Olivia Maria Paulino Belmino de Souza


O LIVRO DIDÁTICO, O PILAR DA EDUCAÇÃO TRADICIONALISTA E OS AVANÇOS DA ERA CONTEMPORÂNEA DE TRANSFORMÁ-LO EM RECURSO EDUCACIONAL TECNOLÓGICO
                                                                       

Do quadro negro ao giz, do Data-show às projeções, os meios de transmitir conhecimento se adequam aos avanços de cada época, pode-se dizer, portanto, que estamos na era tecnológica, da qual fala Viana: “A sociedade atual, vivencia uma realidade, onde as crianças nascem e crescem em contato com as tecnologias que estão ao seu alcance ‘’ (2004, p. 19), assim estas novas tecnologias estão dando acesso a conhecimentos discutidos não só por palavras, como também por sons, imagens, vídeos, etc. Consequentemente o acesso a educação não se dá apenas na escola ou pelo família, mas não deixam de ter um papel significativo que é o de guiar os jovens, que vivenciam a total exposição de informações e conduzi-los para caminhos benéficos. 

Nesse sentido, têm-se hoje crianças tão espertas e inteligentes desde cedo e já tão conectadas aos recursos tecnológicos que passa a ser comum seus parentes mais velhos admirarem suas desenvolturas e como os gostos mudaram, por exemplo, se antes as crianças queriam brinquedos de presentes, hoje querem aparelhos eletrônicos . Um termo que pode ser relacionado a essa mudança na cultura, que se deu com a chegada dos meios de comunicação e tecnológicos, é a “Bricolagem”, termo utilizado por Michel de Certeau em seu livro a invenção do cotidiano (1994).  Esta que, se define como uma reinvenção, incorporação de outra cultura e modificação desta. Só a era tecnológica em si já é um exemplo de bricolagem. Ora, se ela se incorporou em uma cultura da qual as formas de comunicação eram escassas e transformou-as em facilitadas, se modificou e ampliou as formas de transmitir conhecimento para além da família, do professor e dos livros, logo, houve uma modificação notória sobre outra cultura.
           
A escola que por muito tempo se consolidou como a principal instituição de educação, das formas de conduta e dos modos para viver em sociedade, dispõe dos métodos que considera propícios aos seus objetivos principais de: condução do cidadão, normalização ao sistema e vivência em sociedade por meio da disciplina e ordem. Como também um agente no direcionamento de conteúdos e informações que visualizam como imprescindíveis para a efetivação dos objetivos citados. De forma que os discentes através da ordem e respeito devam ser receptivos e memorizar e captar tudo transmitido na sala de aula.  Para, além disso, utilizando-se do conceito de disciplina de Foucault do qual a escola se enquadra perfeitamente, por se reverberar como um lugar vivenciado por um rigoroso controle de tempo para que, esse último seja produtivo e programado, além de uma organização do espaço e vigilância. O tempo dentro da sala é programado por horários da ministração das matérias, há tempo para intervalo, para chegar, para sair, para isso a escola necessita para além dessa vigilância e controle, recursos que possibilitem lidar com o tempo segundo seus objetivos, e qual seria o recurso que mais se adequa a tais objetivos e é formado por divisões e que busca se adequar ao tempo do ano letivo? O livro didático.
         
Voltando um pouco atrás da sua história, o livro didático desde seus primórdios foi direcionado para atender e guiar os professores, tendo em vista que nem sempre a formação dos docentes fora bem direcionada. O livro nasce como uma junção de vários textos dos quais serviria para o professor além de tudo estudar. No mais tardar, os editores buscaram tornar os livros acessíveis aos alunos, obviamente visando maiores lucros, e a partir do século XIX o livro passa a ser usado como um objeto escolar e que segundo Bittencourt: “O livro foi se tornando um objeto sacralizado, acabando por se transformar em modelo da cultura ocidental” (2008 p. 94).  De fato, o livro didático é um objeto forte que não findou diante das tecnologias e resiste a todas as tentativas direcionadas para sua extinção. Se por um lado suas informações podem ser transportadas em qualquer lugar e lidas a qualquer momento sem necessidade de algo específico, por outro, as informações que podem ser obtidas nos recursos tecnológicos necessitam de conexões de internet que nem sempre são acessíveis em todos os lugares.

Os livros são como uma representação política de uma conduta de conhecimento que depende da identidade dos grupos que a produzem. Quando se fala em representação política, é possível afirmar que os livros de história sentiram mais fortemente esse jogo de interesses associado aos conteúdos de acordo com os interesses dos grupos do poder,  haja vista que no decorrer do tempo seus conteúdos foram amplamente reprimidos e negligenciados. Na visão de Gasparello (2009) são delimitadas três fases que caracterizam uma política de ensino da disciplina de história: a História Patriótica (1831-1861), caracterizando a história como meio de formação de cidadãos patriotas, exaltando em seus materiais: a terra, o indígena e a crítica à colonização.  A segunda fase denominada de História Imperial (1861-1900), tratada de quando a visão do colonizador muda e ganha destaque a imagem do branco e da classe senhorial se tornando os representantes da ‘nacionalidade’.  A terceira fase é a História Republicana (1900-1920) e consiste numa fase de renovação dos símbolos nacionais: o índio passa a ser o guerreiro da colonização, a coroa representa o Brasil imperial e as forças armadas passam a serem exaltadas como heróis da república. Em vista disso, Chartier argumenta que: ‘’Os livros impõem um sentido ao texto que carregam e buscam comandar os usos que podem ser investidos e as apropriações aos quais estão suscetíveis. Essas ordens só se tornam realidades quando tomam a forma física em seus textos transmitidos por uma voz’’ (CHARTIER, 1994, p.8). 

O livro didático é o objeto educacional mais resistente ao tempo e as inovações, nem mesmo com as informações, hipertextos e vídeos que podem ser obtidos na internet o substituíram. Mas, em contrapartida há propostas e projetos já em andamento de transformá-lo em um recurso digital para que possa ser acessado facilmente por intermédio dos eletrônicos. Esse intuito de conversão do papel para o digital surgiu pela imersão do mundo digital na vida das pessoas e não faz sentido tecnologia não alcance a sala de aula.

No Brasil,  o impulso para o investimento do governo federal se deu pela constatação do ministério da educação que constatou justamente a carência de materiais adequados as ferramentas tecnológicas, posto que os materiais didáticos não têm acompanhado a adaptação das ferramentas tecnológicas para sala de aula, mesmo com computadores, celulares e tablets disponíveis não há materiais digitais potenciais para utilização desses recursos.  Diante da constatação da situação pelo ministério da educação, o governo federal decidiu investir em produções de conteúdos educacionais digitais, tais como: criação de programas de estudo e leitura, fórum de discussão para professores e jogos digitais voltados para aprendizagem.
          
Embora o mercado só tenha vindo a começar a desenvolver a questão do livro digital recentemente,  é importante dizer que, as primeiras ideias e esboços iniciais sobre o assunto foram iniciadas em 1945 após a segunda guerra mundial, pelo cientista americano Vannevar Bush (1890-1974). Bush desde aquela época já sentira a necessidade de uma maior acessibilidade ao conhecimento, para que não se desperdiçasse mais tempo em pesquisas nos livros, como também alegava o desprovimento em novos modos de armazenar e consultar informações. Em suma , o legado de Bush enquanto cientista foi justamente objetivado sobre tentativas de recuperar o conhecimento feito e produzido pela humanidade.
   
Não obstante disso , desde 2014 o MEC incluiu no programa nacional do livro didático a exigência que as editoras produzam versões digitais dos livros, de maneira que esse recurso digital não seja apenas uma simples cópia do livro impresso e pudessem oferecer outras atividades, a exemplos de vídeos, simulados e ilustrações. Claro que nem todas as editoras dispuseram de outras ferramentas além da cópia fiel do livro impresso. Nesse caso, cabe ao professor fazer com que os alunos utilizem os celulares, tablets e computadores para pesquisarem e baixarem conteúdos de sua indicação. Mas no que se refere a essa última questão citada, uma pendência é o fator de muitas escolas ainda terem ausência de conectividade com a internet.

Partindo desse princípio é preciso a busca por materiais offline, ou seja, que possam ser baixados e utilizados depois, sem a necessidade de conectividade. Em suma, é sabido que não há mais aprendizagem passiva, onde o aluno só recebe informações sem atuar nelas, no aprendizado se prostra como ativo e constrói novos conhecimentos a partir dos quais já possui. Na perspectiva de Burke nos é apresentado uma distinção metafórica entre conhecimento e informação, duas questões que parecem se entrelaçar, mas que possuem diferentes sentidos. Segundo ele: “Informação é algo específico e prático enquanto o conhecimento seria algo processado e sistematizado que o autor distingue como o que é ‘cru’ e ‘cozido’” (BURKE, 2003, p. 19). Assim sendo, o conhecimento pode ser descrito por meio de informações mas não depende exclusivamente destas para sobreviver. Enquanto as informações podem ser tanto práticas quanto teóricas.

Afinal, o intuito da adoção tecnológica não é de excluir as formas de ensino tradicionais, mas fazer com que não se fique só nelas, uma vez que a tecnologia deve complementar o papel. Mesmo o Brasil tendo uma considerável distribuição tecnológica nas escolas, há ainda uma grande deficiência na infraestrutura como um todo, que dificulta a utilização focada na aprendizagem. O desafio atual com a tecnologia é fazer com que os métodos de aprendizagem se adaptem a evolução da tecnologia educacional. Enquanto países como Coréia do Sul , Finlândia e EUA estão investindo nessa transição para o material digital . O exemplo citado não afirma que o Brasil não invista, mas que, ainda tem muito a avançar, sua transição encaminha-se de forma mais lenta. Nesse sentido, uma nova implementação híbrida está em procedência, em que o aluno compra o livro impresso e ganha o acesso ao digital. Mas, para que o país avance significativamente nesse novo processo, é preciso três pilares primordiais: infraestrutura, conteúdo digital e formação de professores.

Acresce que, um dos principais empecilhos é o despreparo dos professores, que se tornam passivos diante de novas propostas de inovações por não terem recebido em seus cursos de formação disciplinas específicas para a utilização de recursos tecnológicos e em virtude disso, são despreparados para um possível trabalho com livros em forma digital, haja vista que não debateram e nem estão preparados para questões como essas. Freire diz: “O mundo não é. O mundo está sendo” (1996, p. 76), podemos dizer também que o professor não é, o professor está sendo. Disso surge a consciência do docente de que precisa estar sempre se especializando, procurando eventos e ambientes de debates sobre assuntos atuais, tendo em mente que sua formação profissional é continuada e nunca deve parar quando termina, pois devem estar preparados para acompanharem as evoluções tecnológicas.

No que se refere ao conteúdo digital é interessante ressaltar que mesmo sendo um novo rumo para o livro tradicional, o mesmo não perdeu seus traços originais, o que acontece é que ele evoluiu e seu processo de produção mudou. O livro eletrônico tem várias possibilidades podendo ser promissor na disseminação e acessibilidade de informações, como também visualizado em diferentes aparelhos eletrônicos, dentre outras vantagens podem ser destacadas também : a leveza dos aparelhos, ajuste de luminosidade, navegação entre os textos, marcador de páginas, economia de papel, ajuste de tamanho e fonte e  o fato de não ser suscetível a deteriorização. Além disso, sua utilização torna o ensino mais agradável uma vez que, a tecnologia atrai os jovens e contém a eficácia da possibilidade de transportar vários livros sem peso algum . O leitor passa a ter liberdade para condução de sua leitura.
   
Nesse mesmo ínterim , há questões inviáveis sobre o livro digital, que se efetivam nos custos dos aparelhos digitais que são necessários para o acesso ao conteúdo, que somado ao preço do próprio livro digital se consolidam como altos. Outra questão pertinente é a pouca facilidade de compartilhamento, haja vista que, algumas editoras já estão vinculando o conteúdo digital a conta do usuário.  A necessidade de recarregar a bateria também é uma inviabilidade e não menos importante a exposição da vista à luminosidade por muito tempo, podendo passar a tornar a leitura cansativa.
            
Por outro lado , outras condutas de ensino como ensino híbrido e a gamificação estão se disseminando.  O ensino híbrido busca alternar os momentos em que o aluno estuda sozinho no ambiente virtual, quando interage em grupo com os colegas e presencialmente com o professor. Enquanto que a gamificação, busca potencializar o jogo como ferramenta educativa que é utilizada de forma complementar para uma aprendizagem mais natural. Todavia, muitos pais estão se mostrando apreensivos com essas novas propostas de estudos virtuais, e pela substituição do livro impresso pelo digital, partindo do princípio de que se tornará de difícil controle saber quando os filhos estão estudando ou utilizando os eletrônicos para outros fins.

A proposta do livro didático digital é viável e pode vir a ser um meio bastante eficaz, mas para isso é preciso uma melhor análise de todos os eixos envolvidos para efetivação. Em uma era tecnológica nada mais interessante do que transformar o recurso clássico da educação em um material moderno e que seja pensado como um material que além de oferecer conteúdo, ofereça também facilidade para realização de atividades, simulados e até mesmo acesso a vídeos nos próprios celulares. Em suma, um material completo, acessível para visualização e mais dinâmico que o livro impresso.

REFERÊNCIAS:

Olivia Maria Paulino Belmino de Souza , é estudante do sexto período de licenciatura em história pela Universidade Estadual da Paraíba. Atuante no projeto da residência pedagógica.

CERTEAU, M. A invenção do cotidiano I: as artes do fazer. Petrópolis: Vozes, 1994.

VIANA, M. A. P. Internet na Educação: Novas formas de aprender, necessidades e competências no fazer pedagógico. In: MERCADO, L. P. L. (Org.) Tendências na utilização das tecnologias da informação e comunicação na educação. Maceió: EDUFAL, 2004. 228p

GASPARELLO, A. O livro didático como referência de cultura histórica In: ROCHA, H.,
MAGALHÃES, M. de S., GONTIJO, R.(Org.) A escrita da história escolar: memória e historiografia. Rio de Janeiro: FGV, 2009.

BURKE, P. Sociologias e Histórias do Conhecimento: Introdução In: Uma história social do conhecimento: de Gutemberg a Diderot. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.

CHARTIER, R. A ordem dos livros: leitores, autores e bibliotecas na Europa entre os séculos XIV e XVIII. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1994.

BITTENCOURT, C.M.F. Livro didático e saber escolar (1810-1910). Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2008.

FREIRE, P.. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São
Paulo. Paz e Terra, 1996.

2 comentários:

  1. Que propostas para a formação de professores em relação a estas novas tecnologias você teria, dado que não se trata somente de uma questão de conhecimento técnico do uso delas, mas também de um uso crítico dos diversos conteúdos que temos na web? E será que mais que criar um acesso digital aos livros didáticos/novos materiais não seria importante também adaptar o livro didático a este novo mundo, dado que em tantos casos ele ainda é o único livro ou contato com o conhecimento histórico que muitos alunos e suas famílias têm?
    --Ingrid Requi Jakubiak

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  2. Adriana Aparecida Possa9 de abril de 2019 às 17:58

    Acredito que o método tradicionalista não seja de todo ruim, porém muitas vezes a ênfase em um fato maior acaba tirando a importância de fatos menores, de pessoas menos conhecidas mas também que tiveram muito importância ao Brasil de hoje, o que fazer para possibilitar aulas mais amplas em termos de conteúdo já que os livros são bem resumidos?

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