INTELIGÊNCIA
COLETIVA: A CIBERCULTURA NA FORMAÇÃO EM HISTÓRIA
Esse texto
faz parte do sub-projeto de história do Programa de Residência Pedagógica,
desenvolvido na UFMS. O objetivo do
projeto é preservar a memória histórica através de novas abordagens midiáticas
de propagação, proporcionando aos alunos a pesquisa e a reflexão sobre a
importância do patrimônio histórico regional, resgatando a identidade e os
significados. Além de contribuir com o diálogo para a melhoria da qualidade
educacional com diagnósticos e intervenções na instituição escolar na
preparação voltada para a prática da docência. A partir da ideia de
cibercultura, fazer uma crítica das mídias sociais e a possibilidade de
utilizá-las na educação. Pretendemos
metodologicamente abordar o tema com atividades direcionadas com fotografias, vídeos, câmera, celular e
computador.
Introdução
A humanidade tem por característica
essencial a busca da compreensão do mundo a partir de uma lógica estrutural
fenomênica que pudesse dar sentido, interferir e controlar sua própria
manifestação existencial. Isto é, o nascimento da filosofia e da ciência com as
primeiras perguntas cosmológicas fomentaram respostas que potencializaram o
avanço cultural, concebendo novos valores e costumes benéficos a sociedade.
A técnica criou novos níveis de realidade
desempenhando um papel central na construção de signos e significados. Mas do
que o uso engenhoso da natureza, ela integra a mesma na história e tem um
sentido intrínseco. Uma nova etapa tecnológica e um evento histórico. Desde o
aparecimento da ciência, a inteligência humana tem enfrentado a realidade
utilizando instrumentos para ampliar os horizontes de possibilidades de
interação com o universo. Desde os gregos antigos entendemos a necessidade de
controle da ''providência'' e a auto compreensão do nosso papel do mundo.
Faz parte da condição humana estar preso ao
seu tempo, projetar-se para o futuro e tentar ao máximo se livrar das dores e
angústias que a vida traz. Para isso, a técnica criou pontes que levam a
acessos a realidade em um jogo de domínio da natureza. Sendo o ser humano intrinsecamente
técnico, e a técnica ser propriamente histórica, então, cada estágio
tecnológico transforma nossa relação com o mundo e provoca contradições
culturais, sociais e econômicas, como se fosse o motor da história em suas
causalidades recíprocas e múltiplas, ao determinar modelos explicativos
fundamentais da realidade.
Porém, o desenvolvimento tecnológico não
significa necessariamente o desenvolvimento humano. A sua interferência e
construção de olhares sob o mundo devem ser avaliados de forma crítica. Se a
tecnologia foi um instrumento de dominação por um longo período histórico nos
colocando numa encruzilhada ética, ela também tem um caráter libertador. O
problema da contemporaneidade se dá quando a tecnologia rompe com seus aspectos
fundamentais e passa, ela mesma, a determinar os rumos da sociedade. Daí a
volta a pergunta kantiana se faz necessária: o que podemos esperar? Se a educação com o seu papel libertador pode
utilizar a tecnologia como uma ferramenta pedagógica para uma maior compreensão
do mundo e dar novos significados pela narrativa histórica, então, esse é o
caminho na atualidade para ampliar e democratizar o conhecimento visando
combater a alienação posta e buscar uma maior igualdade social.
Educação
e Tecnologia
Desde a pré-história e o presente, o ser
humano buscou aprimorar sua relação com a natureza a através de instrumentos
que pudessem facilitar sua ação no mundo. Visando, inicialmente, a obtenção de
alimentos e defesa e posteriormente, o domínio do meio ambiente para diversos
fins, passamos da utilização de uma simples pedra para o lançamento de sondas
espaciais que mapeiam o universo. Assim a tecnologia esteve em um fluxo
constante de aperfeiçoamento alterando significativamente a maneira como nos
relacionamos com as coisas, nos forçando a redesenhar o tempo-espaço e m suas
percepções.
Segundo Pierre Lèvy, A tecnologia altera
nossa maneira de viver pelo conceito criado por ele de dilúvio: uma espécie de
mar que penetra por todos os cantos, empurrando como sua força a transformação
de comportamentos e costumes sociais.
Desde a caça e a coleta, passando pela
descoberta do fogo e a invenção da roda, os homens têm a tecnologia como
atividade intrínseca ao ambiente material, em que a cada novo passo tecnológico
a uma quebra do antigo paradigma, gerando novos significantes simbólicos que
influenciam diretamente na vida como um todo. Mas foi com o capitalismo que o
dilúvio tecnológico se deu de fato. A valorização da técnica e do trabalho
permitiu que a tecnologia se tornasse um determinante social, condicionando o
comportamento dos indivíduos.
A tecnologia passou a se apresentar como
uma via única, um caminho sem volta rumo ao aperfeiçoamento da sociedade, uma
espécie de reino tecnocientifico que não dá espaço para outras alternativas,
dominado por aqueles que detém poder político e econômico, que, por sua vez,
cria novas dependências a humanidade baseadas na lógica do consumo e da
fluidez, uma forma de regulação das massas, que gera dependência e
desigualdade. Sem contar a destruição dos recursos naturais baseados no consumo
e descarte que esgotam as reservas naturais do planeta. Dessa forma, o
capitalismo se alimenta do mercado e do habito destrutivo da compulsão pela
compra, que financia a exploração da população e da natureza.
Tecnologia tem o papel de suma importância
na contemporaneidade, ela vigia e manipula as opiniões e as ações como nunca
antes se viu na história da humanidade. A partir da fragilidade de parte da
população com baixa instrução educacional, as mídias utilizam convenientemente
de seu poder e credibilidade para manipular a realidade visando a manutenção de
uma política de sociedade administrada. Quando as massas têm suas ações
automatizadas, se tornam inaptas a qualquer ato revolucionário, uma vez que não
há indignação ou esperança de mudança radical do mundo em que vivem. Promovendo,
assim, uma ordem baseada nos valores e manutenção no poder das elites.
As massas são marionetes do sistema que não
agem criticamente, apenas obedecem, não tem vontade própria. Basta um demagogo
ou líder autoritário para catalisar as aspirações coletivas das formas mais
primitivas e rudimentares da psiqué humana. Contribuindo para a formação da
barbárie social. Reacionária, coloca seu ódio onde agitadores políticos
apontam, em quanto fazem passeatas que comovem a opinião pública e são
utilizadas nas mídias como uma forma de legitimação da própria manipulação.
Logo, palavras de ordem como ''Deus'', ''Pátria'' e ''Família'' são gritadas de
forma grotesca demonstrando o ressentimento pela perda de pequenos privilégios,
o instinto de rebanho que objetiva a preservação do status quo.
Dessa maneira, a mídia é organizada para
atender os desejos de uma elite que proíbe qualquer forma de debate público
mais profundo que possam atrapalhar seus interesses. As frequências de rádio e
TV no Brasil, foram entregues a poucas famílias que são leais a esta mesma
elite em troca do monopólio da informação. Daí a importância das redes sociais
para romper este laço de comunicação e democratizar diferentes visões de mundo
capazes de criticar de forma efetiva a dominação, gerando a possibilidade de
contradições.
Uma vez que a condição humana é dependente
da capacidade de uma comunicação complexa, a construção das relações sociais se
dá na habilidade de comunicação em um universo simbólico. Quando nossa
linguagem e troca sociais são manipuladas, há um poder estruturante que provoca
um conformismo lógico, uma submissão as conveniências estipuladas de acordo com
ideais específicos. Assim, temos um poder simbólico exercido pelas instituições
que possuem a capacidade de comunicação de massa.
Porém, da mesma forma que a linguagem pode
ser apropriada arbitrariamente, ela também pode ser direcionada para a
construção de um sentido que não seja aquele imposto pelos donos do capital
simbólico, e sim sua contradição na busca da verossemelhança com a realidade e
os jogos de interesses, contrário a dominação e a alienação.
Uma vez que o trabalho se tornou um dos
artigos mais baratos, os donos do capital passaram a investir na robotização do
humano, uma tentativa de automizar as pessoas para obter resultados mais
significativos e produtivos. Em uma sociedade da informação global como a
nossa, o conhecimento administrado serve para dar ordem econômica, social e
cultural. As mudanças de paradigmas baseadas na dominação da natureza, da
agricultura a industrialização e, por fim, para a era digital da informação,
reconfiguram os símbolos de controle, sendo que em nenhum outro momento da
história o modo informacional de desenvolvimento tecnológico nunca foi tão
valorizado, o sistema capitalista precisa de uma sociedade em rede, seus lucros
em investimentos crescentes necessitam de esquemas com os menores riscos
possíveis e os maiores retornos.
Por intermédio da tecnologia, redes de
informação conectaram mercados e pessoas ao redor do mundo em um banco de dados
extremamente valioso. A cada novo padrão de tecnologia há novas condições de
valorização do capital. Porém, a consequência disso é a exclusão desse meio
daqueles que não interessam ao sistema, os segmentos mais pobres da sociedade
são desconectados devido ao baixo padrão de consumo. Além disso, não se
questiona como a cada dia se produz mais informação sem se preocupar em
refletir a manipulação por traz dela. Daí a importância de uma revisão crítica
da história do tempo presente. Questionar as relações dos signos, significados
e referências impostos a sociedade e suas transformações dentro do contexto
histórico para compreender o uso da tecnologia do passado e do presente.
Tecnologia significa poder e controle, os
que a possuem exploram que não a possuem. Isso se deu desde o neolítico até os
tempos atuais. E a história nos mostra que dispor de poder é embriagador. Por
isso a luta contra a dominação econômica e simbólica é tão urgente. Entretanto,
o ciberespaço é constituído por seres meio atores, meio maquinas, que Lévy
chama de programas, que passaram a organizar nossas vidas. Esses programas
(aplicativos) tem uma aproximação com a programação (linguagem) que pensam
nosso cotidiano facilitando nossas relações com amigos, trabalho, banco e etc.
Esse é um exemplo da transformação da tecnologia nas nossas vidas, ela deixou
de se rum instrumento para ser algo mais, uma ''vivência virtual''.
A expansão do ciberespaço acompanha a
virtualização da economia e da vida. As novas estruturas de relações sociais de
vivência virtual estão em constante movimento e despersonalizam os indivíduos,
retirando sua materialidade de cena e compondo novos espaços. Trata-se de uma
alegoria da caverna de Platão atualizada para a contemporaneidade, ao invés de
olhar para sombras projetadas na parede, os homens olham para a tela dos
celulares e computadores. Quando a tecnologia deixa de ser um instrumento de
domínio da natureza para garantir a subsistência e passa a representar apenas
sombras da realidade, devemos olhar com criticidade do seu papel. Quando os
dispositivos formam a única ponte em que os indivíduos têm com a realidade,
então deve se problematizar a relação entre o real e o virtual.
Sabemos que o problema não é a tecnologia,
mas sim o uso que fazemos dela. Não precisamos romper com a dependência e sim
significá-la, torna-la novamente um instrumento de aperfeiçoamento do humano,
uma forma de superar uma espécie de autismo coletivo que a tecnologia nos
legou. Repensar a relação homem-máquina. As redes sociais deveriam aproximar as
pessoas e não afasta-las. Viver em uma sociedade do espetáculo em que a
visibilidade pautada na efemeridade da imagem e de curtidas é viver amarrado na
caverna platônica, o mundo virtual torna-se uma hiper-realidade em que a vida
acontece. Esse ciberautismo deve ser substituído por relações de interação com
o outro que agreguem experiências e conhecimentos.
Assim como a invenção do estribo, dos
moinhos de vento, da imprensa e etc; a tecnologia deve ser um instrumento que
possibilita transformações no tempo-espaço e sociedade, que nos levam para o
caminho da civilização popularizando seu uso, contribuindo com a democracia.
Para além da pseudocultura propagada pelas mídias, a tecnologia pode servir a
arte e a ciência de forma acessível e barata.
A
tecnologia não é boa, má ou neutra, pois são as relações que a sociedade
estabelece com ela que ditaram sua utilidade e alicerçam do poder em torno
dela. A tecnologia está montada em questões sociais e não está alheia as
relações de classes. Por isso, remodelar seu uso de uma função como pão e circo
para algo mais educativo é um dever daqueles que estão preocupados com o
futuro.
Uma vez que a tecnologia não é um
instrumento neutro, pois está vinculada ao sistema capitalista e a sociedade de
controle, os interesses e valores da classe dominante estão em constante
alimentação no desenho tecnológico diário. O efetivo controle e a falta de
criticidade demonstram que o homem se apropria da tecnologia, mas esquece de si
em um processo de empobrecimento do eu e do outro. Felizmente, a internet e as
redes sociais, nos possibilitam a divulgação da informação. Uma das formas de
democratização do saber é uma unidade de informação chamada pelo geneticista
Richard Dawkins de meme, unidades culturais que podem transformar o mundo
virtual a partir de uma herança viral democratização do conhecimento.
Discutir sobre o patrimônio histórico em
sala de aula, desempenha um papel fundamental no desenvolvimento da crítica e
construção de uma identidade e memória que, como sabemos, são estruturas
pensadas por grupos que detém o poder na sociedade, fortalecendo assim os seus
interesses políticos e econômicos.
Aproximar esse tema dos alunos, ilumina-se
todo um contexto histórico antes visto de forma acrítica e limitada devido a
uma eletização da memória e da identidade do local. O estudo da memória
coletiva deve servir para a libertação e não para a servidão dos homens, logo,
a pesquisa em volta destas áreas também devem ter o papel de fornecer ao
público uma chave que os desprendem de correntes criadas pela sociedade,
tornando-os assim, seres mais livres e autônomos.
Além de contextualizar e iluminar sombras
da história, trabalhar com memória e patrimônio ajuda a dar coerência e
fomentar o sentimento de pertencimento dos indivíduos na construção de si
através do local onde residem, pois, com isso, respondemos algumas perguntas
básicas como ''quem somos, para onde vamos, o que fazemos''. Com esta
abordagem, além de dar sentido, também é possível trabalhar na formação da
cidadania, estabelecendo uma espécie de ordem nas massas.
Enfim, dialogar com essas fontes
(patrimônio histórico material e imaterial) é interessante devido a sua
dinâmica pedagógica, pois aproxima e deixa mais sólida a subjetividade
histórica. O foco principal é, através do ensino embasado, sempre estimular o
respeito, a abrangência de ideias e a desconstrução de atitudes e pensamentos
que podem segregar, gerar ódio e preconceito quando aprendemos de forma rasa os
objetivos que cada documento tem.
Conclusão
Humberto Eco afirmou em vida que as redes
sociais vieram para ''dar voz aos idiotas''. Na contramão de superficialidade,
Pierre Lévy, garante que o efeito da rápida informação e interação pode ser
outro. Na democratização dos saberes do mundo virtual, a participação na
cibercultura gera uma construção que ele chama de ''todos-todos'', uma
participação ativa na construção do eu e do mundo, para além de um autismo
coletivo, Lévy cunhou a ideia de inteligência coletiva.
Dessa forma afirma Lévy, todas as atividades
humanas voltadas a aprendizagem, a pesquisa e ao lazer serão virtuais. O
ciberespaço, em algum momento, poderá ser o centro de relações sociais, criação
e aquisição de conhecimento, em que a consciência poderá se dar de forma
unificada e múltipla.
Referências
Leonardo Alexandre Passos Noronha e Lennon Vinícius, acadêmicos de história da UFMS.
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Brasil, 2006.
CASTELLS, M. A Sociedade em Rede. São
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LÉVY, P. A Conexão Planetária: o mercado, o
ciberespaço e a consciência. S]ao Paulo: Ed. 34, 2001.
LÉVY, P. Cibercultura. São Paulo: Ed. 34,
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ORTEGA Y GASSET, J. A Rebelião das Massas.
São Paulo: Martins Fontes, 2202.
PLATÃO. A República. Bauru: Edipro, 1994.
ZARBATO, J. A. M. Patrimônio, Cultura e
processos educativos em História: percursos e reflexões. Campo Grande: Life
Editora, 2018.
Primeiramente eu gostaria de mencionar que achei interessante como você comparou as redes sociais com a alegoria da caverna de Platão.
ResponderExcluirOs "memes" que as novas gerações criam são em sua maioria voltadas para o humor, na sua opinião esses "memes" podem, ou poderão, ser estudados no futuro como uma representação da visão de mundo dessas gerações?
Você acha que os professores devem usar essa linguagem da internet, especificamente os memes, como um novo método de ensino?
Francielly de Lima Silva
Gostaria, no primeiro momento, de deixar uma crítica ao texto. Creio que a abordagem estruturalista de viés marxista que visa imputar à internet o mesmo papel da imprensa do século XIX como propagadora do discurso dominante e colaboradora da desigualdade social não seja o suficiente e tampouco explica todas as especificidades e propriedades desse fenômeno. Aliás, se única condição de existência para os portadores do capital é a revolução do meio social, então creio que eles, em relação a internet, cumprem esse condicionamento.
ResponderExcluirAdemais, em segundo lugar, gostaria de indagar sobre como a internet poderia colaborar - ou auxiliar - na compreensão do tema tratado, relacionado as culturas materiais e imateriais. Em suma, como é possível utilizar a internet para abordar estes assuntos?
Anderson Luiz Barbosa
Excelente texto e expõe claramente o que estamos vivenciando. O uso tecnológico de sistemas de comunicação atingiu níveis altíssimos de massificação e a elite se deu conta disso e começou a utilizá-la para a manipulação da sociedade. O que vemos hoje é a política sendo "hackeada" por meio do direcionamento da população através das redes sociais. Diante desse quadro, como podemos parar essa dinâmica e como libertar a sociedade desse tipo de manipulação?
ResponderExcluirAlberto Ferreira e Souza.
O texto é bom e trás algumas questões que devem ser realizadas na atualidade, principalmente por docentes, uma vez que a educação tem papel fundamental na construção de indivíduos ativos e críticos. Concordo quando os autores dizem que as mídias sociais digitais são importantes pois democratizam as diferentes visões de mundo, mas questiono como estão sendo formuladas e quais estratégias de análise estão sendo ensinadas para os jovens que são nativos digitais, e muitas vezes não são direcionados a refletir sobre o que é posto, notadamente, nas mídias sociais digitais. Dessa forma, o que os professores de história estão fazendo ou podem fazer a respeito da construção da criticidade dentro do campo da memória imaterial?
ResponderExcluirAngêlica Rita de Araújo