Raimundo Nonato Santos de Sousa e Ayrton Costa da Silva


PESQUISA E ENSINO: O LIVRO DIDÁTICO DE HISTÓRIA COMO OBJETO DE ESTUDO EM SALA DE AULA


Considerações iniciais
O livro didático desempenha um papel muito importante na efetivação do processo de ensino-aprendizagem, e consequentemente, na promoção de uma educação de qualidade acessível a todos. Desde o período colonial, o livro é encarado como um instrumento de ensino, e, portanto, desde aquela época ele é utilizado para fins didáticos.

Evidentemente, nesse período a sua distribuição era muito limitada e restrita apenas às camadas mais ricas, que constituíam a elite da colônia portuguesa na América. Felizmente, nos dias de hoje a situação não é mais essa.

A partir de 1966, com o estabelecimento do acordo MEC-USAID, conforme Silva (1998), o livro passou a ser valorizado como ferramenta pedagógica e se tornou acessível a todas as pessoas. Sem nenhuma dúvida, esse foi um grande feito, visto que o livro, atuando como um disseminador do conhecimento se tornou a partir dessa década uma ferramenta de estudo e pesquisa verdadeiramente democratizante. Em consequência disso, todos os alunos, independentemente da sua condição socioeconômica, poderiam acessar uma educação de qualidade, através do seu próprio livro didático.

Assim, se consolidou a presença do livro no processo de ensino-aprendizagem, de modo que “não é à toa que a imagem estilizada do professor apresentando-o com um livro em suas mãos, dando a entender que o ensino, o livro e o conhecimento são elementos inseparáveis” (SILVA, 1996, p.8).

Dessa maneira, é inegável a existente relação entre o livro didático e a prática do ensino. Afinal, este material pedagógico participa de todas as etapas do processo educacional, desde o planejamento até o exercício das aulas.

De fato, é incontestável a importância desempenhada por esses instrumentos na educação básica, mas um detalhe deve ser mencionado: os livros, antes de tudo, se tratam de uma construção discursiva (MACEDO, 2004) e por esta razão não podem ser vistos como fontes de verdades incontestáveis.

É em virtude disso que o livro, inclusive o de História, deve ser primariamente considerado como uma construção derivada de interesses particulares que podem ser dos seus autores, bem como do governo que financia a sua produção e garante a sua distribuição (SILVIA, 1998). Com isso, conclui-se que os livros didáticos estão impregnados de ideias, valores e preceitos daqueles que os produzem e garantem a sua circulação.

Por esse motivo, analisar livros didáticos de diferentes épocas implica inevitavelmente em reconhecer que eles são produtos do seu tempo. Nesse sentido, o presente texto objetiva apresentar uma proposta de pesquisa endereçada aos alunos da disciplina de História da educação básica.

A referida se trata de uma investigação, de caráter exploratório, centrada na pesquisa e análise de livros didáticos de História, cujo objetivo principal é o de exercitar a capacidade de pensamento crítico dos alunos, por ajudá-los a perceber que embora o livro didático seja importante, ele não pode, em nenhuma circunstância, ser considerado como uma fonte de verdades absolutas.

A produção do conhecimento histórico e o ensino de História

Ao longo dos anos, o campo historiográfico sofreu o impacto de muitas mudanças significativas que reelaboraram os protocolos da escrita da História. Tratando disso, Candau nos diz que:

‘[...] a história tradicional passou a ser objeto de suspeita, tendo-se assim a criação da história crítica, esta criticava a história tradicional por ser tida como a abarcadora da verdade, como um produto pronto e acabado e é nesse contexto que se trata da história na perspectiva mais discutida no século XXI, a revisão didática em seu caráter instrumental e fundamental.’ (CANDAU, 2005, p.13)

A partir da fala do autor, infere-se que a história tradicional, vigente por muitas décadas, se caracterizou pela pretensão de buscar a verdade absoluta dos fatos históricos. No entanto, com o tempo esse modelo historiográfico passou a ser questionado, por não conseguir mais dá conta das novas inquietudes do presente. 

Nesse contexto de mudanças no campo historiográfico, a produção do livro didático de História e as práticas pedagógicas também se reformularam. Assim, tal ensino, em todos os seus aspectos, se distanciou da reprodução memorialista dos grandes fatos, feitos e nomes, e como consequência se aproximou da formação social dos educandos, assumindo para si a responsabilidade de estimular a sua criticidade.


Proposta sugerida aos professores de História

É um fato que hoje os métodos tradicionais de ensino de História não têm mais tanta eficácia sobre a aprendizagem dos alunos, como tinha há algumas décadas. Por esse motivo, é necessário os professores lançarem mão das mais variadas e criativas metodologias para tornar o ensino dessa disciplina mais atrativo para os alunos.

Pensando nisso, resolvemos elaborar essa proposta de pesquisa encaminhada aos discentes da educação básica, a fim de aguçar a sua criticidade. Como já foi dito, esta proposta se centra na pesquisa e análise de livros didáticos de História, de diferentes décadas, destinados ao mesmo público.

Assim sendo, o professor poderá pedir para os alunos procurarem um número específico de livros de História, cuja data de publicação seja separada por um longo espaço temporal, a fim de que eles possam perceber diferentes tendências ideológicas nos diferentes livros pesquisados.
  
Concluída essa busca, a análise poderá ser feita. Nesta, os alunos precisarão:
A.   Identificar as informações elementares dos livros, tais como nome do autor, ano de publicação, quantidade de páginas, número de unidades e de capítulos (análise geral);

B.   Avaliar criticamente os conteúdos do livro, buscando identificar a forma como o autor trabalha com os fatos, e também o que ele privilegia e o que ele não destaca no livro (análise do conteúdo);


C.   Perceber as relações entre os recursos iconográficos e os conteúdos abordados nas obras (análise das imagens);

D.   E avaliar a complexidade dos exercícios propostos (análise dos exercícios).
Nessa tarefa, os professores necessitarão atentar para as seguintes questões:

Na análise geral, eles precisarão ajudar os alunos a também identificar a presença de recursos motivadores que cumprem a finalidade de estimular os alunos a pensar autonomamente sobre os assuntos, a exemplo de questionamentos, textos auxiliares, imagens, atividades, análises de filmes e fichas de autoavaliação.


Atentar para a presença desses recursos é importante, porque se sabe que eles propiciam a aprendizagem significativa, que envolve justamente a interpretação das novas informações à luz das informações já possuídas pelos alunos.


Na análise de conteúdos, também se fará necessário ajudar os alunos a identificar a ideologia defendida implicitamente no livro pelo autor. Para isso, uma dica é atentar meticulosamente para a forma como o autor desenrola, por meio da escrita os fatos históricos. Além disso, consultar a biografia dele pode também servir de ajuda.


Na análise das imagens, o professor precisará destacar que s iconografias, encaradas como ferramentas pedagógicas, desempenham uma função nos livros didáticos que não se restringe apenas ao adorno, uma vez que elas retratam os acontecimentos e servem para facilitar a compreensão dos alunos sobre o que está sendo estudado (BITTENCOURT, 1997).


Dessa forma, os elementos iconográficos, atuam como recursos informativos e documentais, que ajudam os alunos a esboçarem um quadro mental das cenas históricas, contribuindo, inclusive, para o norteamento dos mesmos nas aulas expositivas.

E, por fim, na análise dos exercícios, o que poderá ser de ajuda é agrupar os exercícios dos livros em categorias para facilitar o entendimento da sua natureza. Aqui apresentaremos quatro dessas categorias com as suas respectivas descrições:


a) Fundamental: agrupa todos os exercícios que devem ser obrigatoriamente aplicados em sala de aula, visto que eles contribuirão para o desenvolvimento das competências exigidas na finalização do estudo do capitulo.

b) Complementar: exercícios que têm a função de completar as informações expostas no texto, reafirmando a solidez das informações assimiladas. Para tanto, os autores propõem leituras de imagens, interpretações de textos e análises de documentos inseridos nas obras.

c) Desafios: exercícios que apresentam como finalidade última estimular os alunos a ultrapassarem seus limites, granjeando, desse modo, mais conhecimento sobre o assunto trabalhado.

d) Exercícios de autoavaliação: Esses exercícios servem como autoanálise, cumprindo a finalidade de avaliar o grau de aproveitamento que os alunos tiveram ao longo do trabalho com cada capítulo.
      
Considerações finais
Por fim, acredita-se que essa proposição de pesquisa endereçada aos alunos da disciplina de História da educação básica contribuirá para exercitar a criticidade dos discentes, permitindo-os, ver que por mais que o livro didático de História seja importante, ele não pode ser encarado como uma fonte de verdades absolutas.

Com efeito, a diversidade que se mostra presente na produção dos livros didáticos, e que será percebida pelos alunos, deve ser aproveitada pelo professor (a) de história para empreender uma reflexão sobre a própria relatividade característica da prática historiográfica.

Referências
Raimundo Nonato Santos de Sousa é Acadêmico do 6 período do curso de Licenciatura em História na Universidade Estadual do Maranhão – UEMA, pesquisador-bolsista PIBIC-FAPEMA e pesquisador-colaborador UNIVERSAL-FAPEMA.

Ayrton Costa da Silva é Acadêmico do 7 período do curso de Licenciatura em História na Universidade Estadual do Maranhão – UEMA e pesquisador-bolsista PIBIC-UEMA.

BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Livros didáticos entre textos e imagens. In: BITTENCOURT, Circe (Org.). O saber histórico na sala de aula. São Paulo: Contexto, 1997. P. 69-90.
CANDAU, Vera M. A revisão da didática. In: Rumo a uma nova didática. Petrópolis: Vozes, 2005.
MACÊDO, E. A imagem da ciência: folheando um livro didático. Educação e Sociedade, v.25, n.86.p.103- 129, 2004.
SILVA, E. T. Criticidade e Leitura: ensaios. Campinas, SP; Mercado de Letras: Associação de Leitura do Brasil (ALB), 1998.
SILVA, E.T. Livro didático: do ritual de passagem a ultrapassagem. Em aberto. Ministério da Educação e Desporto SEDIAE/ INEP, v. 16, n.69, 1996.




16 comentários:

  1. Olá!
    As mudanças no campo historiográfico e a produção de livros didáticos são questões muito pertinentes para serem discutidas. Em relação a isso, ainda há dificuldades a serem enfrentadas no processo de reformulação das práticas pedagógicas? Se sim, quais? E o que poderá ser feito para superar?
    Adriana Ribeiro de Araujo.

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    1. Olá, bom dia. Obrigado pela pergunta.
      A resposta a sua pergunta é sim. Infelizmente, muitos professores de História ainda sentem dificuldades em adequar as suas práticas de ensino ao contexto em que os alunos estão inseridos. Ressalta-se que a necessidade de atualização da prática docente, é imperiosa, sobretudo para os professores de História, uma vez que esta área do conhecimento é muito dinâmica. Por isso, desenvolvemos essa proposição de trabalho, para que o professor na sua lida diária com o ensino, possa entender que hoje os alunos possuem necessidades diferentes dos alunos de algumas décadas atrás, ajudando-os inclusive a perceber o que fora dito: que a História, e por extensão, o livro didático de História não podem ser abosolutizados, visto que uma das suas bases centrais é a provisoriedade.
      Espero ter respondido a contento sua dúvida.

      Raimundo Nonato Santos de Sousa

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  2. Boa tarde

    O livro didático é sim, mas não deve ser considerado o material privilegiado em sala de aula. Com que outros documentos/meios o livro pode dialogar para tornar a aula mais instigante??

    Att
    José Gilberto Targino de Medeiros

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    1. Olá, boa tarde José Gilberto Targino de Medeiros! primeiramente obrigado pela pergunta. Na verdade existe inúmeras maneiras de se trabalhar o ensino de história através do livro didático com outros meios, por exemplo a música, as imagem, jornais, para que possa manter um diálogo maior, para com a realidade do educando.
      att: Ayrton Costa da Silva.

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  3. Olá, boa tarde! Seu trabalho contribui com relevância nos diálogos acerca da produção dos livros didáticos de História que desde a década de 80 é palco de intensos debates. Após esse tranalho de análise exposta no texto e confirmado os problemas de produção, como o ideológico, pra vocês qual postura o professor deve tomar diante dessa problemática, tendo que desconstruir praticamente toda a história ensinada já que muitas escolas exigem o uso do material e que sigam piamente o currículo?

    Erlane Maria da Silva

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    1. Bom dia. Obrigado pela pergunta.
      Não se pode combater pensamento único, com pensamento único. Da mesma maneira, não se pode combater História única com História única. Com essas palavras, que formam até um trocadilho, eu quero dizer o seguinte: A função do professor de História não se limita apenas a descontruir/combater as narrativas históricas que estão em voga. Digo isso, porque o professor também é um sujeito que possui ideologias e convicções próprias. Volto a lembrar que a ideia não é absolutizar nenhum discurso historiográfico, mas sim problematizar todos os discursos. Dessa maneira, o professor pode utilizar a contento o material didático disponibilizado pela escola, desde que ele saiba reconhecer e mostrar para os alunos que aquele livro não pode ser visto como fonte de verdades absolutas. Para isso, será de muita ajuda o uso de materiais complementares, tais como outros livros ou até mesmo documentos, para que o aluno possa sintetizar um saber histórico nas aulas.

      Raimundo Nonato Santos de Sousa

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  4. A educação encontra-se em um continuo processo de transformação, gostaria de saber se os autores do livro didático possuem uma visão contemporânea na autoria das obras e estas características são de fácil assimilação.

    Juliana Nogueira

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    1. Olá Juliana Nogueira, Obrigado pela Indagação.
      Sim, o autor parte de uma Visão Contemporânea, com características fundamentais, as imagens, o conteúdo e os exercícios que são de fácil compreensão. devendo o docente auxiliar os educandos no seu processo de aprendizagem, ou seja, fazendo problematizações do tema exposto, principalmente entre passado e presente, para que não ocorra equívocos de verdade absolutas do temas trabalhados.
      Espero ter respondido sua pergunta.
      att: Ayrton Costa da Silva.

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  5. A educação encontra-se em um continuo processo de transformação, gostaria de saber se os autores do livro didático possuem uma visão contemporânea na autoria das obras e estas características são de fácil assimilação.

    Juliana Nogueira

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  6. olá Juliana Nogueira, obrigado pela indagação!
    Sim, o autor parte de uma visão contemporânea, o conteúdo exposto no livro didático apresenta uma fácil assimilação,com características fundamentais, as imagens, o conteúdo, os exercícios, devendo o docente, manter uma criticidade em relação ao assunto exposto e o cuidado em não distorce os fatos históricos, ou criar narrativas, para que não possa fomentar nos jovens uma ideias de verdade absolutas. Sempre fazendo um dialogo entre passado e presente com problematizações do tema.
    espero ter respondido sua pergunta.
    att: Ayrton Costa da Silva.

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  7. Olá Raimundo e Ayrton, parabéns pela proposição do texto.
    Sei que esse não é o enfoque da produção, mas gostaria de saber como podemos lidar com o uso restrito que alguns professores fazem do livro didático, ou seja, como podemos criar estratégias para não ficarmos presos ao livro didático no momento de preparação das aulas? Levando ainda em consideração que o tempo hábil para a procura e leitura de outras obras é escasso principalmente dentro do ensino público.

    Abraços,
    Daniela Melo Rodrigues
    danielamelorodrigues@hotmail.com

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    1. Olá Daniela Melo, obrigado pela indagação.
      A melhor estratégia é a criatividade, ja que o livro didático é um instrumento fundamental em sala de aula como uma fonte de conhecimento, mas que pode ser enriquecido com outras fontes como a música, imagens, jornais. Devendo assim o docente a responsabilidade para com o conteúdo, visando aprendizagem do educando.
      Espero ter respondido sua pergunta. Abraços.
      Att: Ayrton Costa da Silva.

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    2. Boa noite. Obrigado pelas palavras. Reitero a fala do meu colega Ayrton. E aproveito para enfocar que o livro didático não pode ser demonizado no contexto escolar pelos professores, já que ele, apesar de todas as críticas válidas que conhecemos, possui sua importância. O que propomos é mostrar que é possível executar uma prática educativa significativa usando apenas o livro didático, ajudando consequentemente os estudantes a apurar sua criticidade.

      Raimundo Nonato Santos de Sousa

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