que o tema seja relevante e o estudo tenha uma boa justificativa.
Além da História, eu possuo formação em Direito também, penso que isso me facilita na compreensão dos processos por estar familiarizado ao rito processual quanto à doutrina jurídica. Contudo, isso pode ter também um lado bastante negativo, pois numa análise de processos posso me tender excessivamente para o aspecto jurídico, enquanto o objeto da pesquisa é histórica.
Por isso, utilizar os processos judiciais como fontes e não ser inserido no âmbito jurídico não é nenhum empecilho para fazer uma excelente pesquisa, basta se familiarizar com os termos jurídicos e com os ritos processuais que se terá uma excelente analise.
Agradeço imensamente a pergunta.
Fábio Roberto Krzysczak