FANZINES E ENSINO
DE HISTÓRIA
Introdução
O trabalho com
fanzines no ensino de História faz parte do debate, que ganhou substancial
interesse dos pesquisadores, sobre o uso de diferentes linguagens e fontes no
âmbito escolar. De acordo com Selva Guimarães Fonseca (2003), esse debate pode
ser entendido como reflexo de diferentes fatores. Entre eles, podemos citar o
próprio movimento de renovação historiográfica que possibilitou a ampliação
documental e a configuração de novos campos de pesquisa. Em virtude disso, tornou-se
cada vez mais frequente o uso de imagens, obras de ficção, poemas, filmes e
artigos de jornais e revistas na pesquisa e no ensino de História. Essa
constatação é corroborada também por Circe Bittencourt, que alerta para as
especificidades metodológicas de cada tipo de material empregado em sala de
aula. Isso porque, seu uso “exige atenção ao momento propício do introduzi-lo
como material didático e à escolha dos tipos adequados ao nível e às condições
de escolarização dos alunos” (2008, p. 329). Cuidados necessários a uma boa
prática docente que não visa tornar os estudantes em “pequenos historiadores”.
Dentro da seara de
novas linguagens e fontes que foram inseridas no ensino de História, é
perceptível que algumas têm obtido mais espaço no cotidiano escolar do que
outras. Segundo Ioneide Santos do Nascimento, o fanzine é uma dessas linguagens
que tem margeado a escola “e, mesmo sendo de baixo custo, não o incluímos na
sala de aula como um recurso pedagógico que possibilita o exercício da
cidadania, da criatividade e da criticidade, além de ampliar o olhar ante as
imagens que nos são postas” (2010, p.123). O potencial do fanzine enquanto
material didático é diverso, uma vez que ele possibilita a construção e
reconstrução dos saberes através da livre expressão de ideais. Contudo, o que se percebe é que o fanzine
ainda causa estranheza e o seu desconhecimento continua sendo uma realidade
entre professores e alunos.
Com base no que foi
exposto, o presente texto tem como objeto de reflexão as possibilidades do uso
de fanzines no ensino de História. O seu principal objetivo é relatar a
experiência de uma oficina realizada com os discentes do curso de Licenciatura
Plena em História da Universidade Estadual do Piauí-UESPI. A oficina foi
desenvolvida em dezembro de 2018, no âmbito da Prática Pedagógica
Interdisciplinar VI. No curso explicitado, as práticas pedagógicas são momentos
que contribuem para a complementação de competências e habilidades do
professor/pesquisador em formação. A proposta sugere a discussão em sala de
aula de textos que problematizem o uso das novas linguagens no ensino de
História e a produção de oficinas para a socialização de novas formas de ensinar
e aprender os conteúdos da disciplina.
O que é fanzine?
Uma das
conceituações mais trabalhadas nos textos acadêmicos foi elaborada por Henrique
Magalhães (1993). De acordo com essa perspectiva, o termo fanzine pode ser
entendido como um neologismo formado pela contração dos vocábulos em inglês fanact e Magazine, que viria a significar algo como “magazine/revista de
fã”. Ainda conforme Magalhães:
“O fanzine é uma
publicação alternativa e amadora, geralmente de pequena tiragem e impressa
artesanalmente. É editado e produzido por indivíduos, grupos ou fãs-clubes de
determinada arte, personagem, personalidade, hobby ou gênero de expressão artística, para um público dirigido e
abordando, quase sempre, um único tema”. (Magalhães, 1993, p. 7).
Surgido nos Estados
Unidos por volta das décadas de 1930 e 1940, o fanzine se popularizou como um
impresso marginal fazendo contraponto ao que tradicionalmente se denominou
impressa “oficial”. Sua construção é feita através de recortes e colagens,
produções de textos opinativos, desenhos, poemas e etc. De modo geral, os fanzines
são aperiódicos e de pouca tiragem. A maioria é reproduzida em máquinas de
xérox ou mimeógrafos, mas existem também as versões online, chamadas de
e-zines. Sua distribuição é realizada gratuitamente ou em troca de outros
fanzines. Às vezes, é cobrado um pequeno valor apenas para custear a produção. Apesar
de se apresentar como uma produção “subversiva”, ele apresenta algumas
características que se assemelham às mídias tradicionais:
“Compreendo o
fanzine como um impresso que se assemelha a um jornal ou revista, pois agrega
alguns de seus elementos, sendo composto por vários tipos de textos escritos
para esse fim ou “tomados” de outros impressos. Isso faz com que, muitas vezes,
o fanzine se apresente de forma fragmentada, com uma diagramação em forma de
“colcha de retalhos”, em que podem ser vinculados desde que textos críticos e
opinativos sobre a produção cultural, como a republicação de trabalhos oriundos
de outras publicações e/ou textos inéditos”. (Nascimento, 2010, p. 123).
O fanzine ganhou
espaço dentro das cenas alternativas e virou ferramenta de compartilhamento de
ideias diversas. Hoje é possível encontrar fanzines com todo tipo de temática e
em vários formatos, visto que não há um modelo padrão ou “correto” de
composição. Sua produção, circulação e consumo vêm crescendo ao logo das
últimas décadas, mas a sua inserção no ambiente escolar continua alheia a esse
processo, mesmo com todo seu potencial enquanto ferramenta didática. Conforme
Ioneide Santos do Nascimento (2010), o exercício de ensinar e aprender na
contemporaneidade exige que se busquem novas práticas educativas. O fanzine se
apresenta como um recurso pedagógico que possibilita a integração entre os
sujeitos e o conhecimento. Assim, o fanzine no âmbito educacional propicia:
“O desenvolvimento
da capacidade dos educandos de pesquisar informações relevantes, levantar um
olhar crítico sobre o cotidiano ou dos conteúdos programáticos das diversas
disciplinas, além de produzir um material de comunicação que expresse suas
ideias, incorporando a união de desenhos, e outras imagens tomadas de outros
meios, enfatizando a relação entre estes e destacando as soluções mais
criativas”. (Nascimento, 2010, p. 125).
Deste modo, podemos
entender que ao recortar, colar, construir, desconstruir e reconstruir textos e
imagens, os estudantes se percebem enquanto sujeitos ativos no processo de
ensino-aprendizagem. Isso porque, na produção de fanzines, eles não estão
apenas consumindo informações e se relacionando com os conteúdos de forma passiva.
De maneira oposta, a produção de fanzines possibilita aos educando a
compreensão do seu papel de sujeito que também constrói significados e saberes.
Ao utilizarmos os fanzines no ensino de História, podemos trabalhar diferentes
conceitos e conteúdos. Mas principalmente, podemos fazer ver que o conhecimento
histórico não é um dado pronto e acabado.
Mas que ele é resultado de um processo marcado por diálogos e conflitos
entre várias visões de mundo em constante transformação.
O uso de fanzines no ensino de História: relato de
experiência
As possibilidades
de uso dos fanzines no ensino de História são múltiplas. Não há um padrão ou
modelo que possa ser aplicado em todos os ambientes escolares. Por ser uma
ferramenta educativa barata e de fácil produção, o fanzine pode ser adaptado a
diferentes situações. O presente texto busca apenas dá uma sugestão, por meio
de um relato de experiência, de como o fanzine pode ser trabalhado.
A utilização dos
fanzines se seu através de uma oficina realizada com os discentes do curso de
Licenciatura Plena em História da Universidade Estadual do Piauí-UESPI, como
componente da Prática Pedagógica Interdisciplinar VI, em dezembro de 2018. O
objetivo era compartilhar com os futuros professores um novo recurso pedagógico
e sua inserção na discussão sobre as novas linguagens e fontes no ensino de
História. Assim, a oficina foi pensada de forma que envolvesse momentos de
reflexão teórica e prática.
No primeiro momento,
foi apresentada a proposta de trabalho. A ideia era realizar uma discussão em
torno do conceito de fanzine e suas principais características. A maioria dos
estudantes não sabia o que era fanzine e nunca ouvira tal termo. Em virtude
disso, a turma se mostrou curiosa e atenta à explicação. A discussão sobre o
que é fanzine foi feita a partir da leitura do texto “Da marginalidade à sala
de aula: o fanzine como artefato cultural, educativo e pedagógico” de Ioneide
Santos do Nascimento (2010). Após a leitura, a turma foi convidada a expressar
suas considerações sobre as ideias contidas no texto e sobre como o fanzine
poderia ser aplicado na sala de aula. Finalizado o debate, os alunos foram
apresentados a alguns fanzines levados pela professora. E também expressaram
suas opiniões quanto aos impressos exibidos. Por fim, foi proposto que no
próximo momento os discentes trouxessem materiais para a confecção de fanzines:
papéis, cola branca, tesoura, canetas e pinceis coloridos, grampeador, jornais
e revistas.
No segundo momento,
os estudantes trouxeram o material indicado e a turma se dividiu em quatro grupos,
com aproximadamente cinco componentes cada. O objetivo era a produção coletiva
de fanzines. Não foi estabelecido um tema específico para a produção. Como era
a primeira experiência deles com esse material, foi estipulada temática livre,
para que eles pudessem expressar sua criatividade de forma que fosse
conveniente. Inicialmente, a discussão entre os grupos envolveu questões sobre o
que seria exposto nos fanzines e seus respectivos títulos. Várias sugestões
foram dadas. Foi observado que as decisões se estabeleceram democraticamente e
as opiniões dos integrantes dos grupos ouvidas. Ao final, os fanzines tiveram
as seguintes temáticas: tecnologias no mundo, trabalho escravo no Brasil
contemporâneo, preconceito racial e inclusão social e alimentação orgânica. A
partir dessas temáticas, foram efetuados recortes e colagens, produções de
textos e desenhos com a contribuição de todos. Houve também a troca de
materiais entre os grupos e ajuda mútua na realização da atividade
A última etapa da
oficina foi a socialização dos fanzines confeccionados pela turma. No final do
encontro, cada grupo apresentou o material produzido para os colegas de classe,
explicando a escolha do tema, do título, da composição gráfica das imagens e
textos. Os estudantes ainda deram detalhes sobre o processo de composição do
material e contribuição de cada integrante.
É importante
ressaltar uma observação interessante sobre a forma que a oficina se
desenvolveu. Foi notório que as temáticas dos fanzines foram escolhidas de
acordo com os materiais e recursos disponíveis. Por exemplo, o fanzine produzido
sobre as tecnologias do mundo foi possível porque as revistas trazidas pelo
grupo responsável eram de cunho científico e suas páginas estavam repletas de
imagens de robôs, smartphones, laptops e etc. Por sua vez, o grupo
responsável pela temática sobre o trabalho escravo no Brasil estava de posse de
revistas jurídicas, que traziam matérias sobre as relações de trabalho.
Contudo, as vivências
dos alunos também contribuem para a escolha das temáticas. Por exemplo, o grupo responsável pelo fanzine
sobre alimentação orgânica era composto por meninas que praticam atividades
físicas, como o ciclismo, e buscam em suas vidas estabelecer um padrão de qualidade
na alimentação. Por outro lado, o fanzine focado em preconceito racial e
inclusão social foi produzido por um grupo composto por alunos afrodescendentes.
Assim, podemos estabelecer uma reação entre o conteúdo produzido e os recursos
disponíveis, como também entre o conteúdo e as experiências sociais de cada
grupo.
Considerações finais
A proposta
explicitada visou dar um contributo para a reflexão de como os fanzines podem
ser inseridos na prática pedagógica. A oficina realizada possibilitou aos
estudantes um encontro com uma nova linguagem de ensino e aprendizagem. Na
atividade proposta, foi estabelecida temática livre, uma vez que visava a expressão
da criatividade dos estudantes envolvidos na atividade. Contudo, o professor na
utilização dos fanzines no ensino de História pode especificar que os conteúdos
vistos em sala de aula, como a “Revolução Francesa” ou a ”Era Vargas” sejam problematizados
através da produção de fanzines.
Referências
Gabriela Alves
Monteiro é Mestra em História do Brasil (UFPI) e professora do curso de
Licenciatura Plena em História (UESPI).
BITTENCOURT,
C. Ensino de História: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2004.
FONSECA,
S. G. Didática e prática de ensino de História. Campinas, SP: Papirus, 2003.
MAGALHÃES,
H. O que é fanzine. São Paulo:
Editora Brasiliense, 1993.
NASCIMENTO,
I. S. Da marginalidade à sala de aula: o fanzine como artefato cultural,
educativo e pedagógico. In: MUNIZ, C. R. Fanzines: autoria, subjetividade e invenção de si. Fortaleza: Edições UFC,
2010.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirBoa tarde!! Pensando na questão prática de uma atividade com fanzine em turmas do Fundamental II e Ensino Médio, você acredita que é melhor relacionar o tema com algo que vai ser trabalhado em sala de aula ou deixar que os alunos escolham um tema de interesse?
ResponderExcluirMarcelo Gonçalves Martins
Olá, Marcelo! Boa tarde! A atividade com os fanzines pode ser realizada nas duas formas. A turma do Ensino Médio, por exemplo, produziu fanzines sobre a Ditadura, pois era o conteúdo que estava sendo ministrado em sala de aula. Por sua vez, a turma de Prática produziu fanzines com temáticas variadas, pois se tratava de uma oficina. Deste modo, eu penso que a escolha depende do objetivo da aula/encontro.
ExcluirGabriela Alves Monteiro
Concordo com você, quando fala que o fanzine ainda causa estranheza e seu desconhecimento continua sendo uma realidade entre professores e alunos,pois conheci o fanzine só no terceiro ano do ensino médio.
ResponderExcluirVocê concordar que os fanzine sejam implementados na alfabetização, pois as crianças vão aprendendo a serem sujeitos ativos desde de pequenas e vão aprimorando esse processo com o passar dos anos ?
Loíze de Souza Gama
Olá, Loíze. Tudo bem? Eu penso que o trabalho com os fanzines pode começar desde as séries iniciais. Contudo, é necessário que as atividades propostas estejam de acordo com os diferentes níveis de escolarização. Neste caso, um trabalho simples com recortes e colagens, com o auxílio e supervisão do professor, é perfeitamente possível.
ExcluirGabriela Alves Monteiro
Olá Gabriela. Em primeiro lugar, parabéns pelo trabalho. No momento estou orientando uma pesquisa de Mestrado em Ensino de História que tem como instrumento didático justamente o fanzine. Como seu texto retrata a experiência com uma turma de licenciatura, gostaria de saber se este foi o primeiro experimento neste sentido ou se já havia realizado uma atividade assim com turmas anteriores. Em caso de já ter trabalhado com outras turmas, tem retorno destes profissionais em atividade se têm feito uso desta ferramenta em suas aulas?
ResponderExcluirFábio Alves dos Santos
Olá, Fábio! Tudo bem? Fico feliz em saber da sua orientação, pois demostra que o fanzine vem ocupando os espaços acadêmicos com mais frequência. As minhas experiências anteriores com o fanzine foram no âmbito escolar. Esse foi o primeiro experimento na Universidade. Mas eu já tive algum "retorno", pois os discentes gostaram da atividade e alguns relataram que planejam trabalhar com os fanzines já no estágio docente.
ExcluirAbraços!
Gabriela Alves Monteiro