Cleverton Barros de Lima


NOTAS SOBRE O ENSINO DE HISTÓRIA NA OLIMPÍADA NACIONAL




Em 2018, o Departamento de História da UNICAMP abriu as inscrições da 10ª. Olimpíada Nacional de História para equipes de todo país participar das etapas da competição. Cada equipe, formada por no máximo três alunos e acompanhado por um professor/orientador, responderam as questões de história do Brasil que envolviam inúmeras habilidades; analisar documentos que traziam pistas sobre um determinado problema ou período histórico; leitura crítica de textos que funcionavam como parte do exercício interpretativo. Acompanhei o alunos Geisy Nabuco, Luís Santana e Leonardo Teles, do curso integrado de Química, do Instituto Federal de Sergipe, na condição de professor substituto de História. A experiência tornou-se, num exercício acadêmico que envolviam a “operação historiográfica”, as versões a respeito de temáticas e objetos consagrados pelas pesquisas acadêmicas (Fonseca, 2009).

Partindo da experiência da participação da 10ª. Olímpiada Nacional em História do Brasil, meu objetivo é pensar as potencialidades de ensino e aprendizagem na plataforma da Olímpiada Nacional de História. Inclusive por compreender as inúmeras possiblidades de ensino e aprendizagem que o ambiente virtual apresenta aos estudantes. Daí eu penso que, não só os acervos digitais são uma novidade a ser explorado nas aulas de História, mas sobretudo, a ideia trabalhar com os alunos os textos e documentos que ampliam o espectro do ensino e didática para outras chaves de aprendizagens; uma vez que, o ensino de História no ensino básico sofre pressões não só dos programas curriculares e dos certames, mas, dos revisionismos historiográficos e das inúmeras vulgarizações do conhecimento histórico disseminados em selos editoriais com seus guias politicamente correto e, também, dos inúmeros youtuberes com suas versões questionáveis da História, travestidas de cientificidade.


Fig. 1.

A dimensão ética dos usos públicos do conhecimento histórico está no centro das minhas preocupações, uma vez que, ao trabalhar temáticas históricas, a exemplo a leitura do “Dicionário Filosófico” (1764) de Voltaire na temática do Iluminismo, trago sempre um vínculo documental com o que está sendo estudado. Ou seja, planejar a aula de História sugere amplamente em construir um sentido da narrativa. Daí a importância do aspecto retórico do qual todo historiador deve lidar ao ensinar qualquer assunto. Descortinar a operação historiográfica, parafraseando Michel de Certeau (2002), perpassa por exercitar os desafios do trabalho na oficina da História; isto é, desdobrar as tramas que elaboramos ao estudar um documento em suas várias possibilidades, inclusive, teóricas.

Esse aspecto do ofício do historiador está relacionado as atividades propostas na 10ª. Olimpíada Nacional de História do Brasil (2018). Não é um exercício pueril de decorar fatos, nomes, desfechos, mas uma problematização oriunda das multiplicidades de fontes (músicas, quadro, fotografia, textos), aspectos teóricos, personagens, etc. Novos objetos, exigem procedimentos metodológicos e teóricos são exigidos aos professores na incursão do trabalho com novas linguagens e objetos: “(...) os atuais métodos de ensino têm de se articular às novas tecnologias para que a escola possa se identificar com as novas gerações, pertencentes à “cultura das mídias”. (Bittencourt, 2008, p. 107).

As gerações que vivem nos “tempos líquidos”, como denominou o sociólogo polonês Zygmunt Bauman, são desafiadas diuturnamente por noções tempo e compromissos da modernidade líquida (Bauman, p.9). De certo, a fluidez desse tempo, exige dos professores de história uma atitude crítica e interdisciplinar, ao interrogar e dialogar com os ritmos temporais heterogêneos em que seus alunos estão interagindo. Inclusive, em pensar as nuances das aprendizagens em história que orientem a percepção da necessidade do domínio de conceitos e de outros domínios. Uma vez que, não basta o aluno aprender nomes e eventos, sem uma reflexão teórica apropriada.

Nas etapas da Olimpíada, os alunos percorrem diversas temáticas, mas num viés de problematização histórica e, por isso, a proposta de aprendizagem e ensino fluem no contexto desafiante. O que de certo modo, vincula uma exigência de abstração teórica, ao qual, as equipes devem problematizar. Penso no caso específico do uso da música composta por Seu Jorge, Marcelo Nascimento e Ulisses Capelleti. A canção saiu no álbum “Do Cóccix Até Pescoço” (2002), de Elza Soares, idealizado por Zé Miguel Wisnik:


“A Carne
A carne mais barata do mercado
É a carne negra
A carne mais barata do mercado
É a carne negra que vai de graça pro presídio
E para debaixo do plástico
E vai de graça pro subemprego
E pros hospitais psiquiátricos
A carne mais barata do mercado
É a carne negra que fez e faz e faz história
Segurando esse país no braço, meu irmão
O cabra aqui, não se sente revoltado
Porque o revólver já está engatilhado
E o vingador eleito
Mas muito bem-intencionado
E esse país vai deixando todo mundo preto
E o cabelo esticado
Mas mesmo assim, ainda guarda o direito
De algum antepassado da cor
Brigar sutilmente por respeito
Brigar bravamente por respeito
Brigar por justiça e por respeito (Pode acreditar)
De algum antepassado da cor
Brigar, brigar, brigar, brigar
A carne mais barata do mercado
É a carne negra, negra, negra, carne negra (Pode acreditar)
A carne negra”.


Fig. 2.

Pensar essa canção, exige um conhecimento de conceitos relativo a História da Escravidão no Brasil, mas, sobretudo, ao debate de Abdias do Nascimento (“O genocídio negro”) em contraponto a democracia racial de Gilberto Freyre (“Casa grande e senzala”). Daí a importância as inferências das questões partirem de perspectivas teóricas interdisciplinares. É fundamental o professor recorrer aos debates que são alusivas as questões propostas. Isto é, a equipe e o professor entram numa interlocução de pesquisa e aprendizagem.

Na questão específica da música, os elementos constitutivos do racismo estrutural no Brasil, sinalizam reflexões sobre a condição do negro na contemporaneidade. O racismo, o preconceito e todas as formas de violência, são parte de uma estrutura. Para Silvio Almeida (2018), existe três formas de racismo: o primeiro, é individual; o segundo, é institucional e, por fim, o terceiro, é estrutural. Ao discorrer sobre as peculiaridades destas formas de violência, o professor Silvio Almeida desenvolve sua reflexão:

“O conceito de racismo institucional foi um enorme avanço no que se refere ao estado das relações raciais. Primeiro, ao demostrar que o racismo transcende o âmbito da ação individual, e, segundo, ao frisar a dimensão de poder como elemento constitutivo das relações raciais, mas não somente o poder de um indivíduo de uma raça sobre outro, mas de um grupo sobre outro, algo possível quando há o controle direto ou indireto de determinados grupos sobre o aparato institucional”(Almeida, 2018, p. 36).

Ao afirmar que “as instituições são racistas porque a sociedade é racista”, Silvio Almeida se contrapõe a tese da democracia racial e de uma suposta cordialidade do brasileiro. Por isso, o uso da linguagem musical ou mesmo literária, com finalidade do trabalho histórico de temas candentes, a exemplo do racismo, seja importante na prática de ensino.

Portanto, a experiência da Olímpiada de História, constitui-se numa prática de extensão relevante a ser desenvolvida também no âmbito da cultura escolar. Inclusive, por acreditar que muitas sandices de vulgarizadores do conhecimento histórico, não teriam um público tão cativo e passivo.  


Referências
Cleverton Barros de Lima é Doutor em História pela UNICAMP e atualmente é professor da FANESE. E-mail: cleverton.lima@gmail.com

ALMEIDA, Silvio Luiz de. O que é racismo estrutural? Belo Horizonte: Letramento, 2018.
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Tradução de Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Jorge Zahar editor, 2001.
BITTENCOURT, Circe. O saber histórico na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2009.
BITTENCOURT, Circe. Ensino de História: fundamentos e métodos. 2ª. Ed. São Paulo: Cortez, 2008.
CERTEAU, Michel. A escrita da história. Tradução de Maria de Lourdes Menezes. 2a. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002.
FONSECA, Selva Guimarães. Didática e Prática de Ensino de História: Experiências, reflexões e aprendizados. 8ª. ed. Campinas: Papirus, 2009.
SOARES, Elza. Do Cóccix Até Pescoço. CD. Maianga Discos, 2002.


6 comentários:

  1. LUCIANE DE PAIVA CORREIA9 de abril de 2019 às 18:47

    Olá Professor Cleverson
    Com sua experiência na Olimpíada de História e de materiais diversos para a continuidade do ensino e aprendizagem. Na sua opinião, por que a este tipo de desafio escolar ainda não é gerido pelo MEC?

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    1. Pergunta muito interessante e relevante, sempre me pego pensando nisso.

      Matheus Mendanha Cruz

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  3. Boa tarde professor.

    Sou professor em SC pela rede estadual e tenho enfrentado o desafio de trabalhar de forma a valorizar a construção do pensamento histórico e não o decoreba de datas e fatos. Alguns alunos tem se mostrado resistentes, principalmente por estarem no Ensino Médio e não terem aprendido a fazer comparações e relacionar fatos, contextos, etc.

    Na sua prática com aulas documentais, o que o sr percebe de retorno dos estudantes?

    Matheus Mendanha Cruz

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  4. Ao propor a participação na ONHB, como foi a receptividade por parte da equipe pedagógica e gestora?
    Diovana de Fátima Bronosky

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  5. Boa noite professor,

    Fiquei muito interessada no trabalho, pois neste ano participaremos com dois grupos na instituição em que trabalho, e os alunos estão muito empolgados com a ideia, apesar das limitações em dissertar, interpretar, etc, principalmente por serem do 8º e 9º ano.

    Você considera que o formato da ONHB auxiliou no entendimento que os alunos que participaram tinham sobre ensino de História? Qual foi a relação deles com as questões e tarefas?

    Ruhama Sabião.

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