ESCRAVIDÃO E QUADRINHOS NA SALA DE
AULA
Introdução
O
preconceito é resultado da ignorância sobre os conceitos e que ainda assim
formam certas bases de pensamento em uma sociedade. O Brasil está cheio desses
conceitos mal concebidos sobre o índio, os afrodescendentes, as mulheres, os
homossexuais, etc. Se instalam nas atitudes, conscientes ou não, muitas vezes
sem explicitude, mas que silenciosamente repulsa o outro ou a outra, não
dando-lhes direito a crescer, se desenvolver ou aprender a ser protagonista de
si. Durante muito tempo se acreditou numa democracia racial no Brasil, mas sob
as lentes de quem? Qual a origem de quem o afirmou? E a maior de todas as
questões: nessa luta contra o poder opressor, quais ferramentas podem ser
usadas na busca da extinção das intolerâncias?
É senso
comum ouvir que a educação é a solução contra os preconceitos. De fato o é.
Sendo assim, poderíamos apostar na escolarização dos professores e professoras
ao alunado e certamente o problema seria dirimido com o passar do tempo; ledo
engano. Se assim o fosse não teríamos mais a ignorância, a intolerância ou os
abismos sociais que se aprofundam. Ou escola em vez de instrutora não seria
mais uma reprodutora da opressão social e a manutenção do status quo
como afirmou Bourdieu? Não basta apenas a inércia do ensino despretensioso e mecânico.
É ponto pacífico que deve-se lutar contra os preconceitos, mas a grande questão
é: como fazê-lo? Voltando a ferramenta para tal, o que propomos é apenas uma
entre diversas que complementarmente podem suprir as lacunas na forma de
sensibilizar para conscientizar: as histórias em quadrinhos.
O
Início das HQs
É
difícil precisar quando surgiram as histórias em quadrinhos. As figuras
rupestres nas paredes das cavernas no Parque Nacional da Serra da Capivara ou
os painéis de Lascaux, ou quem sabe os murais egípcios que contavam da vida dos
faraós, rituais religiosos, adorações aos deuses até a vida cotidiana dos
cidadãos numa sequência com intenção nítida de sequenciar imagens de modo
narrativo, não poderiam ser ressignificadas como essência dos quadrinhos?
Notoriamente narrativas com imagens não é algo novo nem exclusivo de uma
cultura. Porém modernamente, podemos entender que as HQs como conhecemos
surgiram por volta do final do século XIX, provavelmente o Yellow Kid ilustrado
por Richard Felton Outcault seja o primeiro personagem marcante
com o formato tal como conhecemos. Ainda sem usar os balões, mas com o texto
escrito no corpo do personagem, sua primeira publicação foi em 1895 no jornal New
York World.
As HQs
sofreram muito preconceito, na verdade ainda sofrem, isso porque ainda há quem
acredite que é uma leitura rasa e serve apenas para interter, outros afirmam
ainda que é “leitura de preguiçoso”, ainda que as críticas venham diminuindo
com o passar do tempo, seja por causa da inovação de abordagem, seja pela
originalidade e profundidade dos roteiristas e ilustradores, o preconceito está
longe de acabar. Mas o fato é que também é considerada a 9º arte, já que não é
literatura, texto ou imagem sequencial, mas simplesmente quadrinhos. Hoje as
HQs abordam os mais diversos temas, desde a quadrinização de clássicos da
literatura universal, como “A Odisseia”, “Os Lusíadas”, “Dom Quixote”, “Os Três
Mosqueteiros”, etc., até reportagens jornalísticas denunciando as atrocidades
em Sarajevo ou Na Faixa de Gaza, portanto não se pode dizer que os quadrinhos
sejam direcionados para um público específico ou uma única faixa etária; os
quadrinhos atualmente alcançaram patamares muito superiores, mas, ainda assim,
o preconceito insiste.
Em 1954
foi publicada uma obra que ficou muito conhecida, resultado de pesquisa que
denunciava a nocividade dos quadrinhos à juventude americana, de autoria do
psiquiatra Fredric Wertham, “A Sedução do Inocentes” propunha em dados
estatísticos que a maioria da população carcerária dos Estados Unidos lia
quadrinhos, conclusão: os quadrinhos eram os responsáveis por adultos
desajustados socialmente, mesmo usando uma metodologia científica questionável.
Como Wertham era conceituado no meio acadêmico por seus trabalhos na
Universidade Johns Hopkins e na Clínica Universitária de Psiquiatria Philipps
(VERGUEIRO et alli 2004 apud XAVIER, RICARDO. 2009), o preconceito acerca das
HQs se alastrou causando repulsa na sociedade branca elitista dos EUA.
No
Brasil não foi diferente, até pela repercussão das críticas dos americanos, que
à época possuíam, como ainda possuem, enorme influência sobre os países da
América; no clima de Guerra Fria, após a Segunda Grande Guerra, alardeou-se a
fama de que as histórias em quadrinhos fossem uma invenção comunista para
cooptar a sociedade para o socialismo soviético. Editoras brasileiras como a
Editora Abril, Gráfica O Cruzeiro, Editora Brasil-América e Rio Gráfica e
Editora se uniram e elaboraram uma espécie de código de ética que restringia e
regulava o conteúdo dos gibis (XAVEIR, RICARDO 2009). Hoje, evidentemente não
há mais tal regulação, mas ao observar a polêmica em torno da secretaria de
Educação de São Paulo em 2009 ao adquirir material didático complementar para
as escolas e bibliotecas através do programa “Ler e Escrever”, “Um Contrato com
Deus” de Wiill Eisner e “Dez na Área, um na Banheira e Ninguém no Gol” por
Orlando Cardoso e outros cartunistas, e que sofreu duras críticas. De fato cabíveis,
já que a compra seria para a 3ª série do ensino fundamental; ambas as obras se
destinam ao público adulto. Mas a questão é de inadequação etária, não de
tipologia metodológica. O fato é que recaiu sobre os quadrinhos a falha
pedagógica na escolha das obras.
Ao contrário do que se apregoou, que história em quadrinhos
seriam leituras apenas de lazer, que estas e escola não dialogavam, com o
passar do tempo percebeu-se que havia uma riqueza muito maior implícita, numa
narrativa quadrinística, os espaços entre os quadros, chamados de calhas,
denotam passagens de tempo, cabe ao leitor imaginar as lacunas deixadas pelo
roteirista, ao tempo em que textos escritos e imagéticos se articulam numa
narrativa que só os quadrinhos possuem. Isso no âmbito educacional é de suma
importância. Imaginar, criar situações e possibilidade dá a esse tipo de mídia
uma interatividade difícil de articular através de outros meios, e com uma
vantagem: crianças, jovens e adultos adoram as histórias em quadrinhos.
HQs em
sala de aula e a popularização de personagens infantis e super-heróis
favoreceram a aceitação entre os adolescentes e jovens. A preocupação em
utilizar HQs como recurso pedagógico não é uma novidade na literatura que trata
do assunto. Assim, trabalhos produzidos por Rama e Vergueiro (2006), Adriane
Sobanski (2009), Paulo Ramos (2009), Lovetro (2011) e Palhares (2013) há algum
tempo apresentaram discussões sobre a origem das histórias em quadrinhos, as
HQs como ferramenta pedagógica para o ensino de História, o uso de HQs em sala
de aula, a leitura dos quadrinhos e o ensino e a aprendizagem de História a
partir de HQs e canções, ou seja, uma diversificação enorme dos formatos de
aprendizagem.
O
historiador Amaro Xavier Braga Júnior no artigo Histórias em quadrinhos,
informação e memória: uma análise de “passos perdidos, história desenhada: a
presença judaica em Pernambuco” (2013) afirma o grande potencial das HQs na
esfera do entretenimento, da educação e do exercício da cidadania, sob a égide
de: “[...] uma cultura de massa integrada, que não distingue público leitor de
consumidor ao agregar tanto elementos populares, quanto sofisticados. E que,
sobretudo, se dispõe a atender a qualquer consumidor” (2013, p. 818).
Um interessante artigo intitulado Do
Universo dos Quadrinhos a Sala de Aula: Mafalda À Aula de História (2017), de
autoria de Vitória Duarte Winger e Jander Fernandes Martz, traz para o centro
do debate o protagonismo de uma personagem feminina de seis anos, criada por
Quino na década de 1960, abordando temáticas como Guerra do Vietnã,
capitalismo, comunismo, direitos humanos e paz mundial com uma forte
predisposição para o ensino da disciplina de História na educação básica.
Africanidade
nas Histórias em Quadrinhos
As HQs
como um produto midiático que reflete os anseios da sociedade e se transmuta em
conformidade com ela, amadureceu como uma ferramenta de intervenção e de
formação de opinião, evidentemente aí é que está a grande possibilidade de
penetração das histórias em quadrinhos entre os jovens e, por que não entre os
jovens negros das periferias das grandes cidades? Não haveria como os negros
serem representados nas estórias dos grandes super-heróis que punham a vida em
risco para salvar e proteger o planeta Terra? Certamente que sim.
E quando
se trata de personagens negros nos quadrinhos há uma grande quantidade de
referências nas HQs internacionais (Marvel & DC Comics) com enredos de ação
e aventura, sendo muitos dos quais transportados para as telas de cinema. Uma
lista de fãs de HQs online relaciona dez figuras importantes no cenário
das Comics Histories: Pantera Negra (soberano de um país africano que
ganha sua própria revista na década de 1970), Falcão (Sam Wilson, nascido no
Harlem, o primeiro herói negro dos quadrinhos norte-americanos), Luke Cage (que
ganhou recentemente uma série própria na Netflix), Tempestade dos X-Men (Ororo
Monroe, uma afro-americana), Raio Negro (o primeiro herói negro a aparecer na
DC Comics), Ciborgue dos Novos Titãs, Blade (o caçador de vampiros), Vixen ou
Fox (Mari Jiwe McCabe, a primeira grande
super-heroína negra da DC Comics, criada nos anos 70), Aço (John Henry
Irons, um engenheiro afro-americano com armadura e martelo, muito
semelhante ao Super-Homem), Super-Choque (que se popularizou como desenho animado
de TV, mas teve a saga de Virgil Hawkings era um personagem do selo Milestone
Media, de Dwayne McDuffie e Denis Cowan, dois proeminentes nomes negros dos
quadrinhos americanos) (MIORANDO, 2017a).
Figura 1: Super-Heróis negros das Comics internacionais (A)
Fonte: https://splashpages.wordpress.com/2015/11/20/os-10-super-herois-negros-mais-importantes-dos-comics/, Acesso em:
23/08/2017.
Mais
adiante, uma nova lista revela mais 15 personagens negros das HQs: Lanterna
Verde (John Stewart, o primeiro Lanterna Verde negro da terra), Spaw (um
personagem dos anos 90, de Todd
McFarlane, da Image Comics), Nick Fury (no início era branco nos
quadrinhos, mas depois acabou sendo desenhado como negro inspirado no ator
Samuel L. Jackson que deu vida ao personagem nos cinemas), Monica Rambeau (a
Capitã Marvel), Bishop e sua irmã Lasca (participaram dos X-Men em uma
determinada fase), Misty Knight (uma ex-policial de Nova York), Rainha Abelha e
Arauto (Karen Beecher-Duncan e Mal Duncan, da DC Comics), Homem-Aranha (depois
da morte de Peter Parker, o Homem-Aranha original do Universo Ultimate,
outra aranha modificada da Oscorp picou um outro menino Miles Morales, um
latino afro-americano de 13 anos de idade), Manto (Tyrone “Ty” Johnson, um
teleportador, que fazia as pessoas atravessarem a dimensão da escuridão para
chegar em outros lugares), Senhor Incrível (o magnata Michael Holt), Radical (o
fundador da equipe de jovens super-heróis conhecida como Os Novos Guerreiros),
Irmão Vodu (Jericho Drumm, feiticeiro mor do Haiti) e Batwing (David Zavimbe,
um policial congolês, criado por Grant Morrison) (MIORANDO, 2017b).
Figura 2: Super-Heróis negros das Comics internacionais (B)
Fonte: https://splashpages.wordpress.com/2016/11/20/mais-15-super-herois-negros-importantes-dos-comics/, Acesso em:
24/08/2017
No Brasil o pesquisador Nobuyoshi Chinen defendeu a tese de
doutorado O papel do negro e o negro no papel: representação e
representatividade dos afrodescendentes nos quadrinhos brasileiros (2013), na
Escola de Comunicações e Artes da USP. Em seu trabalho realiza um levantamento
da presença dos negros nos HQs nacionais publicadas entre 1869 e 2011, sendo
poucos e em papel subordinado e/ou estereotipado, com destaque para: Jeremias,
Benjamin, Pererê, Azeitona, Pelezinho, Ronaldinho Gaucho, Luana e Aú.
Observa-se nas imagens que nem sempre houve um cuidado
estético e muitas vezes o tom caricatural, surrealista de cores e feições
sobrepôs-se a ideia de um protagonismo negro. A ausência do nariz ou sua
configuração como uma vírgula (caso do Saci de Ziraldo), o ocultamento dos
cabelos ou sua representação estereotipada.
Figura 3: Personagens negros das HQs nacionais
Fonte: http://revistapontocom.org.br/entrevistas/o-negro-nas-revistas-em-quadrinhos, Acesso em: 24/08/2017.
Nos 300
anos de Zumbi dos Palmares foi lançada uma edição comemorativa em HQ, ilustrada
por Álvaro Moya, com roteirização de Clóvis Moura (1995), reeditada pela
Secretaria de Educação e Cultura de Betim.
Figura
4: Parcial da
página inicial da HQ Zumbi dos Palmares
Fonte:
HQ disponível em: http://lemad.fflch.usp.br/sites/lemad.fflch.usp.br/files/hq%20zumbi.pdf, Acesso em: 24/08/2017.
Personificado
na historiografia brasileira como o herói dos escravos brasileiros, Zumbi dos
Palmares, teve sua trajetória primeiro estudada por Rocha Pitta na obra
“História da América Portuguesa” que ao afirmar a lenda do suicídio da liderança
negra é contraposto por Clóvis Moura, que na apresentação da HQ, termina seu
escrito com uma citação da documentação pesquisada por Edison Carneiro em O
Quilombo dos Palmares e no trabalho do historiador português Ernesto Ennes
denominado As Guerras nos Palmares que afirma:
[...] o
governador Caetano de Mello Menezes ordenou que sua cabeça fosse pendurada em
um pau e exposta “no lugar mais público desta praça a satisfazer os ofendidos e
justamente queixosos e atemorizar os negros que supersticiosamente julgavam
este imortal” (HQ ZUMBI, 1995).
Assim, a
HQ preocupou-se em trazer uma atualização historiográfica que possa orientar
professores e alunos em sala de aula sobre o caminhar das pesquisas em arquivos
que têm encontrado novos documentos para subsidiar novas interpretações de
antigos objetos. Entre 2016 e 2017, o ilustrador Hugo Canuto adquiriu
visibilidade nas redes sociais ao iniciar a campanha de financiamento coletivo
para a HQ Contos de Òrun Àiyé que trouxe as
narrativas africanas dos Orixás, em dezembro de 2018 ele lançou O Conto dos
Orixás repetindo a metodologia com grande sucesso.
Com arte inspirada no desenhista norte-americano Jack Kirb, a
edição da HQ prevê uma publicação com 80 páginas trazendo duas histórias com
base na saga de Xangô. Além de Canuto também contribuem para a obra Pedro
Minho (desenvolvedor de animação) e o arte-finalista Marcelo Kina
(integrante da equipe responsável pelo título “Turma da Mônica Jovem”).
“Tiras” e Abordagens para Discussão
Há ainda outro formato de quadrinhos que pode ser utilizado
com excelentes resultados na sala de aula, são as tiras, que se adaptam a
utilização em debates sobre qualquer tema. As tiras normalmente são carregadas
de críticas e sacadas rápidas que misturam humor e ironia, geralmente ligados a
temas do cotidiano. A figura 5 foi idealizada por mim, é parte da HQ Caminhos
de uma Escrava da África a Sergipe, sobre a escravidão africana e algumas tiras
para debate em sala de aula, fazem parte do produto pedagógico do PROFHISTORIA
da Universidade Federal de Sergipe, orientadas Pela Profa. Dra. Janaína Cardoso
de Mello e ilustradas por Cauê Souza. Põe em cheque as lentes da sociedade para
a questão do preconceito e do posicionamento dos próprios afrodescendentes, em
um jogo de adaptação e aculturação para uma “aceitação” social.
Figura 5 – Tira Lentes da Sociedade
Fonte: Obra do ilustrador Cauê Souza
A abordagem é extremamente importante no processo de
aprendizagem, cabe ao professor, o personagem mais capacitado para orientar as
adequações, condução da discussão no sentido de construir uma crítica ao que
está posto pela sociedade, questionar o posicionamento político de manutenção
da marginalização dos afrodescendentes, e combater a naturalização da
incapacidade de protagonismo de si pelo negro. Parece óbvio para muitos, mas
certamente para uma parte considerável da sociedade brasileira a ideia de
resgate social é mero assistencialismo, quando deveria ser o resgate de uma
dignidade devida ao afrodescendente. Mas também possibilita a autocrítica do
próprio afrobrasileiro, para que seja consciente e protagonize sua mudança
orientada por subsídios consistentes para ocupação do seu espaço.
Na figura 6 e 7 já da HQ oferece uma sequência em que a
violência sexual é abordada. Evidentemente que a cena contém violência, foi
tomado o cuidado de não explicitá-la, já que não é o foco da abordagem, mas
desperta o questionamento dos porquês os livros pouco ou nada falam da
violência contra as escravas, que sofriam duplamente, mas em muitos casos
fala-se de uma submissão voluntária, que durante muito tempo se aceitou como
natural. Portanto abordar as resistências como a reação na HQ, se aproxima mais
da realidade vivida pelos escravizados. Outro aspecto que pode ser abordado
pelos professores e professoras é a rede de solidariedade que se forma entre os
africanos e afrobrasileiros.
Figura 6 e 7 – Sequência violência sexual nos canaviais do
engenho
Fonte: Obra do ilustrador Ênio Carvalho
A ajuda mútua, principalmente entre os da mesma etnia era
característica marcante, bem exposta pelos cuidados na senzala pela mucama mais
velhas, ou no furto de objetos da casa grande para os aquilombados que eram
ajudados pelos que serviam nas fazendas de cana-de-açúcar ou de café. E que
além dessas formas de resistência muitas outras foram praticadas entre
escravos. Na figura 8 retrata a venda de verduras e frutas nas horas vagas,
outra forma de resistência, que além das fugas eram comuns aos negros e negras
na busca pela compra da própria alforria ou de marido, filhos e outras pessoas
importantes do convívio que poderia levar anos a fio.
Figura 8 Venda de frutas e verduras na feira
Fonte: Obra do ilustrador Cauê Souza
Se se imaginar uma massa de escravizados que foi trazida ao
continente americano, após séculos de expatriação e exploração, os descendentes
não conhecem mais a África, tampouco parentes, amigos ou a geografia da pátria
dos seus ascendentes e um dia lhes informam que foi assinada uma lei (Lei
Áurea) que os libertou do jugo da escravidão; que agora eles podem ir e vir
livremente, o que fariam? De fato é motivo de alegria e festa, porém para onde
iriam? Sem nenhum plano de realocação dessa massa de trabalhadores e
trabalhadoras que agora não teriam mais o chão duro da senzala, nem os lençóis
rasgados, tampouco os retalhos que cobriam o corpo, que fizeram?
CONCLUSÃO
Não resta dúvida que a escravidão deixou sequelas e que estas
ainda estão presentes na sociedade brasileira e americana, que ainda é raro
encontrar afrobrasileiros em cargos de liderança ou funções proeminentes, isso
ainda caminha na esfera das exceções e atualmente sem perspectivas de mudança.
Ainda que pareça que as pessoas aprendem e crescem com o passar do tempo e das
experiências, há ainda muitos outros que teimam em uma meritocracia irrestrita,
na contramão do pouco que havia sendo feito. Todas as ferramentas que aproximem
a lucidez histórica ao cotidiano será bem vinda, as HQs podem ter um papel
importante e ajudar na sensibilização de estudantes pelo Brasil. E que se reconheça
que os estudos sobre a temática não se encerram com a Lei Áurea.
BIBLIOGRAFIA
Luciano dos Santos Ferreira é graduado em História, Pós-graduado
em Docência no Ensino Superior e História do Brasil, mestrado em Ensino de
História, atua na assessoria pedagógica no IFS – N. S. da Glória.
BRAGA
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análise de “passos perdidos, história desenhada: a presença judaica em
Pernambuco”. Anais eletrônicos do V Colóquio de História da UNICAP. Recife, PE,
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FERREIRA,
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em: https://educapes.capes.gov.br/handle/capes/429226
HQ ZUMBI
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Municipal de Betim, 1995.
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XAVIER, Raoni; RICARDO, Alisson. Revista Eletrônica Temática:
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Vitória Duarte; MARTZ, Jander Fernandes. Do Universo dos Quadrinhos a Sala de
Aula: Mafalda À Aula de História. Revista Gestão Universitária, 2017,
Disponível em: http://www.gestaouniversitaria.com.br/artigos/do-universo-dos-quadrinhos-a-sala-de-aula-mafalda-a-aula-de-historia.
Bom dia! Muito interessante o artigo! Transmitir essa fase obscura da História do Brasil em HQs é um recurso excelente. Ja trabalhei escravidão com meus alunos e eles proprios montaram um revista. Quanto a indagação é a seguinte: muitos acreditam que existe uma exaltação ao preconceito em determinadas o ras de arte ou quaisquer ovra que se refira a esse periodo. Como você vê isso?
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ExcluirBom dia. Obrigado Benedito. Sobre a questão dos preconceitos em obras de arte, penso que toda produção, seja cultural, artística, etc. é fruto de uma época e das sociedades, que refletem o pensamento vigente, por isso deve-se tomar cuidado para não ser anacrônico e transportar nossos conceitos atuais para épocas passadas. Mas existiram absurdos, diferenciar o que foi aceitável e não é mais é tarefa crítica do historiador e infelizmente tem sido tomada pelo senso comum. Creio ser importante fazer uma análise do contexto da produção da mentalidade, até pra analisar os interesses e as inclinações, já que sabemos que nenhuma produção humana é isenta de inclinações. Já observou quantos absurdos tem surgido pela falta desse critério metodológico? Grato pelo seu interesse.
ExcluirOlá Luciano.
ResponderExcluirParabéns pelo seu texto. Alias muito bem fundamentado e com uma forma clara e prazerosa para o leitor.
Tenho trabalhado com os meus alunos a imagem negativa que é atribuída as pessoas de origem africana (com pele negra), mas ainda é muito enraizado a forma negativa das ações ou do negro em sí.
Mas acredito que a situação tem melhorado significavamente nos últimos anos, inclusiva com o sucesso do Filme Pantera Negra, esse filme como um aluno comentou na sala de aula, "ele me faz me sentir como um rei", da sua forma esse aluno comenta que antes os negros eram os marginalizados, os escravos, os sem sabedoria. Ao ponto de um homem inteligente e poderoso (sábio e honesto) assumir esse símbolo, ajuda a auto estima dos alunos.
Como você comentou a escravidão e os negros eram uma figura caricata na nossa cultura, temos o exemplo do saci. Mas com a busca por acabar com essas caricaturas, as representações estão sendo melhor trabalhadas.
Gostaria de saber se você ainda sente falta de uma figura com mais poder de identidade e representação dos negros no Brasil?
Outro ponto que me lembrei agora, que por muito tempo um herói dos filmes quando se falava de continente africano era o "Fantasma" um europeu que defendia a África, papel esse ocupado pelo Pantera Negra agora. Você tem uma opinião sobre esse ponto?
Obrigado
Anderson da Silva Schmitt
Obrigado pelos seus comentários Anderson. Puxa, o comentário do seu aluno me deixou muito feliz! Sentir-se rei é um sentimento novo para o afrobrasileiro, e muito bem vindo. De fato houve uma melhoria do contexto social brasileiro, mas com a guinada política que o país vive, os avanços já se mostram em franca retração, ao que tudo indica os índices de pobreza estão voltando a patamares de décadas atrás. Esse é um ponto. Sobre a figura representativa, acho que as ações da sociedade organizada devem prevalecer sobre os ícones representativos; a consciência política deve estar à frente da passionalidade devocional a uma figura que nos represente, até porque teríamos que "criar" essa figura representativa, e até que ponto não é um esteriótipo ou manipulação? Sobre a representação, como o Fantasma, exite um conceito de direito dos africanos e afrodescendentes baseado na indulgência do branco, como a discutida indulgência da princesa Isabel na libertação dos escravos, então é sempre um tema complexo e que cabe muita discussão.
ExcluirOlá
ResponderExcluirDe que outras formas o conteúdo poderia ser abordado em sala de aula, para chamar ainda mais a atenção dos alunos? Já teve a oportunidade?
Att
Wiliana Maiara do Nascimento
Olá Wiliana, tudo bem? Acho que o primeiro passo seria conscientizar como os direitos são adquiridos. no mundo e no Brasil. Nunca gostei de impor leituras extensas para os alunos, por isso minha dissertação de mestrado foi uma HQ, e expus o conteúdo dessa forma, que faz parte do universo infanto-juvenil, que também é mais palatável e leve. É sensibilizar para conscientizar. A partir do gosto pela temática você vai inserindo outras perspectivas, outras leituras, para que os estudantes se aprofundem e sejam autônomo do próprio processo de aprendizagem, vou te dar um exemplo: os estudantes do terceiro ano tinham dificuldades de interpretação de texto, a professora de Língua Portuguesa não quis reforçar a questão porque tinha que voltar conteúdos de anos anteriores e tal, pois bem, pedi como uma das notas para que eles lessem um livro. escolhi pra uma garota Persépolis, uma HQ que, de imediato ela reclamou da espessura da obra, no final ela estava indignada pela forma como os mulheres eram tratadas naquela sociedade, perceba que a leitura mexeu com as convicções da garota. Mas a forma de abordagem é essencial. Conquistar é melhor que impor.
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ResponderExcluirOlá Luciano!
ResponderExcluirÉ um prazer conhecer trabalhos de pessoas que enxergam nos quadrinhos uma ferramenta para alcançarmos a hoje tão disputada atenção da juventude. O que trago é mais a titulo de contribuição. Pesquise a HQ CUMBE de Marcelo D'Salete, ele é o ganhador do Eisner 2018 na categoria melhor publicação estrangeira nos E.U.A. ela aborda a luta de pessoas oprimidas por um regime ao qual elas não escolheram. Para nós que discutimos a escravidão e fazemos o uso dos quadrinhos ela é hoje um dos materiais mais ricos que possuímos para tratar do tema. No mais parabéns pelo seu trabalho e espero poder lê-lo novamente em outras oportunidades
Marcos Vinicius de Andrade Gomes
Obrigado Marcos, tenho Angola Janga de D'Salete mas confesso que não li ainda, está na lista de leituras. Quando fiz a pesquisa percebi que existe uma infinidade de quadrinhos, uns mais densos outros mais populares como Pele de Rafael Calça e Jefferson Costa da Maurício de Souza Produções e dá pra fazer uma discussão legal na sala de aula com as HQs, mas enquanto professores precisamos abrir o leque de opções ferramentais e oferecer aos estudantes mais que apenas os heróis, que são muito legais, mas que não é só isso, HQ é muuuuuito mais. Abraços
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ResponderExcluirBoa Noite Prof. Luciano,
ResponderExcluirParabéns pelo belo trabalho realizado em sala de aula, problematizando temáticas fundamentais, utilizando metodologias diferenciadas e recursos alternativos, como as histórias em quadrinhos que com certeza chamam a atenção das crianças e jovens, e permitem a construção de um novo olhar acerca dos conteúdos com o auxílio das representações artísticas. Sou professora do Estado do Rio Grande do Sul e ao introduzir a história da escravidão africana no 8º ano, também utilizei algumas imagens referentes ao navio negreiro, os diversos trabalhos realizados pelos negros no Brasil, instrumentos de castigo, formas de resistência africana. Foi uma experiência muito significativa, permitindo dialogar abertamente com os estudantes sobre o assunto e constituindo a consciência histórica acerca do tipo de vida que os africanos levavam, os preconceitos que persistem até hoje, e a análise crítica sobre a própria construção das imagens pelos artistas, tendo em vista que não são neutras.
Atenciosamente,
Laís Francine Weyh
Olá Laís, tudo bem? Que bom que nós estamos encampados na luta para levar conteúdo com qualidade e significação para a vida cotidiana dos estudantes, devemos resistir para que nossa voz se mantenha sempre viva e audível para mostrar que nós professores não somos os incompetentes que os políticos tentam mostrar, parabéns a você e todos os colegas professores que estão tirando dinheiro do bolso pra conseguir fazer algumas atividades além do óbvio. Grato.
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