Jean Vieira Ramos e Márcia Elisa Teté Ramos


A “HISTÓRIA HIPOTÉTICA” COMO METODOLOGIA DE PESQUISA E DE ENSINO DA HISTÓRIA


Este texto integra uma das atividades do PIBID (Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência), subprojeto História da Universidade Estadual de Maringá, orientado pelo prof. Dr. José Henrique Rollo Gonçalves e supervisionado pela prof. Adriana Alves. As atividades foram desenvolvidas no segundo semestre de 2018, em duas turmas de oitavos anos (uma com 32 alunos – aqui denominada Turma A –, outra com 28 alunos – chamada de Turma B –, totalizando 60 alunos) do Colégio Estadual Juscelino Kubitschek, localizado na cidade de Maringá, PR.

Nesta escola há o Ensino Fundamental, Ensino Médio e Ensino Técnico. As turmas envolvidas na pesquisa/ensino têm o Ensino Integral, três aulas semanais de História. Pela observação em campo, percebemos que os alunos integram a classe média e a classe média baixa. Usam uniforme, tênis e mochilas considerados de marcas famosas. Muitos tem caixas de som portáteis e grande maioria tem celular. Há um ponto de ônibus em frente à escola, em que muitos alunos utilizam, mas também muitos pais buscam seus filhos na escola de carro. Há no pátio da escola, mesa de pebolim e caixa de som. A escola tem horta, sala de informática, biblioteca e gibiteca. Os alunos têm hábito de leitura para além das exigências da escola, como: As Crônicas de Gelo e Fogo, de autoria de George R. R. Martin e A Culpa é das Estrelas, de John Green. Assistem séries, como: Os 13 Porquês (sucesso da Netflix em 2018) adaptação livro do escritor Jay Asher publicado em 2007). Tanto A Culpa é das Estrelas como Os 13 Porquês são destinados ao público juvenil e tratam de temas densos, sendo o primeiro sobre uma menina com câncer e o segundo sobre estupro, bullying e suicídio. O rico universo cultural dos alunos, provavelmente associado à facilidade de acesso aos bens culturais, bem como, as aulas ministradas anteriormente pela professora-titular, vão incidir positivamente em suas respostas.

O tema tratado era a Independência do Brasil e o período regencial (1831-1840). As aulas foram ministradas pensando em um ensino de História que se voltasse para uma abordagem cultural, sem desprestigiar os eventos políticos.  Não houve o objetivo de desqualificar a cronologia dos eventos e/ou os eventos considerados mais importantes pela historiografia. Entretanto, a a proposta já na primeira aula era de tratar também do cotidiano, da cultura, da situação da mulher, situação da criança pobre, da criança rica, dos escravos e escravas, dos alimentos que se consumiam entre outros assuntos. Neste sentido, o livro didático adotado auxiliou bastante: Vontade de Saber. História 8º ano, de autoria de Marco Pelegrini, Adriana Dias e Keila Grinberg. No capítulo 8, intitulado “A independência do Brasil”, o referido livro traz os seguintes subtítulos, abrindo a Unidade com aquarela de Debret, Aclamação de d. Pedro I no Campo de Sant’Ana (século XIX): As relações entre Brasil e Europa no século XX (onde fala das relações entre Portugal e Inglaterra, Bloqueio Continental, transferência da corte portuguesa para o Brasil); O Brasil deixa de ser colônia (sobre a interiorização da metrópole, o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, as revoluções e a revolução pernambucana); Transformações no Rio de Janeiro (fala da criação de várias instituições, como Branco do Brasil, Biblioteca Real, etc., o aumento da população, mudança de hábitos com a presença da corte no Brasil, box com biografia de Debret), sendo que na seção Investigação na prática, se analise duas imagens de Debret sobre o cotidiano da cidade da época como fontes históricas); Rio de Janeiro, a capital do Reino (com infográfico do Largo do Paço Real, mostrando como era a realidade neste espaço no éculo XIX); A Revolução do Porto; O conflito de interesses (partidos políticos da época, box sobre maçonaria),  A Proclamação da Independência (sobre a independência como processo e análise do quadro de Pedro Américo de 1888, Independência ou Morte e sobre a Biblioteca Nacional na seção Explorando o tema) e por fim, aas atividades. No capítulo 9, intitulado A consolidação da independência do Brasil, abre-se a Unidade com aquarela de Debret, Vendedor de Flores e figura da bandeira do Império do Brasil, com os seguinte subtítulos: O Brasil independente (que narra o período regencial, inserindo uma linha do tempo); A formação do Estado nacional brasileiro (trata das guerras pela independência, box com biografia de Lord Cochrane, seção História em construção discutindo o significado da independência, a interação da nação, a assembleia constituinte, a Constituição de 1824);a Confederação do Equador; Um governo em crise (abdicação de D. Pedro I); O Brasil governado por regentes (criação da Guarda Nacional, tendências políticas); O Levante dos Malês (população baiana do século XIX, escravos e ex-escravos na Bahia); A diversidade étnica dos africanos (com figura representando diversos povos); A Cabanagem (participação popular); A Revolução Farroupilha (motivações, reações, acordos); na seção Explorando o tema, trata das mulheres brancas e negras no Brasil no século XIX e Atividades.

Procuramos em uma das aulas, realizar uma atividade alternativa denominada “história hipotética”, inspirados no trabalho de Dayana de Souza (2012). Com esta atividade, pretendemos fazer com que o aluno recorresse à imaginação histórica, ou seja, que levantasse hipóteses sobre como seria a vida de pessoas de determinada época e lugar. Mesmo os historiadores mais tradicionais entendem que não há como retratar a história como esta realmente aconteceu e que embora o ponto de partida sejam as fontes históricas, há que interpretar estas fontes para além do que elas indicam. Em última instância, não há como ter acesso ao que ocorreu, mas sim em relação aquilo que poderia ter acontecido (COLLINGWOOD, 1994, p.299). O que não significa que a “imaginação” é ficção, mas que a história, privada da imaginação, só pode fornecer informação. As hipóteses sobre o que aconteceu ocorrem em acordo com a plausibilidade histórica, o que Collingwood denomina de “interpolação”. A atividade solicitada ao aluno é essa “interpolação”, ou seja, a partir do que ele já tem como conhecimento prévio, conteúdos substantivos e conceitos estruturais da história, obtidos pela escolarização ou pela pedagogia informal (família, amigos, mídia, etc.), indaguei o que ele poderia falar sobre história de Londrina, construindo ele mesmo uma história hipotética com o auxílio do questionário. Desta forma, o aluno utilizaria a imaginação histórica, que traduzindo, seria levantar hipóteses sobre o que aconteceu em Londrina em determinada época e com determinados sujeitos situados historicamente, e para isso, recorreria à sua memória. A “interpolação” parte das fontes – aqui, nossos alunos partem do que sabem/lembram sobre a história de Londrina e da propaganda da Companhia de Terras Norte do Paraná que introduzi no enunciado –, e assim os alunos constroem uma história provável segundo seus conhecimentos e/ou associações, preenchendo as lacunas através de sua imaginação/memória. Ainda com a afirmação: "História não significa saber que eventos se seguiram a quê. Significa transportar-se para o interior da cabeça das outras pessoas, observando, nessa situação através dos seus olhos, e pensar por si mesmo se a forma que a mesma foi abordada era o caminho certo" (COLLINGWOOD, 2002, p. 57-58 apud ARRAIS, 2009, p. 5).

Coolingwood nos reporta à empatia histórica. Peter Lee diz que poderíamos substituir a palavra “empatia” por “compreensão”, e mais precisamente: “compreensão histórica”, que não é um sentimento, “Embora envolva o reconhecimento de que as pessoas possuem sentimentos” (LEE, 2003, p. 20). A empatia histórica remete à compreensão contextualizada do Outro que viveu no passado, mas também do Outro que vive no presente e predispõe a problematização e contextualização do Eu inserido no mundo e na interação com outros. Porém, mais do que se colocar no lugar do Outro, com a empatia “a nossa compreensão histórica vem da forma como sabemos como é que as pessoas viram as coisas, sabendo o que tentaram fazer, sabendo que sentiram os sentimentos apropriados aquela situação, sem nós próprios as sentirmos (LEE, 2003, p. 21).

A imaginação e a empatia, apesar de parecerem conceitos distantes da ciência histórica, nos reporta à matriz do conhecimento histórico, qual seja, a contextualização histórica, a realidade que cerca determinado fenômeno/acontecimento. A imaginação, a empatia, a contextualização, são conceitos que compreendem a capacidade de “se transpor em determinada época e lugar” para saber como viviam e pensavam. Este exercício de criar hipóteses sobre modos de vida de outras culturas não se desprende do presente vivido, sendo que a ideia é de realizar analogias, não anacronismos.

“As analogias são utilizadas, freqüentemente, pelos professores como recurso para facilitar a compreensão de conteúdos escolares, uma vez que possibilitam mediações simbólicas e aprendizagens significativas. Nesse sentido, revelam-se recurso tentador para superar o estranhamento dos alunos face ao desconhecido que é, por elas (analogias), relacionado ao que lhes é familiar. Entre o científico e o senso comum, tornam-se recursos didáticos com grande potencial para a ressignificação de saberes e práticas, sintetizando de forma emblemática uma criação do saber escolar” (MONTEIRO, 2005, p. 334)

As analogias, para não recair no anacronismo, devem ser contextualizadas. Por exemplo: dissemos que no período regencial, D. Pedro I abdicou da coroa a favor de seu filho D. Pedro II quando este era ainda criança e que indagamos aos alunos: “Vocês acham que D. Pedro, com a idade de vocês teria condições de governar o Brasil?” A resposta foi não. Assim, mostramos o porquê do período regencial. Logicamente, a realidade dos alunos não é a mesma que a de D. Pedro II naquele momento, mas a pergunta serviu ao propósito de levar o aluno a associar a sua realidade com a realidade passada.

Na atividade, como dissemos, os estudantes, sujeitos desta pesquisa, foram chamados a “preencher lacunas” a partir das informações dadas, em acordo com uma determinada demarcação cronológica e espacial. Este procedimento permite uma transição do conhecimento factual, do estático, para um nível mais abstrato da história, denominada por Hilary Cooper de “imaginação dinâmica” (COOPER, 2012, p. 32-33). Os critérios de validade da história hipotética são narrativos e experimentais, e não quantitativos ou informacionais. Mesmo crianças dos anos iniciais de escolarização, podem ser incitadas a usar a interpolação com as questões propostas por Hilary Cooper: O que eu sei sobre isso (objeto, pessoa ou fato)? O que posso imaginar sobre isso? Onde posso saber mais sobre isso? Desta forma, em um primeiro momento recorre-se ao conhecimento prévio, no segundo momento, às hipóteses, o que estamos chamando de imaginação histórica, e enfim, onde pesquisar mais sobre a temática (COOPER, 2012, p. 34).

O enunciado era: “Preste atenção na história de uma família e construa a resposta a seguir conforme você ache possível”. Logo a seguir, em poucas linhas colocamos como dispositivo de evocação uma história datada para que o aluno presumisse elementos do cotidiano do contexto histórico daquele período: “João e Maria era um casal pobre que vivia na época do Brasil pós-independência. Eles tinham dois filhos, Carlos de 13 anos e Carmem de 11 anos. Maria estava grávida do terceiro filho”. Ao colocarmos “casal pobre” propositalmente, tínhamos em mente que este casal poderia ser de brancos pobres ou ex-escravos. 

Na primeira questão, foi indagado: Como era a casa deles? Obtivemos da Turma B, 6 respostas que podemos considerar como “incorretas” por não serem descontextualizadas ao não se aproximarem da realidade da época e da Turma A, todas as respostas foram “corretas”. Como “incorreta” podemos citar: Aluno 4 da Turma B: “Era uma casa de rico grandes espaçosas...”  [Mantivemos a grafia do aluno.] Analisando as respostas “incorretas” podemos ver que talvez o aluno não tenha interpretado adequadamente o enunciado. Uma das capacidades necessárias para a construção do conhecimento histórica é a da interpretação de texto/fontes. Diz Ivo Matozzi (2008) que a construção da História depende em saber colocar este conhecimento em narrativa e a compreensão da História se dá por intermédio da interpretação desta.

Algumas respostas se aproximaram bastante da realidade, como a de Aluno 1 da Turma A: “Era uma casa de madeira esburacada cheia de bicho-barbeiro”. Nota-se que o aluno, percebendo que no enunciado a família era pobre, associou o “bicho barbeiro”, que pode ser encontrado neste tipo de moradia. Mesma coisa o Aluno 2 da Turma A: “Era um barraco de pau bem simples cheio de cupim com s telhas todas quebradas” e a Aluna 23 da Turma A que comenta que “...era simples, simples até demais, sem luz, sem água potável e sem higiene”. Vê-se que houve atenção ao enunciado, e como se fala que a família era pobre, talvez a associação se voltasse mais para o conceito de pobreza na atualidade. Contudo, algumas narrativas demonstraram um esforço de contextualização histórica, como a da Aluna 17 da Turma A, ao falar de “pratos de barro”: “A casa deles era simples e pobre, pratos de barro, móveis baratos, não tinham coisas que não precisavam, pois até o que precisavam não tinham”. Algumas respostas, não só em relação a esta pergunta, serviram para o aluno mobilizar vocabulário mais complexo, como a Aluna 9 da Turma B: “A casa delas era bem precária, com 1 quarto ou outro”.

Segunda questão: Quando ficavam doentes, como se tratavam? Da Turma A, obtivemos duas respostas “incorretas”, enquanto que da Turma B, três respostas “incorretas” porque demonstravam a dificuldade do aluno em contextualizar historicamente e duas respostas se mostraram vagas ao dizer que “um cuidava do outro” ou “se viravam sozinhos”. Novamente tivemos narrativas bem construídas do ponto de vista da História, como: Aluna 21 da Turma A: “Eram provavelmente com ervas, chás, remédios caseiros...” Apreendemos das narrativas dos alunos duas variáveis: 1) a Turma A respondeu de forma mais coerente e evidenciando maior vocabulário e escrita correta que a Turma B. Isso se deve ao fato de a Turma A ter alunos sem distorção idade-série, isto é, não havia aluno repetente, ao contrário da Turma B, com idades mais avançadas em relação ao 8º ano escolar; 2) alguns alunos demostraram gostar de preencher o “questionário”, inclusive desenhando, como o Aluno 4 da Turma B. Ao nosso ver, isso pode ser relacionado ao fato de que a “história hipotética” mobilizar a imaginação, o lúdico e também porque o desenho pode expressar o que para o aluno é mais complicado escrever. Embora seja um instrumento de pesquisa no nosso caso, também pode ser utilizada como instrumento de avaliação, sem necessariamente “parecer” uma prova, e, sendo assim, acarretar mais respostas espontâneas.

Terceira questão: Carlos e Carmem iam para a escola? Esta questão foi a mais difícil para que eles respondessem levando em conta o contexto histórico da época, em que tínhamos pouquíssimas escolas públicas, mesmo assim, com acesso mínimo dos filhos de famílias pobres (TOLEDO, 2012). Os alunos entenderam que Carlos e Carmem não iriam à escolar, por terem que trabalhar junto com os pais (16 alunos) ou ajudando em casa (12 alunos), mas 29 alunos disseram que na época, não havia escola para pobres. Penas dois alunos responderam de forma bem destoante: um, que eles não estudavam, mas roubavam e outro, que estudavam e eram bons estudantes.

Quarta questão: O que será que eles achavam da Independência do Brasil? Esta questão, solicitava atenção em relação aos temas tratados em sala, mais condizentes com a cronologia, os eventos, as discussões políticas (lembrando que Independência e Período Regencial, são conteúdos históricos que remetem mais à esfera política). Dos 60 alunos, 20 responderam que a família iria gostar da Independência do Brasil, esperando a vida melhorar. Duas categorias destas respostas são cruzadas: 18 alunos responderam que não mudaria nada para a família porque esta era pobre e 11 alunos responderam que a independência só teria sentido para o s mais ricos. Um aluno confundiu Independência do Brasil com Abolição e por isso entendeu que a vida seria boa para a família, porque deixariam de ser escravos.

Quinta questão: O que eles comiam? A maioria dos alunos responderam de forma coerente e obtivemos muitas narrativas cruzadas. Em síntese, os alunos dizem que a família da “história hipotética” comeria sobras de comida, comidas produzidas na própria roça e caça. Alguns, de forma mais completa, responderam: arroz, feijão, mandioca, farofa.

Sexta questão: Qual era o trabalho deles? Também nesta pergunta, os alunos souberam responder de forma coerente, considerando que a família trabalhava na roça, em serviço manual pesado ou então, como escravos (ou seja, nada havia mudado em termos de tipo de trabalho). Nesta questão percebemos que muitos alunos fizeram questão de diferenciar o trabalho do homem e da mulher, ou então de lembrar que no enunciado, Maria estava grávida, em especial, as meninas.  Bom ressaltar que a Turma A 14 meninos e 17 meninas. E a Turma B tinha 11 meninos e 11 meninas (6 não colocaram nome): “O João era camponês e Maria não tinha emprego pois estava grávida” (Aluna 5, Turma A); “Maria trabalha com remédio caseiro. João na roça. Eles não tinham muito dinheiro para sustentar a família” (Aluna, 19, Turma A); “[o pai] trabalhava de sapateiro e a mãe lavava roupa para a família dos outros. Carlos ajudava o pai e Carmem ajudava a mãe” (Aluna 24, Turma B). A estratégia da “histórica hipotética”, como dissemos, explora a imaginação contextualizada, ou seja, os alunos não apenas respondem a pergunta, mas constroem uma “historinha”, o que foi possível perceber em quase todas as respostas de todas as perguntas. Notamos que no caso desta questão, muitos alunos (10 alunos) responderam que o pai era carteiro, provavelmente porque associaram com a criação dos correios com a vinda da coroa portuguesa ao Brasil em conteúdo histórico tratado anteriormente. Todos compreenderam que o trabalho era pesado, difícil e mau remunerado.  

Sétima questão: Como Maria teria seu filho? Três respostas apresentaram-se de forma cruzada: 29 alunos responderam que Maria teria filhos por intermédio de parteira, 23 alunos responderam que ela teria o filho em casa e duas alunas disseram que as mulheres da vizinhança ajudariam Maria: “Por uma parteira que ia em sua casa e era através de parto normal” (Aluna 9, Turma B) Apenas um aluno disse que Maria teria seu filho no hospital e um respondeu sem que pudéssemos compreender, com “raiz de café” (Aluno 1, Turma A). A Aluna 19 da Turma A, conta “detalhes” do parto de Maria: “João colocava Maria em uma cama e com uma água bem quente para ter o filho...”. Por vezes, a imaginação vai longe, mas não fica muito distante de uma possibilidade: “Ela tentou fazer uma cesariana caseira mas o BB morreu e ela pegou tétano” (Aluno 2, Turma A).

Oitava questão: Qual seria a religião da família? O índice de acertos foi maior na Turma A: 24 alunos responderam que seria a religião católica, um disse cristã, outro que não sabe e dois disseram evangélica. Na Turma B. 13 alunos disseram católicos, 10 disseram cristãos, 2 ateus e um, evangélico. Lembrando que na época da “história hipotética”, a Igreja Católica era ainda bem poderosa, apesar de ter sido desligada do Estado em 1822. Na Constituição 1824 garantia-se o princípio de liberdade religiosa, mas com algumas restrições, pois pessoas de baixa renda e que não professassem o Catolicismo Romano não poderia ocupar cargos políticos. Apenas um aluno respondeu que Maria era de uma religião de matriz africana, o que seria bem plausível para a época. Percebemos que a temática da religião é pouco disposta no livro didático e mesmo nós, sabíamos pouco sobre a mesma. Este tipo de experiência didático-pedagógica também se torna interessante ao percebermos que existem assuntos não muito presentes no ambiente escolar, para que possamos retomá-los futuramente com mais fundamentação.

Nona questão: Do que será que eles tinham medo? Quatro tipos de respostas se entrecruzaram: 12 alunos responderam “morrer de fome”, 10 responderam “pobreza”, 12 alunos responderam “de conseguir sobreviver” e 8 “do desemprego”. Na Turma B, muitos responderam “medo de revoltas e guerras”, mas não conseguimos entender esta variável. É certo que o período é perpassado por várias revoltas, isto é, as respostas não estão incorretas, porém, não sabemos explicar a diferença entre uma turma e outra.

Décima questão: Você gostaria de viver naquele tempo? Porque? Enquanto que em outras questões, as respostas nos surpreenderam por serem plausíveis em relação ao contexto histórico, as respostas quanto a esta última questão eram previsíveis: 34 alunos responderam que não viveriam naquela época “atrasada” ou “sem progresso”; 15 alunos disseram que não viveriam sem celular e/ou internet. Contudo, uma grande parte dos alunos responderam nestas e em outras narrativas que aquele tempo: as pessoas sofriam mais; tinham mais preconceito contra pobres, negros e mulheres; as pessoas não tinham chance como hoje de estudar; não havia remédios. 

Gostaríamos de finalizar ressaltando que a esta pesquisa ação nos serviu para conhecer o aluno com o qual trabalhamos, reorganizando o planejamento das regências. Aprendemos muito também com estes alunos, pois algumas respostas eram bem elaboradas. Como a resposta da Aluna 23 da Turma A, aliás a única que respondeu “sim”, que gostaria de viver naquela época, pois para ela, se você é rico, qualquer época é boa. Já o Aluno 16 da Turma B, que prefere a época da Revolução Francesa para se viver, entende que “cada época é uma época”, com seus prós e contras.

Referências:
Jean Vieira Ramos é graduando em História na Universidade Estadual de Maringá, participa do PIBID – História da Universidade Estadual de Maringá.

Márcia Elisa Teté Ramos é doutora em Educação pela Universidade Federal do Paraná, docente do curso de graduação em História na Universidade Estadual de Maringá, Coordenadora do Profhistória da mesma universidade e docente do curso de Mestrado em História Social da Universidade Estadual de Londrina.




ARRAIS, Cristiano Alencar. Imaginação histórica e pensamento mediado na obra de R. G. Collingwood. ANPUH – XXV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – Fortaleza, 2009.
COLLINGWOOD, R. G. A ideia de história. Lisboa: Editorial Presença, 1994.
COOPER, Hilary. Didáctica de la história en la educación infantil y primária. Madrid: Ediciones Morata, 2012.
MATOZZI, Ivo. “Ensinar a escrever sobre história”. História & Ensino. Londrina, v. 14, p. 07-28 ago. 2008.
MONTEIRO, Ana Maria f. C. “Entre o estranho e o familiar: o uso de analogias no ensino de história”. Caderno CEDES, n. 67, v. 25, set/dez 2005.
PELLEGRINI, Marco; DIAS, Adriana; GRINBERG, Keila. Vontade de saber. História 8º. São Paulo: FTD, 2015.
SOUZA. Dayana de. Ideias históricas de alunos de um quinto ano sobre as primeiras vivências de uma hipotética família recém liberta no pós-abolição. Monografia de Especialização. Londrina. UEL. 2012.
TOLEDO, Maria Leopoldino Tursi. Pensar a história, repensar seu ensino: por que ensinar o passado à infância brasileira? In: AMARO, Hudson Siqueira; RODRIGUES, Isabel Cristina. (Org.) 2 ed., Maringá: Eduem, 2012.

5 comentários:

  1. Regina Célia Daefiol8 de abril de 2019 às 13:11

    Oi Jean. Oi Teté. Muito interessante o artigo de vocês e o trabalho realizado com os alunos a partir da história hipotética. Minhas questões: a partir desta experiência, vocês acreditam ser possível utilizar a história hipotética como recurso do ensino de História para todas as séries do Fundamental e Médio? E pode o exercício da história hipotética auxiliar na formação da consciência histórica genética, em que a história é vista como um processo de alternância entre mudanças e permanências, numa relação estreita entre passado e presente, de forma a demonstrar aos alunos a aplicabilidade do conhecimento histórico na vida prática?
    Obrigada
    Regina Célia Daefiol

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    1. Olá! Que bom que você gostou do texto! Sua opinião é muito importante para nós. Quanto às suas dúvidas, 1) sim, é possível usar a história hipotética em qualquer ano escolar. Na história hipotética usamos a imaginação histórica para poder contextualizar uma época. Na verdade, a imaginação histórica é um conceito próprio da natureza do conhecimento histórico, portanto, o historiador utiliza também quando precisa preencher as lacunas de uma fonte histórica. Quanto mais remota a temporalidade, mais temos que usar a imaginação histórica e 2) respondendo sua segunda questão, que é interdependente da primeira, a história hipotética é um exercício de imaginação histórica que implica contextualização e empatia histórica, ou seja, como conceitos específicos do conhecimento histórico, quando mobilizados sem recair no anacronismo (imaginar aquela sociedade daquela época segundo nossa própria sociedade e época) e sem “imaginar demais” (criar versões relativistas ou pós-modernas, sem respaldo na história científica – como aquelas histórias anistóricas tipo nazismo é de direita, Ditadura Militar brasileira foi branda ou que o feminismo quer destruir a família para implantar o comunismo, etc.), constroem a consciência histórica genética porque relaciona, compara, vê semelhanças e diferenças, mudanças e permanências, processo, contexto. História hipotética não é criar uma ficção, mas usar a imaginação para construir uma história plausível.
      Esperamos ter respondido. 😊
      Abraço!!!

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    2. Regina Célia Daefiol9 de abril de 2019 às 05:35

      Com certeza, questões respondidas!! Abração pra vocês!

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  2. Oi, Jean e Márcia!

    Adorei o texto e a atividade proposta por vocês! Me peguei pensando nas potencialidades dessa história hipotética, sobretudo em relação à humanização necessária ao pleno desenvolvimento da compreensão histórica.
    Digo isso em especial pelo fato de termos passado recentemente pela tradicional discussão "golpe x revolução", no contexto que nos rememora o período da ditadura militar. Confesso saber que minhas perguntas não têm respostas fáceis, mas por considerá-las tão importantes e urgentes, as faço sempre que encontro eco: de que modos podemos fomentar a emergência da empatia a partir das aulas de história, em tempos de fake news e revisionismos fantasiosos que beiram a sandice? Como ensinar a crianças e adolescentes, por ex., que tortura não pode ser instrumento estatal? Que divergência política não justifica violação física, jurídica, psíquica, etc.? E que por mais que a história não prescinda dessa dimensão de imaginação em relação ao passado, há algo que aconteceu e que não pode ser negado?
    Enfim, mais que respostas, considero necessário mesmo é compartilhar essas reflexões pelo simples fato de não podermos nos dar ao luxo de esquecê-las.

    Forte abraço em vocês e obrigada pelo texto!
    Caroline Trapp de Queiroz

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    1. Oi, Caroline!
      Obrigada pelas perguntas, mas elas são bem complexas.
      Acreditamos que a empatia histórica só pode ocorrer por meio da metodologia própria do conhecimento histórico. Ou seja, fontes históricas que possam dimensionar um contexto histórico. sobre a tortura, por exemplo, ficamos muito tempo "passando" pelo Regime Militar destacando mais os aspectos culturais, achando que crianças e adolescentes não poderiam ter acesso à este tipo de história, mas hoje temos uma vertente que defende falar sim da "história sobrecarregada", aquela geralmente silenciada ou mesmo deturpada porque trata de temas "difíceis" e controversos. Nenhuma história pode ser negada, mesmo para o aluno de pouca idade. O conhecimento histórico é um direito e por muitas vezes o passado é sofrimento.
      Sobre empatia histórica, veja Peter Lee
      Sobre história sobrecarregada, veja Bodo Von Borries
      Desculpe-nos por não podermos responder com mais profundidade.
      Abração!

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