HISTÓRIA
PÚBLICA E ENSINO DE HISTÓRIA: O CONHECIMENTO HISTÓRICO DO PROFESSOR, DOS ALUNOS
E DOS OUTROS
Uma
vez mais história pública e, mais uma vez, ensino de História.
A
história Pública não é um campo por vir no Brasil... ele está chegando. Não
como em alguns países, principalmente anglo-saxões, em que já se discute há
quase cinquenta anos, e, onde ela chegou, chegou para ficar. São muitas suas
nuances e versões para discussão. No Brasil, o tema está chegando ainda, mas chegando
rápido, em vários fóruns de debate: nas ANPUHs e encontros de historiadores, em
mesas-redondas, minicursos, simpósios temáticos, comunicações livres, dossiês
de revista, artigos livres, palestras, rodas de conversa e alguns poucos
livros, organizados no Brasil, principalmente pela Rede Brasileira de História
Pública, a RBHP.
Mas
o que quer que seja a História Pública, ela é definição em aberto. Ou um campo
em que cabem várias definições, várias posições, que vão da resistência ao
campo até sua ampla aceitação, inclusive com organização de cursos. Há muitos
que não a conhecem, e que parecem, às vezes até por preconceito mesmo, não aceitarem
o tema. Pior: quando a encaram, fazem para detratar.
Como
é notório, a discussão no Brasil é recente.
FERREIRA
(2018??) assegura que o início foi 2011 com o primeiro curso de História
Pública oferecido na USP durante evento. No Brasil, queremos acreditar que sua
discussão já estava aqui, mas disfarçada em termos como “lugares dos
historiadores”, “função social dos historiadores”, “historiadores e mercado de
trabalho”, “públicos da história” e outros. Nos Estados Unidos, por exemplo,
onde o movimento da História Pública se institucionalizou, o primeiro curso é
de 1976. Também são poucas as publicações brasileiras, como dissemos acima: só
em 2014 apareceu um dossiê sobre a História Pública – Revista Estudos Históricos - e alguns periódicos, agora, começam a
se abrir para dossiês sobre História Pública. Ao contrário da literatura
internacional. Uma leitura de títulos de artigos em revistas internacionais que
trazem a história pública como tema variam desde estudos de memória a estudos
de mídia e outros lugares de conhecimento. Acreditamos que seja um caminho sem
volta. A história pública tenderá – muitas discussões asseguram isso – a
modificar a função e o modo de percepção do que seja história. Isso,
provavelmente, implicará em mudanças internas no campo historiográfico que
induzirão a revisão de formas de pesquisar e apresentar a história.
Uma
das definições correntes de História Pública é a de que ela se refere a maneira
como apreendemos/aprendemos o “senso de passado”, e isto estaria conectado
intimamente à maneira com que a história/o passado é apresentada(o)/dada(o) a
conhecer. Para historiadores profissionais, por esta interpretação do que seja
a história pública, a maneira de apresentação do conhecimento pesquisado do
passado em revistas científicas de algum modo determina o modo de se pesquisar
e abordar o passado. Se, na escola, o passado é apresentado, por esta
interpretação do que é História Pública, seria o caso de se verificar com que
práticas e atividades compatibilizar um processo de ensino/aprendizagem em que
alunos investigam o passado por uma história que lhe é apresentada sob uma
forma escolar e não por meio de textos eruditos – numa forma acadêmica. Na
escola, o passado é apresentado por meio dos habituais equipamentos escolares -
o professor vocalizando o material histórico, o filme, o website, o livro
didático e outros.
Autores
de história pública acreditam que outros espaços de história podem ser, além da
escola, a família, o museu, o bairro, as mídias em geral. A escola,
provavelmente muito induzida por autores do Ensino de História, parece-nos que
há muito tempo deixou de ser o guardião do livro didático como forma única e
suprema onde se aloja o conhecimento histórico dentro da escola. A crítica ao
livro didático envolve o questionamento de sua hegemonia como equipamento de
trabalho e já divide espaço com outras materialidades, modos e equipamentos de
trabalho didático e pedagógico.
Esse
lugar de conhecimento histórico que é a escola não é alheio ao conhecimento
histórico acadêmico, pelo contrário, um lugar para onde o conhecimento
histórico acadêmico vai se deslocar prioritariamente: não é gratuito que os
livros didáticos acompanhem as repartições cronológicas, o balizamento
metodológico, os enfoques que os professores aprendem na universidade e que a
escola deve tentar reafirmar. Mas a realidade, mais uma vez analisada por
autores de História e do Ensino de História, é que professores e alunos devem
lidar com o conhecimento histórico não elaborado pela universidade – ou que
mantém com ele interfaces mas que não se restringem a ele. A escola seria,
segundo algumas teorias educacionais, o espaço social por excelência onde há
educação formal. E, sabemos, a escola parte da história que foi elaborada pela
universidade, embora muitos sejam os teóricos, hoje, que apontam para este
equívoco: o conhecimento histórico escolar não se limita ao conhecimento
histórico acadêmico.
Estamos
tratando do lugar escola, que se transformou e tem se transformado naturalmente
a fim de atender demandas diversas de uma sociedade diversificada (ou de
públicos de várias procedências que estão dentro dela!), uma vez que mudanças
de realidades forçaram, têm forçado e forçarão seus professores a se
entenderem, lá na escola, com a história pensada, recordada, vivida,
compreendida de outros modos, o que força o professor a reconhecer e adotar,
muitas vezes, práticas e procedimentos pedagógicos que não foram gestados
dentro da escola, mas absorvidos por ela em vista de que seus agentes –
professores e alunos – estão imersos em realidade que são “históricas” e que
disseminam o passado. Ao entrarem na escola, alunos e professores, por ato de
vontade, não deixam esta realidade de fora. Ela os marca, e ela “entra na
escola” com eles: com seus métodos e visões de mundo. Essa realidade escolar de
conhecimentos históricos mundanos, entra na escola e muda a realidade de
ensinar, exigindo procedimentos modificados. Não é pequena a literatura sobre o
Ensino de História que trata disso – mas sob o nome de Ensino de História e não
Ensino de História e História Pública.
Vamos
tentar ligar, então, Ensino de História e História Pública, a fim de considerar
nossa hipótese de que a escola é um excelente cenário em que se pode observar
que há conhecimentos históricos e ninguém tem o monopólio do conhecimento do
passado.
Ensino de História e História
Pública
Vejamos
como é possível associar estes dois termos de maneira a expor suas interfaces,
ou sua principal interface, qual seja: a que há História Pública na sala de
aula, que, pelas práticas pedagógicas adotadas por professores em relação com
alunos (as), chegam às salas de aula outras “artes de ensinar”, experimentadas,
vividas, vistas e aprendidas em outros ambientes públicos. A escola é um
ambiente público, que é também um ambiente de encontro de públicos onde alunos
e professores, por mais que cumpram papeis, são, ao mesmo tempo, públicos de
história mostrada/apresentada por meios que existem para além da escola.
Qualquer história, neste sentido, é História Pública, seja em que lugar ela
estiver sendo apresentada. A História Pública tem sido pensada por alguns
autores como parte da reflexão sobre o Ensino e vamos tentar pensar em termos
de princípios comuns, afinal, o movimento de autores que têm aderido à História
Pública já criou Grupos de Trabalho sobre “Educação e História Pública”.
Alunos
são um outro público de História, podemos pensar assim.
A
sala de aula é um lugar de investigação da parte do professor, que vive uma
situação de ter sido formado numa disciplina de nome “História”. Essa
disciplina disciplinariza e “instrui” tipos de perguntas, abordagens, que devem
ser feitas em direção ao passado, por meio de fontes que são escrutinadas e
aprovadas, por meio de conteúdos e significações permeadas de teorias – já de
antemão aceitas ou refutadas – e por meio de uma apresentação do passado
pesquisado que deve obedecer a critérios que reconheçam e identifiquem aquele
conhecimento do passado como “disciplina científica”. Mas a simples existência
no tempo garante a cada um de nós, viventes, a condição de “históricos”, e por
isso sabedores de uma história – que será julgada como verdade, ou falsificação,
depois de submetida aos critérios de verificação da validade de construção de
conhecimentos históricos que a ciência histórica adota. Com este sentido de
cientificidade e com suas abordagens disciplinares, chegamos ao passado,
dando-lhes uma compreensão, para o que não dispensamos nossas perguntas no
presente. Mas há outras maneiras de significar, ou conferir importância ao
passado que não são aquelas com que a ciência histórica nos acostuma.
Há
ligações entre pessoa e passado, pessoa/aluno e passado/história. Públicos se
apegam ao passado de muitas maneiras, e o apego não deriva apenas da relevância
conferido a ele pela ciência. A ligação do afeto e das emoções também são
fortes. O que é “gostar de uma matéria”, senão perceber que ela nos toca de
algum modo. Historiadores profissionais de corte mais racionalista tendem a
deixar o afeto e a emoção de fora quando se trata de elaborar e produzir o
conhecimento histórico, espelhando-se talvez neles próprios. A História
Pública, alguns de seus autores, pelo menos, já dão como indispensável a
ligação história e afeto, mesmo emoções. Ludmila Jordanova (2008) examina
como agem aspectos motivacionais individuais e emocionais do conhecimento
histórico presumido de públicos que não são acadêmicos. Para a autora: “Emoções
desempenham uma grade parte em história pessoal, e é útil para historiadores terem
maneiras de pensar coerentemente sobre seus efeitos em todas as narrativas do
passado”. Públicos fazem do passado sua memória histórica, e envolvimentos
pessoais emocionais são indispensáveis. O
fato de a ciência da história aceitar ou recusar não faz essas outras histórias
piores – ou só as faz melhores ou piores a luz de critérios adotados. Há
públicos que nem sabem que há um curso de formação chamado História.
A
área do conhecimento histórico é bastante sensível porque querer negar a
historicidade de que o próprio conhecimento histórico é histórico seria um
contrassenso – outra vez, à luz da ciência da História. Sempre atenta às
formulações históricas elaboradas fora dela, da história ciência, a História
Pública, no entanto, não pode não reconhecer que cada um revê, interpreta,
analisa, avalia e julga o passado no presente e sua importância para o futuro
sempre a luz de critérios de pessoalidade – sejam estes forjados na mais ideal
da individualidades ou na mais real das coletividades. Para o passado, e sua
valorização, entram não só os critérios de avaliação da ciência histórica. Apesar
de critérios legítimos e razoáveis, no entanto entram valores e identidades,
ideologias e ideias, funções e razões de ser do passado que a ciência histórica
não sabe. Quando se tornou ciência e conhecimento ensinável, a história
enfrentou resistências de pessoas que escreviam sobre o passado sem dar a menor
bola para o que o público de especialistas achava da história elaborada. Autores
contavam, como argumento, que o que importava eram seus públicos próprios que
liam seus livros e gostavam deles, valorizando-os muito mais do que o
conhecimento que provinha da academia.
A
visão de História Pública que defendemos realça o valor da história e sua
percepção e uso que o público de historiadores faz a fim de apresentar seus
resultados de trabalho ao público. Também, aquela visão entende que
historiadores têm um tipo de treino e formação que é próprio do público a que
se dirige, mas supõe também que outros públicos procuram o passado e o dizem e
o apresentam de maneira bastante diferente do público acadêmico. O passado que
se revela da pesquisa acadêmica e que se torna o conteúdo do interesse dos
historiadores profissionais não precisa ser o dos estudantes da escola,
independente do que o público de historiadores prescreva para que o passado
seja aceito.
Certa
visão de História Pública supõe que haja conhecimentos históricos – todos
legítimos e, a seu modo, certos – porque é acreditado como sendo “certo” por
quem o elabora - ao contrário do que se pode, apressadamente pensar, que seja
um conhecimento histórico equivocado, já que feito/apresentado por quem não
conhece história – entenda-se, aqui, conhecimento “não reconhecido pela
universidade” – e, por isso, conhecimento errado. Não. A História Pública visa
os “públicos” da História, os que dela se apropriam, o público escolar sendo um
deles.
A
escola apresenta a história para pessoas que são – digamos – bombardeadas dia a
dia por história – rádio, revistas, websites, tevê, cinema, instagram, games,
etc. Gostemos ou não, alunos e todos (as) os (as) demais que vivem (basta
viver!) têm história, e sabem história. A História Pública reconhece isso.
Para
alguns autores da História Pública, este conhecimento de todos (as), não
importa onde adquiriram, deve ser valorizado, e se constitui “conhecimento
histórico”. O professor tem seu conhecimento adquirido pelos procedimentos de
verificação e de validade da ciência, mesclados a suas vivências, num curso de
formação, mas a “escola da vida” ensina história para todos e todas que vivem
no tempo e em sociedade. Como o professor na escola lida com isso de forma
eficaz, valorizando conhecimentos? E aqui reportamo-nos ao título deste texto:
conhecimento histórico dos historiadores e conhecimento histórico dos outros –
que não são historiadores. O professor escolar entra com seu conhecimento
histórico, aprendido em outros lugares, mas sempre disciplinarizado.
A
História Pública, num de seus sentidos, prega que todos devemos ser
historiadores públicos para esclarecermos erros, omissões, falsidades que se contam
para os públicos sobre os passados, corrigindo, inclusive, interpretações. Esta
vertente da História Pública, no entanto, presume que aquele conhecimento a ser
corrigido necessita de um historiador que vai a públicos e os diga que “aquilo
não foi bem assim” e que eles precisam mudar. Historiadores que vão ensinar o
certo. Mas há outras visões de história pública, e uma delas entende que estas
histórias entendidas como omissas, falsas, ou tendenciosas, sendo aceitas, têm
de ser entendidas como elas são, e devemos entender como este mecanismo faz
operar, inclusive, as omissões, mentiras e falsidades como verdades que se
fazem passar como verdades. E que ao historiador público cabe apresentar outras
histórias e novas informações e dados puxados por suas outras interpretações,
mas sem jamais dizer que “a história não foi bem assim”, mas que “há outras
formas possíveis de ver”, e apresentá-las, sem pretender que substituam uma
história errada por outra certa. A sua.
Não
valerá muito – e seria fazer o mesmo jogo que seu adversário faz – censurar ou
proibir que passados sejam apresentados para que o nosso passado investigado,
suposto certo, seja apresentado unicamente. Não, não nos parece construtivo e
valorizador dos conhecimentos históricos que se elaboram fora da história em
vários outros lugares de conhecimento se procedermos assim. Há lugares de
conhecimento de história que não se restringem à escola, e estes lugares
incluem os diferentes lugares públicos a que se tem acesso ao passado. Desses
lugares de conhecimento, queremos pensar a escola: como ela, seus professores,
organizam a apresentação do passado, e os alunos como o recebem. Outras
histórias são legítimas, e qualquer processo educacional não deve desprezar as
maneiras com que públicos conhecem, ou idealizam, seus passados.
Na
escola também não é assim? O que farão – se já não o fazem - os professores
para que, valorizando a história que os alunos trazem, consigam sensibilizá-los
para outras histórias possíveis? A mera pergunta: “Hum, será que o professor
falou não foi do jeito que ele disse?” já não será uma forma de mudar a
educação, a visão para a história, do que esperar que ele (a) já saia de sala
de aula repetindo o que o professor disse que ele deve saber? – supostamente um
saber que é útil ao historiador profissional, mas que será útil e importante
para o aluno escolar?
Uma
visão da História Pública caminha assim: o aluno tem e pensa história, e o
melhor caminho para mudar isso – se necessário – é aceitar que seu conhecimento
histórico é outro, é válido, porque este será o primeiro gesto que o professor
pode fazer para que o aluno, em tese, acredite que o outro diz algo que ele
acredita e respeita mais, já que percebeu que o que disse também foi respeitado
e valorizado. Os públicos de História são muitos, e o melhor caminho para se aceitar
a história não é o de imaginar que uma consciência histórica melhor seja aquela
que todos pensem o passado de um jeito só, o jeito da história ciência. Mas que
outros conhecimentos do passado são possíveis, mesmo aqueles que são somente
para serem nostalgicamente apreciados, que servem para conversas durante o
jantar, para as reuniões de família, para fazer filmes documentários. Fomos
acostumados a uma história bandeira, que carrega uma causa, uma função de
transformação, o que, aliás, alimenta ideais, e que, na verdade, entregou para
a história e o historiador um fardo pesado de carregar: o de mudar o mundo e a
sociedade por meio de um processo de homogeneizar as ideias.
Por
que acabou cabendo este fardo à história? Ou a história como ciência não se constitui
como um conhecimento com uma pretensão que o tempo acabou mostrando que nem
sempre é possível? O que aconteceu com as concepções de passado, história e
memória durante os revolucionamentos de sociedades durante a história? Uma das
explicações é aceitar que a diversidade se fez homogênea e os revolucionários
conseguiram a adesão de muitos quando estes adotaram as ideias dos
revolucionários e marcharam juntos. Outra explicação é que há razões humanas,
pessoais, emocionais, individuais muito variadas, e que, forjaram as ligações
individuais com aquele revolucionamento. Na escola com alunos que têm histórias
diferentes não será possível modificá-los? Onde há humanidade há persuasão,
convencimentos, negociações.
Professores
de escola provavelmente estão se reinventando, tendo de abandonar – mesmo não
percebendo que o estejam - uma função tão gloriosa da história como um trem que
vence a todos em algum momento e um conceito tão esclarecedor de conhecimento
histórico – que seria capaz de revisar todos os equívocos que trazemos do
passado para o presente e para o futuro.
O
que os professores podem fazer com uma história tão variada na hora de ensinar?
Em meio a tantas histórias, muitas vezes controversas, aprendidas em vários
lugares, que convivem na escola? Descartar todas e só aceitar que há apenas uma
que é importante saber?
A
História Pública ajuda a pensar isso.
Referências Bibliográficas
Bruno
Flávio Lontra Fagundes é professor-adjunto da Universidade Estadual do Paraná
(UNESPAR) e desenvolve projeto de pesquisa em História Pública.
FERREIRA,
Rodrigo de Almeida. Qual a relação entre a história pública e o ensino de
História? In: MAUAD, Ana Maria; SANTHIAGO, Ricardo; BORGES, Viviane Trindade
(Orgs.). Que história pública queremos?
São Paulo, SP: Letra e Voz, 2018. p.29-38.
JORDANOVA,
Ludmila. How history matters now? 2008.
Disponível em http://www.historyandpolicy.org/policy-papers/papers/how-history-matters-now.
Bom dia Bruno, parabéns pelo texto e pelas reflexões propostas. Sempre me impressiono com as especulações que a História Pública apresenta e me encanto com esse norte que o Ensino de História aponta.
ResponderExcluirMe parece que a História Pública vem em decorrência aos tempos sombrios da ciência histórica, onde passamos por séculos sem promover uma interface adequada entre a história produzida na academia e os demais públicos. Por isso entendo como emergencial a valorização de pesquisas em Ensino de História e História Pública.
Porém, também me fica o questionamento, a partir de que momento a multiperspectividade histórica deixou de fazer sentido para os sujeitos? E por que uma história "revisionista" ou "a-científica" se populariza cada vez mais em decorrência da História Ciência?
Prezado Pedro. Obrigado pela pergunta. Concordo com vc que seja emergencial mais pesquisa que engate Ensino de História e HP. Sobre a multiperspectividade, não sei se estou entendendo exatamente o que vc quer dizer. A multiperspectividade as várias perspectivas de história, só repontaram – era assim antes da história tornar-se ciência - voltaram outra vez para as mãos dos sujeitos, uma vez que o incomum é a história ter uma perspectiva só. Um sistema de ciência pôs como condição para que a história passasse a ser algo como "monopólio" de uma classe de pessoas, um conjunto de perguntas que enquadram o passado, pessoas especiosamente formadas para dizer a todos e todas o que elas são, seus próprios passados. Os problemas do "revisionismo", "negacionismo", "a-cientificismo" é seu uso político, uma vez que o domínio sobre o presente a partir do passado enseja mesmo tentar reinterpretar o passado. O negacionismo e o revisionismo, no entanto, a meu ver, não é a única "distorção" da história, ou do passado. Se a negação da ciência pode favorecer o revisionismo e o negacionismo, não quer dizer que um vetor que veja o passado por vários olhos seja necessariamente revisionismo ou negacionismo. O passado "multiperspectivado" é exatamente o que faz bem a história, pois: primeiro, retira do historiador o monopólio de um conhecimento, e, depois, porque outros olhares veem coisas que a especialidade não vê. O conhecimento científico do historiador é uniperspectivado e isso limita e reduz o vínculo dos sujeitos com seus passados, que a história ciência adotou como sendo: 1. um vínculo que só ela história vê, porque só ela sabe fazer as perguntas que devem ser feitas ao passado. 2 um vínculo que a ciência histórica tratou como necessariamente realizado em situações coletivas - o que levava a ver a história dos sujeitos como em sua dimensão coletiva, desprezando os vínculos pessoais que os sujeitos têm com o passado - que, mesmo sendo vínculos em coletivos – são pessoal e individualmente significados. Se não se reconhecem os vínculos que os sujeitos identificam com o passado, eles não são reconhecidos por eles e começam a desgostar aqueles que tentam contar a eles o que é sua história. Então, a popularização de histórias revisionistas, a-históricas penso não sejam resultados de história-ciência, mas de má-fé de pessoas valorizando coisas como ditaduras e câmaras de gás, como se elas fossem defensáveis. Mas vínculos com o passado que os próprios sujeitos identificam, e analisando como eles viveram e viram estes passados, têm, a meu ver, tudo para ser muito saudável para a disciplina história, por que como é possível pensar que os sujeitos vão se apegar a algo abstratamente, que não lhes toca, emociona, apaixona etc etc.? Acho que um movimento de popularização de outras perspectivas históricas – se considerados os vínculos pessoais e individuais que cada um confere ao passado – pode ser muito importante, porque tanto valoriza o que os sujeitos conhecem de si mesmos, como valoriza o conhecimento que os sujeitos elaboraram sobre o passado que viveram, e isso pode ser muito importante para o historiador, como é importante, uma vez que legitima o historiador como alguém que pratica uma produção de conhecimento que considera o que os sujeitos deste conhecimento que são seu objeto de saber sabem. Acho que perspectivas múltiplas valorizam a história e a humanizam, sem restringir o humano ao conhecimento de um restrito grupo de pessoas especiais. Bruno F L Fagundes
ExcluirParabéns pelo texto professor! Gostaria de saber se a reinvenção do professor de história, indo além dos elementos técnicos da aula, precisa estabelecer uma interface fora da academia para reforçar a frase "ninguém tem o monopólio do conhecimento do passado"? No caso de uma resposta positiva, as mídias sociais seriam a melhor opção?
ResponderExcluirWelerson Fernando Giovanoni
Parabéns pelo interessante texto, Bruno. O tema da História pública é mesmo muito instigante? Como acreditas que a popularização da história em revistas, telenovelas e séries pode auxiliar no ensino da disciplina escolar? Terias algum exemplo de produto cultural que favorece uma visão historiográfica sem estereótipos ou reducionismos?
ResponderExcluirAtenciosamente,
Carlos Eduardo Ströher
Prezado Carlos Eduardo, obrigado pela pergunta. Sim, para mim o tema da HP é muito instigante, porque obriga a deixar de lado a pretensão de um saber único. A história nasceu, e viveu uma espécie de mito sobre si mesma: durante muito tempo, era como guardiã de um conhecimento certo e seguro, sem discussão sobre a vida em comum, durante muito tempo, guardiã da transformação da vida e da sociedade, e isso fez bastante mal a meu ver. A História Pública, a meu ver, revê esta situação. Para que a popularização da história seja auxiliar do ensino, é preciso – mesmo antes da qualidade do material que a sistematiza – da habilidade do professor em reconhecer que todo saber do humano sobre o humano deve ser humanamente considerado. E discutido, ou debatido, ou dialogado. Revistas, telenovelas e séries e outros podem a meu ver auxiliar no ensino de História enquanto trazem outras perspectivas que apresentam um conhecimento do passado como conhecimento construído e não conhecimento dado, pronto e acabado, Neste sentido, o professor faz muito melhor se mostrar que este conhecimento é produzido e não acabado, e que, por isso, ele pode ser mudado, inclusive, pelos alunos. O problema é que a História vive a certeza de sua abordagem como a certa e a melhor delas, enquanto os sujeitos fazem as suas abordagens e têm seu conhecimento de sua própria vida, muitas vezes desprezados. Isso é preciso ser valorizado. “Uma visão historiográfica sem estereótipos ou reducionismos” será que ela existe? Penso que seja mais a forma do que o conteúdo que deva ser revisto. Quando historiadores acadêmicos fazem suas escolhas eles estão incorrendo em seleções, que todos os sujeitos fazem? O produto cultural sem estereótipos ou reducionismos é considerar que ele não tenha humanidade. E essa humanidade está em todos os conhecimentos humanos. Além do mais, a popularização da história não é sinônimo de HP, nem a definição de HP que considera esta distribuição massiva de passado pelas mídias é a única. O mais importante a meu ver da HP é considerar que a ciência da história não é indiscutível, e que outras histórias também são possíveis. Os produtos que historiadores fazem para o ensino não são também culturais? Acho que se vc consultar a página do PROFHISTORIA nacional vc encontrará lá “banco de dissertações” e lá vc vai encontrar vários trabalhos de ensino de História que foram construídos tentando fugir de estereótipos ou reducionismos. E muitos devem ter conseguido isso. Do que não fugiram, com certeza, é de suas escolhas e “parcialidades”. Espero ter respondido Carlos. Obrigado. Bruno F L Fagundes
ExcluirBoa noite, belo trabalho. A minha questão é quais cuidados o professor tem que tomar no sentido de ao valorizar outras formas de conhecimento do passado ele não esteja dando força a essa onda negacionista e revisionista que assistimos hoje? Grato Marlon Barcelos Ferreira
ResponderExcluirPrezado Marlon, obrigado pela pergunta. Os cuidados como pacote de uma fórmula, sinto dizer que não sei te dizer. Mas acho que o primeiro cuidado seria não acreditar que a história seja uma ciência inquestionável. Não trabalhos de história só, mas na constituição da história disciplina, que, a certo momento, deslocou-se do mundo público e se fechou em ciência desdenhando o que outros dizem sobre si mesmos e seus passados. Outra coisa é deixar de pensar que se valorizamos outras formas de conhecimento do passado estejamos fazendo revisionismo e negacionismo necessariamente. Estes são fenômenos de má-fé que não podem prescindir de reinterpretar o passado, mas muitas reinterpretações do passado não levam automaticamente para o negacionismo e revisionismo. Não acredito que o negacionismo e o revisionismo sejam resultados diretos de valorizar outras perspectivas, mas muito mais de valorizar uma perspectiva só. Os ataques negacionistas e revisionistas vêm sempre acompanhados de uma crítica ou desvalorização do que fazem os historiadores, claro, que são os que, em ciência, interpretam e escrevem o passado. Mas, no mínimo, é preciso, a meu ver, aceitar que sujeitos também revisem o passado, não só no sentido que revisem “a nosso favor”, mas também contra. O problema é como lidar com pessoas de má-fé, que fazem escolhas horrorosas. Penso muito que os historiadores, por mais cientistas e historicamente treinados para investigarem bem e com método o passado, também fazem suas escolhas, seleções e interpretações do passado. O que penso é que deixamos de lado verificar que todo conhecimento histórico é marcado de uma escolha pelo valor por algo, pelo valor do que seja uma ditadura ou um câmaras de gás, contra o valor da democracia, por exemplo. Por mais indefensável e horroroso que seja aceitar que alguém pense que ditadura e câmara de gás seja algo a se valorizar, penso que, se penso diferente dele, devo tentar fazer com que ele aceite que ali está uma escolha e um conhecimento que é produzido e nunca dado e acabado. Assim, acho que podemos atuar sem querer impor, sem querer fazer com o outro aquilo que a gente vê que só o outro faz com a gente e nunca o contrário. Como fazer com isso? A história cientificamente orientada não nos ensinou isso, mas ensinou-nos um valor de autoridade muito difícil de aceitar que seja questionável. Espero ter respondido. Obrigado. Bruno F L Fagundes
ResponderExcluirBoa noite professor. A partir da leitura do texto, e refletindo sobre os discursos revisionistas e negacionistas, fica claro que se estabelece um grande desafio na prática do ensino de história. A grande questão é como superar tais desafios impostos na atual conjuntura e dentro dos novos paradigmas ideológicos?
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