POR
UM “LETRAMENTO HISTÓRICO”: AJUDANDO O ALUNO A “LER” O MUNDO E A “ESCREVER” SUA
HISTÓRIA
Da necessidade de um “letramento
histórico”
Nas primeiras páginas da obra “Era dos Extremos”, o
historiador Eric Hobsbawm apontou que no final do século XX os jovens viviam
numa espécie de “presente contínuo”, por isso a profissão de historiador
torna-se cada vez mais importante para lembra-los que a o passado existe e que
necessitam se situarem para não se tornarem alienados das tecnologias de
informações e das mídias, que tendem a deixar de lado o passado e,
constantemente, tentar trazer o futuro para o presente. Diante desse problema,
contesta Hobsbawm:
“A destruição do passado – ou melhor, dos mecanismos sociais
que vinculam nossa experiência à das gerações passadas – é um dos fenômenos
mais característicos e lúgubres do final do século XX. Quase todos os jovens de
hoje crescem numa espécie de presente contínuo, sem qualquer relação com o
passado público da época em que vivem. Por isso os historiadores, cujo ofício é
lembrar o que os outros esquecem, tornam-se mais importantes que nunca no fim
do segundo milênio” (HOBSBAWM, 1995, p.13).
Nosso historiador do tempo presente não se conformava com a
quebra das relações entre passado, presente e futuro, relações vitais e
indispensáveis para a vida de todos (HOBSBAWM, 2013, p.44). Podemos dizer que o
problema do presente contínuo hoje se encontra agravado pelo que chamamos de
globalização. A revolução tecnológica desencadeada na segunda metade do século
XX, intensificou-se nesta segunda década do terceiro milênio. “A intensificação
da comunicação de massa induz as mais rápidas mudanças comportamentais”, alerta-nos
Zamboni (2005, p.8). Essa mudança de comportamentos implica também mudanças
constantes nas formas identitárias dos jovens, o que os tornam meio que sem
orientação, deixando-se guiarem pelo o que mais lhe causam impactos: as
informações jorradas pelas mídias.
Paulo Freire, atento aos impactos que
as mídias – principalmente a TV e a internet
– vinham provocando nos jovens, mostra os efeitos da globalização e pontua a
importância cada vez maior em contextualizar a nossa época: “O mundo encurta, o
tempo se dilui: o ontem vira agora; o amanhã já está feito. Tudo muito rápido.
Debater o que se diz e o que se mostra e como se mostra na televisão me parece
algo cada vez mais importante” (FREIRE, 2000, p.49). Se o mundo encurtou, se as
relações sociais mudaram e se o tempo se “presentificou”, cabe ao ensino de
história entrar em sintonia com seu tempo e “(...) contribuir para que o aluno
possa ler o seu entorno social qualificando-o” (ROCHA, 2001, p.53). Nesse
contexto, é preciso que o ensino de história mobilize o aluno, (re)crie
conexões entre seu passado, presente e futuro, e isso implica mobilização
também do professor de história, num ato de verdadeiro “letramento histórico”.
A nossa proposta é dá alternativas para que os jovens possam
construir seu conhecimento, distanciando-se da concepção de que o professor
detém o saber, restando ao aluno absorver o que ele tem a passar. Sendo guiados
pelo professor em atividades interativas, propomos que o aluno tenha certa
autonomia na construção do seu próprio conhecimento, pois, como expõe Rocha
(2001, p.55): “Não aprendendo a andar sozinho, sem produzir suas próprias
conclusões, tornar-se-á um alvo fácil de manipulação de toda sorte”.
Aqui faremos uso do termo “letramento” num sentido similar
ao utilizado no universo da pedagogia. Letramento significa a aprendizagem das
letras do alfabeto e o uso destes servindo ao processo de comunicação
(leitura). Em resumo, letramento se refere a aprendizagem da leitura e da
escrita e seu uso adequado na vida prática. Essa habilidade dá ao educando a
capacidade de adentrar no mundo das representações textuais, novos mundos que
se abrem a partir da leitura
Com sentido semelhante ao que usamos aqui, o “letramento
histórica” foi abordada por Cerri (2011) no livro “Ensino de História e
Consciência Histórica”. Não nos disporemos a adentrar na discussão sobre a
diferenciação conceitual entre letramento e alfabetização, visto que cada um
dos termos serviu às necessidades do tempo em que estiveram em voga. Ficamos
com o termo “letramento” por ter sido fartamente utilizada por Paulo Freire,
autor que este trabalho dialoga em grande medida.
O sentido que damos para o termo “letramento” sugere que,
com os alunos vivendo cada vez mais numa espécie de “presente contínuo”, acabam
ficando inertes quanto ao seu passado; não estão sendo orientados pela
história, mas principalmente pelos meios de comunicação que ditam o pensar e o
agir dos jovens. Soma-se a isso o fato de a história ser colocada apenas como
disciplina coadjuvante no currículo escolar. Nesse rumo, a história na escola
perdeu seu valor de “mestra da vida”. O que o ensino de história deveria era
ajudar o aluno a pensar historicamente, ou seja, desenvolver a consciência
histórica para que ele possa saber sua posição na história/sociedade. “Se o
ensino de história não leva a isso, não se completou o processo educativo de
letramento histórico, ou seja, o conhecimento não voltou à vida prática”
(CERRI, 2011, p.117).
Letramento é prática elementar e primordial que abre o
horizonte da criança para a leitura e escrita; abre as janelas para o
conhecimento, pois através da leitura e escrita a criança adentra no mundo
abstrato do texto, paralelo às suas experiências empíricas. Fazer um trabalho
de “letramento histórico” com o aluno sugere fornecer-lhe os instrumentos
necessários para que ele possa pensar historicamente. Pensar historicamente é
refletir sua presença no mundo, orientar suas ações no tempo.
Mas o letramento histórico não se efetiva privando o sujeito
do processo de construção de seu próprio saber, assim como comumente acontece
nas salas de alfabetização (ou letramento), em que a professora pega na mão da
criança para esta conseguir escrever a palavra, sendo que a professora acaba
por escrevê-la em vez da criança. “Letrar” historicamente não se traduz a
passar para o aluno o conhecimento pronto e acabado, cabendo ao aluno aceitar a
versão histórica do professor, sem que haja nenhum contraponto ou diálogo a
respeito. As aulas de história deve ocorrer ao modo defendido por Paulo Freire,
ou seja, de maneira dialógica. Numa aula de história dialogada, o aluno pode
expor sua opinião acerca de um determinado objeto histórico (acontecimento,
contexto, personagem), ouvir as opiniões de seus colegas e do professor e
decidir qual se mostrou mais convincente; ou acatar partes das opiniões para
formar, reforçar ou substituir a sua.
Portanto, letramento histórico pode ser pensado como
instrumentos e mecanismos utilizados pelos professores de história a fim de
fazer com que os alunos possam desenvolver uma “leitura de mundo”; pensar e
refletir sua realidade tendo por base a história de seu grupo social, de sua
cidade, seu estado, seu país. Fazer com que os alunos se vejam enquanto parte
do mecanismo histórico. Por isso que a disciplina de história é muito importe
na formação do pensamento dos jovens e de como eles lidam com as situações no
dia-a-dia. Então, devemos ter claro em mente que “(...) é preciso considerar
que a produção do saber histórico evidencia-se como instrumento de leitura do
mundo e não mera disciplina” (KNAUSS, 2001, p.28).
A consciência histórica e a leitura do
mundo
Para Hobsbawm, a consciência do passado é algo intrínseco do
ser humano; é fruto do convívio social das pessoas dentro da temporalidade.
Todos nós sabemos que temos um passado e que este foi construído nas relações
com outras pessoas e que estas também possuem um passado. O que muda, segundo
Hobsbawm, são os sentidos que damos ao passado. Cada um se projeta ao seu
passado à sua maneira, enquanto experimenta experiências diversas no decorrer
da vida. E assim salienta:
“Ser membro de uma comunidade humana é situa-se em relação
ao seu passado (ou da comunidade), ainda que apenas para rejeitá-lo. O passado
é, portanto, uma dimensão permanente da consciência humana, um componente
inevitável das instituições, valores e outros padrões da sociedade humana”.
(HOBSBAWM, 2013, p.25).
Concordando com Hobsbawm que o passado é dimensão permanente
da consciência humana, isso implica a conclusão de que o homem é um ser
histórico. “O homem vive em um determinado período de tempo, em um espaço
físico concreto; nesse tempo e nesse lugar ele age sempre, em relação à
natureza, aos outros homens, etc. É esse o seu caráter histórico” (BORGES,
1993, p.55). Mesmo sendo o homem um ser histórico, muitas das vezes ele não tem
consciência de sua historicidade. As pessoas estão constantemente dialogando
com seu passado, seja para justificar causas e efeitos, refletir problemas
antigos que permanecem no presente; seja para preservar memórias,
relembrando-as, ou para reafirmar sua identidade. Isso ocorre, em grande
medida, sem o acompanhamento de um pensamento racional sobre o passado; ocorre
sem intencionalidade, ou seja, de forma arbitrária. Por conta desse diálogo com
o passado e com o futuro a partir do presente, todos nós possuímos uma
consciência histórica, segundo Schmidt (2009, p.13).
As pessoas desenvolvem sua consciência histórica devido à
necessidade que têm de orientação na vida prática. As carências de orientação
fazem com que nós recorramos ao passado em busca do entendimento de nossas
vidas no tempo. A função do ensino de história é racionalizar essa busca por
orientação no tempo, para que, de forma consciente, o aluno possa pensar
historicamente sua realidade. A esse ponto Rüsen faz a seguinte colocação (2001,
p.30):
“O primeiro fator da matriz disciplinar da ciência história
é formado, por conseguinte, pelas carências fundamentais de orientação da
prática humana da vida no tempo, que reclamam o pensamento histórico; carência
de orientação que se articulam na forma de interesse cognitivo pelo passado”.
Nesse sentido, o ensino de história quando compre sua função
de aprimorar a consciência histórica, levando o aluno a desenvolver o
pensamento histórico, se torna automático a busca no passado a cessação de suas
carências surgidas na vida prática. “O ensino de História produz e transmite,
finalmente, orientações e atitudes pelas quais um pensamento histórico
racionalmente elaborado, de acordo com a auto identidade, cria condições reais
para a práxis individual e social” (BERGMANN, 1990, p.37).
O
ensino de história tem a função de aguçar a consciência histórica, fazendo que
ela se amplie e leve os sujeitos a desenvolver o pensamento crítico, abrangendo
sua leitura de mundo e a consciência de si mesmos. Podemos dizer, portanto, que
o ensino de história comporta esta função de conscientizar o aluno para os
desafios e contrapontos oriundos do viver em sociedade. Nesse processo de
conscientização pela história estão envolvidos o autoconhecimento (identidade)
e o reconhecimento de que se pode fazer diferente (ação). Nessa perspectiva,
Schmidt e Garcia compreendem que “(...) a consciência histórica tem uma ‘função
prática’ de dar identidade aos sujeitos e fornecer à realidade em que eles
vivem uma dimensão, uma orientação que pode guiar a ação, intencionalmente, por
meio da mediação da memória histórica” (SCHMIDT; GARCIA, 2005, p.301).
Conscientização e ação são os dois polos da consciência
histórica que deve ser formada nos alunos pelo ensino de história. Conscientes
de seu estar no mundo, da historicidade das coisas à sua volta, os alunos possuem
instrumentos para intervir na vida prática, naquela que desenvolve dentro da
escola, mas, principalmente, fora dela. Caracterizando a função do ensino de
história para os sujeitos sociais, destaca Cerri:
“(...) a história, quando ensinada, serve para os homens
possam pensar historicamente, adicionando à sua reflexão os elementos que não
estão presentes no imediato, mas sim no tempo longo, médio e curto. A história
ensinada serve para ajudar a criar identidades, mas serve principalmente para
que as pessoas reconheçam-se como sujeitos, como parte também de um coletivo,
conheçam suas possibilidades e limitações de ação na história”. (CERRI, 1999,
p.142).
Ter consciência histórica não é só reconhecer sua força de
ação dentro da comunidade, mas também ter conhecimento das limitações impostas
ao sujeito. Como disse Gaddis: “A consciência histórica, portanto, nos leva,
assim como a maturidade, a ter, simultaneamente, um sentido de nossa própria
significância e insignificância” (GADDIS, 2003, p.22). O próprio ensino de
história não pode se tornar alienante para o aluno:
“Ele precisa saber que não poderá nunca se tornar um
guerreiro medieval ou um faraó egípcio. Ele é um homem de seu tempo, e isso é
uma determinação histórica. Porém, dentro do seu tempo, dentro das limitações
que lhe são determinadas, ele possui a liberdade de optar. Sua vida é feita de
escolhas que ele, com grau maior ou menor de liberdade, pode fazer, como
sujeito de sua própria história e, por conseguinte, da História Social do seu
tempo”. (PINSKY; PINSKY, 2007, p.28).
Por mais transformador que o ensino de história pretenda
ser, não constitui objetivo dessa disciplina formar “grandes heróis” sociais ou
revolucionários, mas sim formar um cidadão ativo na sociedade em que se insere;
um sujeito consciente de seu está no mundo, do seu poder de transformação, e
também de suas limitações e particularidades. Com o intuito de ajudar o aluno a
conviver em sociedade, “(...) o ensino de história serve para estimular a
participação dos indivíduos nas práticas da cidadania, convencer da importância
do voto, da organização popular, dos partidos políticos” (CERRI, 1999, p.142).
É por isso que defendemos que o ensino de história deve ajudar o aluno a formar
uma consciência histórica capaz de ampliar sua capacidade de compreensão do
mundo, e isso envolve ter consciência de si mesmo e da própria historicidade
enquanto ser social.
Todo aluno possui uma vida que se desdobra no cotidiano.
Desse cotidiano brotam suas experiências e sua relação com a vida em sociedade.
Nessa vivência coletiva surge sua concepção de mundo que é, às vezes,
particularmente suas e outras provindas do senso comum. O problema é que o
senso comum, muitas vezes, carrega consigo concepções construídas
historicamente em cima de preconceitos e generalizações, que carecem ser
corrigidas por meio de sua historicização. Segundo Santos (2003), o senso comum
não obedece regras e se impõe de forma retórica e metafórica, com a função de
não ensinar, mas persuadir quem dele faz uso:
“O senso comum é indisciplinar e imetódico; não resulta de
uma prática específica especificamente orientada para produzir; reproduz-se
espontaneamente no suceder quotidiano da vida. O senso comum aceita o que
existe tal como existe; privilegia a acção que não produza rupturas
significativas no real. Por último, o senso comum é retórico e metafórico; não
ensina, persuade”. (SANTOS, 2003, p.90).
Ter consciência histórica ajuda o aluno a ter uma leitura do
mundo mais plausível e lhe dá instrumentos para agir de forma mais efetiva para
resolver problemas que lhe convém; ajuda também a perceber as artimanhas
midiáticas e do mercado capitalista; agir politicamente em prol do bem comum da
sociedade; privilegia o convívio baseado na alteridade; e proporciona o aluno
sair do seu presente contínuo, percebendo sua vida desenvolvendo na
temporalidade; e, por fim, o aluno passa a dar mais atenção à disciplina de
história, pois pode tirar dela embasamentos para a vida prática.
O que está em jogo no ensino de história é – ou deveria ser
– melhorar a integração do aluno na vida social, exercendo de forma crítica seu
papel de cidadão. O pensamento crítico, portanto, resultado de uma consciência
histórica aperfeiçoada, uma vez que faz o aluno dinamizar sua relação com o
mundo, além de tirá-lo do comodismo.
Lendo o mundo e escrevendo a própria
história
Aqui podemos traçar uma analogia entre a consciência
histórica e o conceito que Paulo Freire defendeu por “leitura do mundo”. Em
grande parte de seus textos ele ressalta a importância da “leitura do mundo”
que os alunos trazem consigo, pois dela o professor pode criar vínculos com o
conteúdo a ser ensinado. O principal ponto de seu pensamento pedagógico
centra-se na proposta de fazer o aluno ter consciência de sua realidade fazendo
uma leitura do seu mundo, das coisas que lhe rodeia. Essa leitura deve ser
crítica e não passar de mera constatação. Por outro lado, consciência histórica
é saber se perceber enquanto sujeito da história, conhecedor da realidade, das
mudanças e transformações pela que passou sua localidade e o mundo; saber de
seus direitos constituídos historicamente, reivindicar que estes direitos sejam
respeitados. Procurar melhorias para sua vida e a sociedade; agir com
alteridade, respeitando a cultura histórica das outras pessoas.
Quando o aluno possui uma leitura de mundo mais elaborada
ele consegue discernir melhor sobre suas escolhas, levando em consideração
fatores meramente impulsivos, mas que seja realmente útil para sua vida. Com
uma leitura crítica do mundo, aperfeiçoada através do ensino de história, ajuda
o aluno a encontrar um rumo para sua vida, a decidir o que é melhor para si e
para a sociedade. Como disse Freire, quando o sujeito faz uma leitura crítica
do mundo a sua volta, isso aprimora e dá sentido à sua integração na vida
social.
“A sua integração o enraíza e lhe dá consciência de sua
temporalidade. Se não houvesse essa integração, que é uma característica das
relações do homem e que se aperfeiçoa na medida em que esse se faz crítico,
seria apenas um ser acomodado e, então, nem a história nem a cultura – seus
domínios – teriam sentido. Faltaria a eles a marca da liberdade. E é porque se
integra na medida em que se relaciona, e não somente se julga e se acomoda, que
o homem cria, recria e decide”. (FREIRE, 1979, p.63-64).
Conforme mostrado na citação acima, quanto mais o homem
aperfeiçoa seus sentidos, desenvolve um pensamento crítico, mais chances de
integração social ele passa a ter. Essa integração se acentua na medida em que
ele conhece melhor o funcionamento da sociedade, o processo histórico que esta
passou para se tornar o que é, e se faz agente de transformação social, saindo
do comodismo. Trazendo essa reflexão para o campo pedagógico da história, para
que o aluno possa integrar-se cada vez mais na sociedade, deixando sua situação
de passividade, o ideal seria que o ensino de história pudesse instrumentalizar
o aluno para que eles mesmos soubessem buscar no passado as respostas para as
questões que se desdobram diante de si diariamente. Esta ação conscientizaria o
aluno e expandiria sua visão de mundo.
Podendo relacionar-se com o mundo de forma consciente e
crítica, o aluno está apto a decidir, criar e recriar sua história. Foi nesse
sentido que Freire (1967) defendeu uma pedagogia capaz de proporcionar ao
educando a liberdade de pensar e de agir na vida prática cotidiana. A relação
dinâmica com a sociedade e a ação do homem para transformá-la Freire chamou de
“jogo criador”. E este ato de criar dá uma ideia de que o sujeito constrói algo
novo e particular, o que concerne sua contribuição para o mundo em que vive –
diria uma contribuição para a história de qual faz parte. Conforme complementa
Freire:
“Observa-se por aí que o homem vai dinamizando o seu mundo a
partir destas relações com ele e nele; vai criando, recriando; decidindo.
Acrescenta algo ao mundo do qual ele mesmo é criador. Vai temporalizando os
espaços geográficos. Faz cultura. E é o jogo criador destas relações do homem
com o mundo o que não permite, a não ser em termos relativos, a imobilidade das
sociedades nem das culturas”. (FREIRE, 1979, p.64).
Valendo-nos de uma metáfora, o ensino de história deve
assumir o compromisso em preparar o aluno a ter uma melhor posição nesse “jogo
criador” das ações humanas no tempo. Mas é preciso entender que o conhecimento
histórico possui especificidades. Colocá-lo em prática não resultará em leis
gerais que poderiam ser válidas para um grande público chegando a resultados
mais ou menos análogos. Bem disse Durval Muniz (2008) em entrevista à “Revista
Espacialidades”, que o conhecimento histórico serve para a produção de
subjetividades. Nesse sentido, a subjetividade está relacionada com a maneira
que o sujeito enxerga o mundo e dialoga com ele, que faz com ele perceba seu
lugar na sociedade que abriga. Por conseguinte, podemos dizer que o
conhecimento histórico orienta a formação de identidades sociais mais que,
recorrendo ao passado para entender seu lugar no presente, faz brotar a
oportunidade de criar perspectivas para o futuro. Podemos, pois, caracterizar
essa ação de orientação dos sujeitos no tempo e no espaço – tendo por base a
história – como a aplicabilidade do saber histórico – contrariando muitos que
não acreditam numa funcionalidade prática da história.
O aluno pode fazer uso da história para pensar criticamente
um problema ocasionado em seu bairro ou até mesmo em sua família. Mas ele só
consegue enxergar para além da simples constatação do problema se sua
aprendizagem histórica foi suficiente para leva-lo a agir de tal maneira.
Quando isso ocorre, a história ganha sentido prático, apresenta uma finalidade
para a vida do sujeito e modifica sua relação com as outras pessoas e com o
mundo.
Como já nos referimos antes, os alunos a quem ensinamos
história nas escolas do país estão imersos num misto de coisas que surgem e
desaparecem com facilidade e velocidade jamais observada antes. Este é o mundo
da informação e requer discernimento para fazermos escolhas, e estamos
constantemente correndo o risco de sermos manipulados a todo o momento.
O ensino de história enquanto promotor de subjetividades tem
a função de prepara o aluno para atuar no mundo, ajuda-lo a não se deixar levar
pelas correntezas informacionais do mundo globalizado. A história ensinada deve
formar um sujeito não só consciente do mundo mais também atuante nele. É nesse
atuar no mundo de forma consciente que o aluno se ver construindo a própria história
e tem ela não como predeterminada, mas como construção incessante. Com relação
a isto, posiciona-se Freire (1996, p.76-77):
“É o saber da história como possibilidade e não como
determinação. O mundo não é. O mundo está sendo. Como subjetividade curiosa,
inteligente, interferidora na objetividade com que dialeticamente me relaciono,
meu papel no mundo não é só o de quem constata o que ocorre mas também o de
quem intervém como sujeito de ocorrências. Não sou apenas objeto da História
mas seu sujeito igualmente. No mundo da História, da cultura, da política,
constato não para me adaptar, mas para mudar”.
Levando a cabo os termos “subjetividade interferidora”, “sujeito
de ocorrência”, “jogo criador”, Freire nos ensina que nosso “estar no mundo”
deve ser permeado por nossa capacidade e liberdade de ação no tempo e no
espaço. E é agindo no seu meio que o sujeito constrói a história e se auto se
constrói. Assim como a história, o sujeito sempre está em construção, e ele
deve ter consciência de que nunca está pronto/acabado, pois isso lhe motiva a
sempre buscar novos conhecimentos, novas visões de mundo (FREIRE, 1996).
Referências
Paulo Hipólito é mestre em História pelo PPGH/UFPB e graduado
em História pela UEPB. Professor de História da rede municipal de ensino de
Mari-Pb.
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Entrevista concedida a Jânio Gustavo Barbosa e Olívia Morais de Medeiros Neta.
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Olá professor Paulo!
ResponderExcluirParabéns pelo seu texto! Ele nos traz uma discussão importante e urgente sobre o papel do ensino de história na formação dos nossos alunos, na importância da formação de sujeitos capazes de entender seu passado, relacionando-o ao presente e, a partir da formação de uma consciência histórica, permitir que ele possa atuar como agente do seu presente e também do seu futuro.
A questão que quero compartilhar e que de certa forma se reflete numa certa angustia, compartilhada também por vários colegas da área é sobre os tempos sombrios que vivemos hoje, com o crescimento de ideias deturpadas sobre o papel do professor, sobretudo aqueles das ciências humanas, como doutrinadores, como se fossemos formadores de alunos incapazes de críticas, discordâncias, que seriam simplesmente "moldados", maquiavelicamente, por nossas mãos. Diante dessa realidade, em sua opinião, qual é nosso papel diante da situação? Em que podemos nos "agarrar" para exercer nosso papel de mediadores no processo de formação dessa consciência crítica? A palavra ideal seria resistência?
Obrigada!
Maristela Sant'Ana de Oliveira
Agradeço suas considerações e a questão formulada. Ela foi muito pertinente.
ExcluirBem, estamos vivendo tempos difíceis e de incertezas no ensino das ciências humanas, em particular, no Ensino de História. Incertezas estas que você já destacou. Ao meu ver, nós professores temos muito a aprender com Paulo Freire e sua pedagogia libertadora. Por conta disso, acredito que o método dialógico continua sendo a melhor forma de se trabalhar em sala de aula com nossos adolescentes. Através do diálogo, professores e alunos podem chegar a um consenso acerca de qualquer assunto, principalmente os que envolvem atualmente nosso momento social e político.
A proposta do diálogo não é para que se chegue à verdade, assim como acreditava Sócrates, mas para que o aluno faça uma autocrítica de seus entendimentos dos acontecimentos e reveja em que se embasam suas ideias, se realmente tem ou não sustentação/fundamento. Nesse caso, o professor precisa estar preparado, ser conhecedor da realidade social, cultural, econômica e política do país, do estado e do município, ou seja, é preciso que o professor tenha uma consciência histórica, antes de tentar despertá-la nos alunos.
Espero ter respondido sua indagação.
Abraço!
Att,
Paulo Hipólito
Parabéns pelo trabalho! O que você compreende por conscientizar, uma vez q segundo a teoria de Rüsen não é possível conscientizar pois a consciência é inerente ao humano, não havendo alguém sem consciência ou com pouca consciência?
ResponderExcluirBoa noite, Cláudio! Agradeço seu questionamento.
ExcluirEntendo conscientizar - e esse termo atrelado ao ensino de história - como sedo a prática de suscitar nos alunos uma reflexão a cerca do conhecimento histórico; fazê-lo pensar conscientemente e voluntariamente acerca de contextos históricos a partir de sua realidade presente. O propósito de um "conscientizar" é tentar suscitar nos alunos uma reflexão histórica que sirva-lhes como orientação no tempo, na vida cotidiana.
Abraço!
Att,
Paulo Hipólito
Sim professor, obrigada pelas considerações
ResponderExcluirAbraço!
Maristela