Gabriela Alves Monteiro


FANZINES E ENSINO DE HISTÓRIA



Introdução
O trabalho com fanzines no ensino de História faz parte do debate, que ganhou substancial interesse dos pesquisadores, sobre o uso de diferentes linguagens e fontes no âmbito escolar. De acordo com Selva Guimarães Fonseca (2003), esse debate pode ser entendido como reflexo de diferentes fatores. Entre eles, podemos citar o próprio movimento de renovação historiográfica que possibilitou a ampliação documental e a configuração de novos campos de pesquisa. Em virtude disso, tornou-se cada vez mais frequente o uso de imagens, obras de ficção, poemas, filmes e artigos de jornais e revistas na pesquisa e no ensino de História. Essa constatação é corroborada também por Circe Bittencourt, que alerta para as especificidades metodológicas de cada tipo de material empregado em sala de aula. Isso porque, seu uso “exige atenção ao momento propício do introduzi-lo como material didático e à escolha dos tipos adequados ao nível e às condições de escolarização dos alunos” (2008, p. 329). Cuidados necessários a uma boa prática docente que não visa tornar os estudantes em “pequenos historiadores”.

Dentro da seara de novas linguagens e fontes que foram inseridas no ensino de História, é perceptível que algumas têm obtido mais espaço no cotidiano escolar do que outras. Segundo Ioneide Santos do Nascimento, o fanzine é uma dessas linguagens que tem margeado a escola “e, mesmo sendo de baixo custo, não o incluímos na sala de aula como um recurso pedagógico que possibilita o exercício da cidadania, da criatividade e da criticidade, além de ampliar o olhar ante as imagens que nos são postas” (2010, p.123). O potencial do fanzine enquanto material didático é diverso, uma vez que ele possibilita a construção e reconstrução dos saberes através da livre expressão de ideais.  Contudo, o que se percebe é que o fanzine ainda causa estranheza e o seu desconhecimento continua sendo uma realidade entre professores e alunos.

Com base no que foi exposto, o presente texto tem como objeto de reflexão as possibilidades do uso de fanzines no ensino de História. O seu principal objetivo é relatar a experiência de uma oficina realizada com os discentes do curso de Licenciatura Plena em História da Universidade Estadual do Piauí-UESPI. A oficina foi desenvolvida em dezembro de 2018, no âmbito da Prática Pedagógica Interdisciplinar VI. No curso explicitado, as práticas pedagógicas são momentos que contribuem para a complementação de competências e habilidades do professor/pesquisador em formação. A proposta sugere a discussão em sala de aula de textos que problematizem o uso das novas linguagens no ensino de História e a produção de oficinas para a socialização de novas formas de ensinar e aprender os conteúdos da disciplina.

O que é fanzine?
Uma das conceituações mais trabalhadas nos textos acadêmicos foi elaborada por Henrique Magalhães (1993). De acordo com essa perspectiva, o termo fanzine pode ser entendido como um neologismo formado pela contração dos vocábulos em inglês fanact e Magazine, que viria a significar algo como “magazine/revista de fã”. Ainda conforme Magalhães:

“O fanzine é uma publicação alternativa e amadora, geralmente de pequena tiragem e impressa artesanalmente. É editado e produzido por indivíduos, grupos ou fãs-clubes de determinada arte, personagem, personalidade, hobby ou gênero de expressão artística, para um público dirigido e abordando, quase sempre, um único tema”. (Magalhães, 1993, p. 7).

Surgido nos Estados Unidos por volta das décadas de 1930 e 1940, o fanzine se popularizou como um impresso marginal fazendo contraponto ao que tradicionalmente se denominou impressa “oficial”. Sua construção é feita através de recortes e colagens, produções de textos opinativos, desenhos, poemas e etc. De modo geral, os fanzines são aperiódicos e de pouca tiragem. A maioria é reproduzida em máquinas de xérox ou mimeógrafos, mas existem também as versões online, chamadas de e-zines. Sua distribuição é realizada gratuitamente ou em troca de outros fanzines. Às vezes, é cobrado um pequeno valor apenas para custear a produção. Apesar de se apresentar como uma produção “subversiva”, ele apresenta algumas características que se assemelham às mídias tradicionais:

“Compreendo o fanzine como um impresso que se assemelha a um jornal ou revista, pois agrega alguns de seus elementos, sendo composto por vários tipos de textos escritos para esse fim ou “tomados” de outros impressos. Isso faz com que, muitas vezes, o fanzine se apresente de forma fragmentada, com uma diagramação em forma de “colcha de retalhos”, em que podem ser vinculados desde que textos críticos e opinativos sobre a produção cultural, como a republicação de trabalhos oriundos de outras publicações e/ou textos inéditos”. (Nascimento, 2010, p. 123).

O fanzine ganhou espaço dentro das cenas alternativas e virou ferramenta de compartilhamento de ideias diversas. Hoje é possível encontrar fanzines com todo tipo de temática e em vários formatos, visto que não há um modelo padrão ou “correto” de composição. Sua produção, circulação e consumo vêm crescendo ao logo das últimas décadas, mas a sua inserção no ambiente escolar continua alheia a esse processo, mesmo com todo seu potencial enquanto ferramenta didática. Conforme Ioneide Santos do Nascimento (2010), o exercício de ensinar e aprender na contemporaneidade exige que se busquem novas práticas educativas. O fanzine se apresenta como um recurso pedagógico que possibilita a integração entre os sujeitos e o conhecimento. Assim, o fanzine no âmbito educacional propicia:

“O desenvolvimento da capacidade dos educandos de pesquisar informações relevantes, levantar um olhar crítico sobre o cotidiano ou dos conteúdos programáticos das diversas disciplinas, além de produzir um material de comunicação que expresse suas ideias, incorporando a união de desenhos, e outras imagens tomadas de outros meios, enfatizando a relação entre estes e destacando as soluções mais criativas”. (Nascimento, 2010, p. 125).

Deste modo, podemos entender que ao recortar, colar, construir, desconstruir e reconstruir textos e imagens, os estudantes se percebem enquanto sujeitos ativos no processo de ensino-aprendizagem. Isso porque, na produção de fanzines, eles não estão apenas consumindo informações e se relacionando com os conteúdos de forma passiva. De maneira oposta, a produção de fanzines possibilita aos educando a compreensão do seu papel de sujeito que também constrói significados e saberes. Ao utilizarmos os fanzines no ensino de História, podemos trabalhar diferentes conceitos e conteúdos. Mas principalmente, podemos fazer ver que o conhecimento histórico não é um dado pronto e acabado.  Mas que ele é resultado de um processo marcado por diálogos e conflitos entre várias visões de mundo em constante transformação.

O uso de fanzines no ensino de História: relato de experiência
As possibilidades de uso dos fanzines no ensino de História são múltiplas. Não há um padrão ou modelo que possa ser aplicado em todos os ambientes escolares. Por ser uma ferramenta educativa barata e de fácil produção, o fanzine pode ser adaptado a diferentes situações. O presente texto busca apenas dá uma sugestão, por meio de um relato de experiência, de como o fanzine pode ser trabalhado.

A utilização dos fanzines se seu através de uma oficina realizada com os discentes do curso de Licenciatura Plena em História da Universidade Estadual do Piauí-UESPI, como componente da Prática Pedagógica Interdisciplinar VI, em dezembro de 2018. O objetivo era compartilhar com os futuros professores um novo recurso pedagógico e sua inserção na discussão sobre as novas linguagens e fontes no ensino de História. Assim, a oficina foi pensada de forma que envolvesse momentos de reflexão teórica e prática.

No primeiro momento, foi apresentada a proposta de trabalho. A ideia era realizar uma discussão em torno do conceito de fanzine e suas principais características. A maioria dos estudantes não sabia o que era fanzine e nunca ouvira tal termo. Em virtude disso, a turma se mostrou curiosa e atenta à explicação. A discussão sobre o que é fanzine foi feita a partir da leitura do texto “Da marginalidade à sala de aula: o fanzine como artefato cultural, educativo e pedagógico” de Ioneide Santos do Nascimento (2010). Após a leitura, a turma foi convidada a expressar suas considerações sobre as ideias contidas no texto e sobre como o fanzine poderia ser aplicado na sala de aula. Finalizado o debate, os alunos foram apresentados a alguns fanzines levados pela professora. E também expressaram suas opiniões quanto aos impressos exibidos. Por fim, foi proposto que no próximo momento os discentes trouxessem materiais para a confecção de fanzines: papéis, cola branca, tesoura, canetas e pinceis coloridos, grampeador, jornais e revistas.
 
No segundo momento, os estudantes trouxeram o material indicado e a turma se dividiu em quatro grupos, com aproximadamente cinco componentes cada. O objetivo era a produção coletiva de fanzines. Não foi estabelecido um tema específico para a produção. Como era a primeira experiência deles com esse material, foi estipulada temática livre, para que eles pudessem expressar sua criatividade de forma que fosse conveniente. Inicialmente, a discussão entre os grupos envolveu questões sobre o que seria exposto nos fanzines e seus respectivos títulos. Várias sugestões foram dadas. Foi observado que as decisões se estabeleceram democraticamente e as opiniões dos integrantes dos grupos ouvidas. Ao final, os fanzines tiveram as seguintes temáticas: tecnologias no mundo, trabalho escravo no Brasil contemporâneo, preconceito racial e inclusão social e alimentação orgânica. A partir dessas temáticas, foram efetuados recortes e colagens, produções de textos e desenhos com a contribuição de todos. Houve também a troca de materiais entre os grupos e ajuda mútua na realização da atividade

A última etapa da oficina foi a socialização dos fanzines confeccionados pela turma. No final do encontro, cada grupo apresentou o material produzido para os colegas de classe, explicando a escolha do tema, do título, da composição gráfica das imagens e textos. Os estudantes ainda deram detalhes sobre o processo de composição do material e contribuição de cada integrante.

É importante ressaltar uma observação interessante sobre a forma que a oficina se desenvolveu. Foi notório que as temáticas dos fanzines foram escolhidas de acordo com os materiais e recursos disponíveis. Por exemplo, o fanzine produzido sobre as tecnologias do mundo foi possível porque as revistas trazidas pelo grupo responsável eram de cunho científico e suas páginas estavam repletas de imagens de robôs, smartphones, laptops e etc. Por sua vez, o grupo responsável pela temática sobre o trabalho escravo no Brasil estava de posse de revistas jurídicas, que traziam matérias sobre as relações de trabalho.

Contudo, as vivências dos alunos também contribuem para a escolha das temáticas.  Por exemplo, o grupo responsável pelo fanzine sobre alimentação orgânica era composto por meninas que praticam atividades físicas, como o ciclismo, e buscam em suas vidas estabelecer um padrão de qualidade na alimentação. Por outro lado, o fanzine focado em preconceito racial e inclusão social foi produzido por um grupo composto por alunos afrodescendentes. Assim, podemos estabelecer uma reação entre o conteúdo produzido e os recursos disponíveis, como também entre o conteúdo e as experiências sociais de cada grupo.

Considerações finais
A proposta explicitada visou dar um contributo para a reflexão de como os fanzines podem ser inseridos na prática pedagógica. A oficina realizada possibilitou aos estudantes um encontro com uma nova linguagem de ensino e aprendizagem. Na atividade proposta, foi estabelecida temática livre, uma vez que visava a expressão da criatividade dos estudantes envolvidos na atividade. Contudo, o professor na utilização dos fanzines no ensino de História pode especificar que os conteúdos vistos em sala de aula, como a “Revolução Francesa” ou a ”Era Vargas” sejam problematizados através da produção de fanzines.

Referências
Gabriela Alves Monteiro é Mestra em História do Brasil (UFPI) e professora do curso de Licenciatura Plena em História (UESPI).

BITTENCOURT, C. Ensino de História: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2004.
FONSECA, S. G. Didática e prática de ensino de História. Campinas, SP: Papirus, 2003.
MAGALHÃES, H. O que é fanzine. São Paulo: Editora Brasiliense, 1993.
NASCIMENTO, I. S. Da marginalidade à sala de aula: o fanzine como artefato cultural, educativo e pedagógico. In: MUNIZ, C. R. Fanzines: autoria, subjetividade e invenção de si. Fortaleza: Edições UFC, 2010.



7 comentários:

  1. Boa tarde!! Pensando na questão prática de uma atividade com fanzine em turmas do Fundamental II e Ensino Médio, você acredita que é melhor relacionar o tema com algo que vai ser trabalhado em sala de aula ou deixar que os alunos escolham um tema de interesse?

    Marcelo Gonçalves Martins

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Olá, Marcelo! Boa tarde! A atividade com os fanzines pode ser realizada nas duas formas. A turma do Ensino Médio, por exemplo, produziu fanzines sobre a Ditadura, pois era o conteúdo que estava sendo ministrado em sala de aula. Por sua vez, a turma de Prática produziu fanzines com temáticas variadas, pois se tratava de uma oficina. Deste modo, eu penso que a escolha depende do objetivo da aula/encontro.

      Gabriela Alves Monteiro

      Excluir
  2. Concordo com você, quando fala que o fanzine ainda causa estranheza e seu desconhecimento continua sendo uma realidade entre professores e alunos,pois conheci o fanzine só no terceiro ano do ensino médio.
    Você concordar que os fanzine sejam implementados na alfabetização, pois as crianças vão aprendendo a serem sujeitos ativos desde de pequenas e vão aprimorando esse processo com o passar dos anos ?

    Loíze de Souza Gama

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Olá, Loíze. Tudo bem? Eu penso que o trabalho com os fanzines pode começar desde as séries iniciais. Contudo, é necessário que as atividades propostas estejam de acordo com os diferentes níveis de escolarização. Neste caso, um trabalho simples com recortes e colagens, com o auxílio e supervisão do professor, é perfeitamente possível.

      Gabriela Alves Monteiro

      Excluir
  3. Olá Gabriela. Em primeiro lugar, parabéns pelo trabalho. No momento estou orientando uma pesquisa de Mestrado em Ensino de História que tem como instrumento didático justamente o fanzine. Como seu texto retrata a experiência com uma turma de licenciatura, gostaria de saber se este foi o primeiro experimento neste sentido ou se já havia realizado uma atividade assim com turmas anteriores. Em caso de já ter trabalhado com outras turmas, tem retorno destes profissionais em atividade se têm feito uso desta ferramenta em suas aulas?

    Fábio Alves dos Santos

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Olá, Fábio! Tudo bem? Fico feliz em saber da sua orientação, pois demostra que o fanzine vem ocupando os espaços acadêmicos com mais frequência. As minhas experiências anteriores com o fanzine foram no âmbito escolar. Esse foi o primeiro experimento na Universidade. Mas eu já tive algum "retorno", pois os discentes gostaram da atividade e alguns relataram que planejam trabalhar com os fanzines já no estágio docente.

      Abraços!
      Gabriela Alves Monteiro

      Excluir

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.