Fábio Roberto Krzysczak


PROCESSOS JUDICIAIS COMO FONTES HISTÓRICAS: ALGUNS CUIDADOS NECESSÁRIOS



Este texto possuiu o objetivo de verificar as possibilidades de utilização de processos judicias transitados em julgados como fontes históricas. Para isso, realiza através de uma pesquisa bibliográfica um panorama geral do uso e classificação do processo judicial e as possibilidades metodológicas de sua utilização. O estudo demonstrou a necessidade de resgatar as fontes primárias, no âmbito das pesquisas da história e do direito, nesse profícuo momento, onde emergem as reflexões acerca da preservação ou o descarte de documentos judiciais, além disso, constatou-se que os processos judiciais são excelentes fontes históricas desde que usados corretamente.  

Introdução
Neste texto apresentamos as possibilidades de utilização de processos judiciais como fontes históricas. Desta forma, a pesquisa visa colaborar para que pesquisadores e professores de história possam refletir sobre como fazer pesquisas históricas através destas fontes.

Com estes pressupostos o estudo abordou como utilizar-se de processos judiciais findos, uma análise do instituto do processo judicial, perpassando a utilização dele como fonte histórica e alguns cuidados especiais na utilização deste tipo de fontes.

Para que ocorra essa compreensão de processos judiciais como fontes históricas, inicialmente é necessário ter em mente que eles não surgiram para que os historiadores façam pesquisa. Não foram feitos para servir ao historiador, mas sim para apurar, investigar alguma lide. Os documentos judiciais não estão lá como que só aguardando um historiador para desvendá-lo. Tornar um processo em fonte histórica é um procedimento de opção e seleção feita pelo pesquisador e que supõe seu tratamento metodológico e teórico no processo de toda pesquisa desde a definição do tema à redação do texto final, como veremos a seguir.

Processos judiciais como fontes históricas
Uma das formas de fazer pesquisas históricas é através de processos judiciais. Em que, a utilização de fontes processuais jurídicas enquadra-se numa problemática seminal que discute a possibilidade efetiva da existência de um conhecimento histórico fora das marcas do discurso textual.

Para compreender o assunto, é necessário estarmos ciente de que a palavra fonte aqui é compreendida no sentido de documento, ou seja, algo em que está lançado o testemunho de algum episódio que ocorreu no passado.

Para Heinsfeld (2013, p.196): “O relato de um evento do passado representa uma reconstrução baseada nos vestígios do que aconteceu. O trabalho do historiador é identificar os vestígios para poder depois coletá-los, organizá-los, analisá-los e interpretá-los”. Por sua vez, Bacellar et. al. (2005, p.28), nos ensinam que:

“Em seu estudo, os historiadores utilizam diferentes tipos de documentos, chamados fontes históricas. Estas podem ser escritas (livros, jornais, certidões de nascimento, testamentos), iconográficas (pinturas, gravuras, charges, desenhos, fotografias), orais (depoimentos, histórias tradicionais) e materiais (vestígios de construções, instrumentos, utensílios e fósseis, restos petrificados de animais e vegetais), entre outras”.

No presente trabalho abordamos como fonte o processo judicial, que é uma palavra com origem no latim procedere, que significa método, sistema, maneira de agir ou conjunto de medidas tomadas para atingir algum objetivo.

Assim, processo judicial é o instrumento posto à disposição do Poder Judiciário para o exercício de suas funções típicas. Através dele se concretiza a jurisdição, que possui como objetivos eliminar conflitos e fazer justiça por meio da aplicação da Lei ao caso concreto. Etimologicamente, tem o sentido de marcha para frente, avanço, progresso ou desenvolvimento.

O processo no Direito é necessariamente formal porque suas formas atuam como garantia de imparcialidade, legalidade e isonomia na consecução das atribuições do Estado. A formalidade do processo também é um pressuposto de entrave à busca de interesses individuais e à prática de arbitrariedades por aqueles que estão no poder.

Pode ser compreendido, portanto, como o meio, criado e normatizado pelo Direito, para exercício de uma das funções próprias do Estado, no caso a jurisdicional. A Constituição Federal é a fonte responsável por definir seu modelo fundamental, cabendo à legislação ordinária a sua regulamentação.

Não é de hoje que diferentes processos judiciais podem servir a diferentes tipos de pesquisa, sendo possível extrair deles análises variadas sobre grupos sociais diversos. Mas essas diferentes pesquisas têm em comum o fato de trabalharem com a interpretação da palavra escrita a fim de discorrer sobre a construção do discurso empreendido por determinados grupos sociais.

Outro ponto a se destacar é o recorte espacial para a utilização de processos judiciais como fontes históricas, pois muitas vezes eles são julgados em locais distintos ao da ocorrência do fato. Machado (2013, p.29) elucida a situação:

“Uma vez que as fontes são processos judiciais, não podemos delimitar uma região em termos espaciais de forma específica, pois os processos judiciais têm origem em comarcas da Justiça; portanto, tem-se um critério de ordem institucional, ou seja, as comarcas do norte do Estado do Rio Grande do Sul não correspondem à divisão político-administrativa do mesmo, mas à organização administrativa do Judiciário, bem como o fato de os litígios identificados nas autuações dizerem respeito às terras do Planalto rio-grandense e da legislação corresponder, ora ao Estado brasileiro, ora ao estado federativo”.

Também é importante destacar que é impossível analisar processos judiciais sem refletir sobre as atividades e crenças dos profissionais do sistema jurídico, embora como visto anteriormente os profissionais do judiciário devam desempenhar suas funções com imparcialidade e de acordo com as regras legais, preestabelecidas nos códigos processuais. Ainda, deve-se estar atento para uma análise processual na data da ocorrência dos fatos e da legislação que vigia na época, para não incorrer em anacronismo.

Contudo, tudo isso só faz sentido se a leitura da fonte não ficar restrita ao universo do próprio processo. Sua análise é concernente na medida em que pode ajudar a instruir um contexto mais amplo, bem como a discutir a produção historiográfica mais geral sobre um período ou uma questão. É justamente na relação entre o particular e o geral, entre o micro e a macro-história, que está a arte do historiador.

Assim, os documentos elaborados e recebidos pelo Poder Judiciário Brasileiro formam os arquivos judiciais, espaços nos quais são acondicionadas informações públicas de cunho jurídico, científico e social. Essas informações, além de atender às demandas de sua criação e uso, podem refletir à memória a ser legada às gerações futuras.

O processo judicial não deve ser interpretado apenas como manifestação do Estado, e este não deve ser visto como emitente dos depoimentos. É viável considerar os filtros que a justiça impõe, mas não se deve considerar que a narrativa não contenha o modo como determinada pessoa vivencia sua realidade. O processo contém discursos de todas as partes envolvidas na ação e não apenas a do Estado.

Tão importante como desvendar o processo e extrair dele todas as informações possíveis e disponíveis, é ter a sensibilidade de perceber onde estão as ausências, os pontos obscuros, as entrelinhas. E buscar suprir o silêncio, na medida do possível, com outras informações e documentos, fazendo as devidas e as possíveis interferências.

Alguns cuidados com a utilização de processos judiciais como fontes históricas
Não é de agora que os historiadores servem-se dos processos judiciais como fontes históricas, mas mesmo assim ainda persistem muitas celeumas entre eles sobe a utilização destas fontes, uma delas é sobre o recorte temporal, em que muitos não entram em um consenso sobre a partir de qual tempo pode ser considerado como passado e por isso, vários dos historiadores do tempo presente sofrem resistências para sua legitimação como campo de estudo.

Em se tratando de processos judiciais compreendemos que a partir do seu transito em julgado, que é o momento que são prolatadas todas as decisões e esgotadas todas as possibilidades de recursos, eles já estão aptos para serem estudados pela História. Considerando, que não sofrerão mais nenhuma alteração ou acréscimo de atos, bem como porque os processos judiciais, muitas vezes desde a sua propositura até seu arquivamento final, tramitam por muitos anos ou décadas. 

O uso de processos judiciais como fontes para abordagens históricas sofre também eventualmente críticas por parte de alguns pesquisadores, por esses denegarem a tais documentos seu potencial de objetivação.  Isto é, repelem a possibilidade de estender os questionamentos para além do mundo jurídico.  Assim, não seria possível estabelecer uma relação objetiva entre o fato processado nos processos com fatos do mundo. No máximo, reconhecem a agregação ideológica de representações sociais existentes num plano mais abrangente pelos lidadores do Direito que constroem o processo.

É o que afirma, por exemplo, Corrêa (1983, p.40), para quem o processo não passa de uma invenção, ou mesmo de uma ficção social:

“No momento em que os atos se transformam em autos, os fatos em versões, o concreto perde quase toda a sua importância e o debate se dá entre atores jurídicos, cada um deles usando a parte do 'real' que melhor reforce o seu ponto de vista. Neste sentido é o real que é processador, moído até que se possa extrair dele um esquema elementar sobre o qual se construirá um modelo de culpa e um modelo de inocência”.

Corrêa (1983) concebe a categoria de manipuladores técnicos, profissionais do judiciário quanto das polícias orientados a ordenar a realidade de acordo com as representações sociais eleitas pela máquina judicial. Nesse caso, os autos serviriam como fonte para se fazer uma história da Justiça e das representações dos funcionários da Justiça acerca da ordem social.

Desta forma, a utilização dos autos, como fonte de pesquisa, não é de aceitação unânime entre todos os historiadores, pois estes argumentam que eles não correspondem à exata realidade do que se passou.

Não comungamos na integralidade com a crítica destes historiadores, num passado mais longínquo sabemos que a justiça era mais deficitária, contudo, no mínimo desde a promulgação da Constituição Federal de 1988 todos os brasileiros têm direito ao acesso a Justiça, aqueles que não têm condições de paga-la possuem direito a assistência judiciária gratuita, a um defensor público ou advogado dativo, as decisões monocráticas dependendo do rito processual são passíveis de recursos para instâncias superiores, a ampla defesa e o contraditório é um princípio constitucional e as provas periciais estão cada vez mais evoluídas.  

Além disso, essa questão não deveria ser uma preocupação do historiador porque, com a revolução documental, a pretensão em atingir uma representação pura e verdadeira do passado cedeu lugar a uma certa subjetividade, inerente ao trabalho do historiador, no qual também se exteriorizam seus anseios, seus conflitos e sua visão de mundo. Ou seja, todo trabalho historiográfico traz a marca de seu tempo, à medida em que o pesquisador convive com versões incompatíveis e próprias de qualquer realidade histórica. Há que se ponderar, também, que as interpretações históricas sempre podem revelar novos fatos e novas leituras sobre velhos fatos, visões parciais ou mesmo complementares, abolindo visões deturpadas ou desacreditadas. Uma nova leitura de um processo judicial, ou de qualquer outra fonte escolhida pelo historiador, pode projetar dúvidas sobre antigas certezas e estabelecer conexões insuspeitas.

Parece, portanto, que um dos obstáculos dos pesquisadores que se dedicam aos processos judiciais como fonte histórica é não confundir a verdade formal, dos autos, com a verdade material, presente no mundo objetivo.

Escapar dessa relação conflituosa depende, primeiro, de um entendimento heurístico do funcionamento, das dinâmicas e das nuanças intrínsecas aos processos judiciais, como resultado de uma construção historicamente contextualizada e ancorada em interesses difusos. Uma desaprovação dos arquivos judiciais, portanto, antecede o momento em que se torna fonte; esses devem ser considerados, primeiro, enquanto mecanismos de construção de verdade, um campo de luta onde se confrontam discursos que têm como objetivo se impor sobre discursos adversários Neste ponto Rosemberg & Souza (2009. p. 7) elucidam que:

“Vale lembrar a lição Foucaultiana a respeito da implicação discursiva que atua sobre a realização do processo judicial como instrumento legitimo e institucionalizado de busca da justiça/verdade. O conceito de verdade como a realização da justiça, escopo fundamental do Direito ao justificar o Devido Processo Legal, vai de encontro com a concepção foucaultiana de verdade que, em sua a acepção particular, significa, no campo de luta, a batalha pela validação de uma versão. Em suma, a verdade não seria neutra, mas uma produção do discurso”.

A respeito, Fausto (2003, p. 32-33) também escreveu:

“O processo se corporifica por meio de uma série de procedimentos, dentre os quais se destaca um conjunto de falas de personagens diversos. A emissão dessas falas e forma de captá-las não é diferente da construção do processo”.

Por isso, entendemos que as críticas não merecem respaldo, considerando ainda, que o trabalho do advogado não difere muito a do historiador, ambos trabalham com fontes, as do advogado servem como elementos para a propositura da ação ou da defesa (provas), as do historiador para realizarem a narrativa histórica, ambos utilizando uma teoria e interpretando conforme sua subjetividade.

Outra preocupação que se deve ter é quanto ao conteúdo dos processos, pois muitas vezes as informações são de caráter de segredo de justiça, geralmente quando envolvem questões relativas a menores ou familiares.  Nestas situações o historiador não pode divulgar os nomes dos indivíduos que fazem parte da trama processual, uma vez que podem ocasionar danos a eles, aos envolvidos ou familiares, mas isso não impede de serem utilizados.

Uma barreira que pode ocorrer ao historiador diz respeito ao acesso aos processos, embora, os arquivos do Poder Judiciário são considerados documentos públicos, a Lei 8159, de 08 de janeiro de 1991, que dispõe sobre a política nacional de arquivos públicos e privados, reza que o Poder Judiciário possui a competência de proceder à gestão de documentos produzidos e recebidos em razão do exercício de suas funções. Por isso, alguns tribunais não permitem que os processos sejam retirados pelos historiadores do cartório, em virtude da carga ser uma prerrogativa dos advogados, outros permitem a digitalização ou fotocópias somente dentro das dependências do Judiciário e muitos ainda cobram taxas administrativas para o desarquivamento. 

Por último, mas não menos importante, temos o anacronismo que é muito fácil de ocorrer em matéria jurídica, eis que a legislação brasileira está em constante alteração, criação ou revogação, o que hoje era proibido pela legislação pode amanhã estar permitido. Por isso, não basta o historiador interpretar os dados dos autos apenas conforme as informações constantes no processo, mas dialogando com a legislação e inclusive com as normas religiosas e morais da época dos fatos. 

Além do anacronismo, o pesquisador em matéria jurídica tem que estar atento para distinguir normas morais das jurídicas, eis que embora  o procedimento jurídico é todo embasado através da legislação, as partes muitas vezes tentam justificar seus atos através de costumes e tradições, que nem sempre são recepcionados pela lei ou divergem desta.

Considerações finais
A história não é apenas significado de grandeza e poder, mas busca conceber o entendimento histórico de um período a partir de seus diversos sujeitos. Conhecer um passado através de autos judiciais se tornou factível porque nestas fontes são lançadas o desenvolvimento de uma sociedade, seja nas relações econômicas, no quotidiano da vida, nas relações entre pessoas física e jurídica, entre patrão e empregado, entre familiares etc. Os autos são preservados porque registraram formas de administrar e punir, ouvir e comunicar de acordo com período em que o fato ocorreu. Por isso, para as sociedades contemporâneas dialogar com esse passado retrata uma oportunidade de apreciar como esses processos se concebem e se transformam.

Constatamos também, que os processos judiciais findos são relevantes o seu uso como fontes informacionais para fins históricos, sociais, científicos e culturais. A abrangência e diversidade de informações existentes significam vários caminhos possíveis de serem seguidos.

Lembrando que os processos são caracterizados pela naturalidade e organicidade de sua produção, uma vez que não surgem para serem fontes históricas, mas conquistam essa condição pelas informações que carregam e pelos usos que oferecem.

Nesse sentido, demonstra-se a pertinência da preservação dos arquivos judiciais, como fontes documentais que necessitam ser adequadamente administradas e, consequentemente, acessadas, para o uso de historiadores e demais interessados.

Os arquivos judiciais representam um campo amplo de fontes documentais, as quais podem subsidiar estudos específicos nas diversas áreas jurídicas que geram litígios e produzem os arquivos. Dessa forma, é possível e viável a utilização destes processos como fontes históricas, uma vez que eles são depositários de muitas informações tanto no aspecto quantitativo quanto qualificativo.

Cabe lembrar, ainda, que esses documentos não são produzidos por um único agente público. Concorriam nos processos agentes diversos: advogados, juízes, peritos, escrivães, promotores públicos, juízes, oficiais de justiça, entre outros. Portanto, tais documentos são complexos na forma de sua produção e, muitas vezes, contém informações completamente divergentes oferecidas por autoridades diferentes, mas que com uma analise minuciosa, respeitando as especificidades tanto da História quanto do Direito podem revelar muito sobre o passado.

Referências
Fábio Roberto Krzysczak é doutorando em História pela Universidade de Passo Fundo, Licenciado em Direito e História, servidor público do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul.

BRASIL. Lei 4.504, de 30 de novembro de 1964. Estatuto da Terra. Presidência da República. República Federativa do Brasil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L4504.htm. Acesso em: 07 mar. 2019.

CORRÊA, M. Morte em família – Representações Jurídicas de Papéis Sexuais. Rio de Janeiro: Graal, 1983.

FAUSTO, B. Crime e cotidiano. A criminalidade em São Paulo (1880-1924), 2009.

HEINSFELD, A. Sob a inspiração de Clio: uma introdução ao estudo da história. 2ª ed. revisada. São Paulo: DPP Editora; Passo Fundo: PPGH-UPF, 2013.

MACHADO, I. P. Algumas considerações sobre a pesquisa histórica com fontes judiciais. Métis: história & cultura. v. 12, n. 23, jan./dez. 2013.

ROSEMBERG, A;  DE SOUZA, L. A. F. Notas sobre o uso de documentos judiciais e policiais como fonte de pesquisa histórica. UNESP- FCLAs – CEDAP. v. 5, n.2, p. 159-173 - dez. 2009.



7 comentários:

  1. Excelente texto!
    Uma pergunta: Considerando que o processo judicial é um conjunto de fatos e atos realizados conforme regras estabelecidas em Códigos (de Processo Civil, de Processo Penal, etc), como o historiador pode fazer a distinção entre a verdade processual e a verdade real, evitando se influenciar apenas pela verdade processual, que é obtida em obediência às regras dos códigos?
    Obrigado.
    Att,
    Rodrigo Jacomo Teixeira

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    1. Rodrigo, fico muito feliz que tenha lido o texto e gostado.
      Quanto ao seu questionamento, a sua dúvida é bastante pertinente e importante, até para que os historiadores não façam uma simples narrativa dos processos judicias e saibam diferencias essas “verdades” Em síntese os códigos brasileiros afirmam que o ônus da prova incumbe ao autor quanto ao fato constitutivo do seu direito e ao réu quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito. Em outras palavras, cada alegação feita no processo precisa vir acompanhada da prova respectiva, para que seja aceita pelo juiz. Alegar e não provar tem o mesmo efeito que não alegar.
      Esta é a regra a que se submete o juiz ao apreciar a prova e sentenciar, pois deverá fazer a avaliação, sobre cada um dos temas em debate, fixando o encargo da prova para cada questão e verificando se a parte dele desincumbiu-se a contento.
      Provado o fato deverá o julgador examinar se a lei confere o direito pretendido e, em caso positivo, deverá acolher o pedido. Não provado o fato a pretensão será indeferida, pois o fato será tido por inexistente para o fim pretendido processualmente.
      Vemos, portanto, que a verdade processual nem sempre coincide com a verdade real, pois determinado fato pode ter ocorrido na vida real, mas a parte não consiga prová-lo no processo. E para o julgador o que é verdade é aquilo que consta dos autos. Diante disso, a despeito do que ocorreu realmente, a verdade processual é que determina o que é verdade para o juiz.
      E, diferente do juiz, o intuito do historiador não é o de encontrar apenas a verdade dos fatos, mas a forma como as versões foram construídas derivando em tais verdades.
      Por isso, o historiador tem que ter a capacidade de contextualizar todas as circunstancias em torno das provas apresentadas, verificando por exemplo em que contexto histórico os fatos da prova ocorreram; a lei que regia a matéria era de autoria de quem? Havia interesse de alguém ou de grupos na medida? A parte estava em comoção? O ato era legal, mas era ético e moral? Os fatos entravam em choque com normas religiosas? Havia mais provas que não foram juntadas aos autos? A sociedade teve comoção com a verdade?
      De fato a verdade real e a verdade processual é uma relação bastante conflituosa, por isso, o historiador têm que ter um entendimento heurístico do funcionamento, das dinâmicas e das nuanças intrínsecas aos processos judiciais, respaldado em questionamentos, muitas vezes com o suporte da analise de conteúdo e/ou discurso para uma interpretação abrangente. Espero que eu tenha sanado as suas dúvidas.

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  2. Ótimo Texto!Aprendi muito!
    Pergunta: Apesar de não ser sua preocupação com este texto, como você avalia a utilização de fontes judiciais em sala de aula? Quais cuidados o professor-pesquisador deve adotar ao fazer uso dessa tipologia de fonte em sala de aula? Por fim, como você avalia o cruzamento de fontes (judiciais, paroquias e, dentre outras, militares) como mecanismo para lidar com essa relação conflituosa entre a verdade processual e a verdade real?
    Obrigada!
    Cordialmente,
    Maiara Silva Araújo!

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    1. Maiara, fico muito feliz que o texto lhe lhe sido útil. Realmente, com seus questionamentos acho que seria bem importante eu ter mencionado sobre a utilização das fontes processuais em sala de aula, assim como a utilização de processos judiciais eletrônicos também seria interessante, eis que os procedimentos jurídicos estão sendo informatizados.
      Em relação à utilização de fontes judiciais em sala de aula, eu, penso que seja bastante factível, tanto qualitativamente quanto quantitativamente. Pois, os alunos sempre demonstram interesse e aguça a curiosidade deles, eis que geralmente se utiliza processos judiciais das comarcas de onde eles moram, então narra uma história daquela região, de um espaço que eles conhecem e assim conseguem contextualizar melhor. Também a utilização dos processos judiciais pode ser interessante por narrar fatos que são do cotidiano deles, de acontecimentos que foram pitorescos ou manchetes na cidade. Infelizmente, os historiadores/professores tem se utilizado quase que apenas de fontes judiciais criminais para estudar em sala de aula, mas os processos civis, trabalhistas, entre outros, podem revelar muito da história regional, podemos estudar a história ambiental da cidade através dos processos de crime ambiental, as relações de trabalho com as ações trabalhistas, entre outros.
      Muito bem lembrado por você os cuidados necessários que temos que ter ao utilizar esses tipos de fontes. Embora os processos judiciais sejam públicos (exceto aqueles restritos a segredo de justiça) temos que ter bastante cautela quanto à utilização.
      Um cuidado especial é ao tipo de conteúdo que têm no processo, exemplo um processo de homicídio ou de estupro, podem ter imagens e narrações muito impactantes, tanto para crianças quanto adolescentes, por isso desaconselhável a sua utilização.
      Verificar se o processo não é referente algum familiar do aluno e que possa por ele em constrangimento. Por isso, sempre aconselhável também apagar, passar um corretivo sobre o nome das partes.
      Verificar se a linguagem do processo está acessível aos alunos. Muitas vezes é necessário explicar aos alunos o que os termos jurídicos querem dizer nos autos.
      Ter cuidado para que o processo não seja longo demais para a leitura dos alunos, ou até mesmo exaustivo por narrar poucos fatos.
      Neste sentido, é necessário sempre que o professor faça uma leitura prévia dos processos para que as atividades ocorrerem tranquilamente.
      Quanto ao seu segundo questionamento, outro colega fez uma pergunta similar e a resposta consta no questionamento acima, espero que ela contemple suas dúvidas.
      Muito obrigado pelas perguntas!

      Fábio Roberto Krzysczak

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  3. Boa noite Fábio!

    Excelente texto, me interesso muito nas relações entre História e Direito, apesar de não ter a formação jurídica, gosto de estudar por conta algumas temáticas, principalmente quando relacionadas à História e à Pedagogia.

    Você considera que alguns processos judiciais não são passíveis de serem utilizados devido à sua natureza, seja violenta ou burocrática demais para ser entendida por terceiros que não estão inseridos no âmbito jurídico?

    Agradeço desde já!

    Ruhama Ariella Sabião Batista.

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  4. Olá Ruhama, também gosto muito desta relação entre direito e história, me fascina. Fico feliz por ter gostado do texto.
    Penso que todos os processos judiciais podem ser utilizados sim, desde que o tema seja relevante e o estudo tenha uma boa justificativa.
    Além da História, eu possuo formação em Direito também, penso que isso me facilita na compreensão dos processos por estar familiarizado ao rito processual quanto à doutrina jurídica. Contudo, isso pode ter também um lado bastante negativo, pois numa análise de processos posso me tender excessivamente para o aspecto jurídico, enquanto o objeto da pesquisa é histórica.
    Por isso, utilizar os processos judiciais como fontes e não ser inserido no âmbito jurídico não é nenhum empecilho para fazer uma excelente pesquisa, basta se familiarizar com os termos jurídicos e com os ritos processuais que se terá uma excelente analise.
    Agradeço imensamente a pergunta.

    Fábio Roberto Krzysczak

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