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“HISTÓRIA HIPOTÉTICA” COMO METODOLOGIA DE PESQUISA E DE ENSINO DA HISTÓRIA
Este texto integra uma das atividades
do PIBID (Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência), subprojeto
História da Universidade Estadual de Maringá, orientado pelo prof. Dr. José
Henrique Rollo Gonçalves e supervisionado pela prof. Adriana Alves. As
atividades foram desenvolvidas no segundo semestre de 2018, em duas turmas de
oitavos anos (uma com 32 alunos – aqui denominada Turma A –, outra com 28
alunos – chamada de Turma B –, totalizando 60 alunos) do Colégio Estadual
Juscelino Kubitschek, localizado na cidade de Maringá, PR.
Nesta escola há o Ensino Fundamental,
Ensino Médio e Ensino Técnico. As turmas envolvidas na pesquisa/ensino têm o
Ensino Integral, três aulas semanais de História. Pela observação em campo,
percebemos que os alunos integram a classe média e a classe média baixa. Usam
uniforme, tênis e mochilas considerados de marcas famosas. Muitos tem caixas de
som portáteis e grande maioria tem celular. Há um ponto de ônibus em frente à
escola, em que muitos alunos utilizam, mas também muitos pais buscam seus
filhos na escola de carro. Há no pátio da escola, mesa de pebolim e caixa de
som. A escola tem horta, sala de informática, biblioteca e gibiteca. Os alunos
têm hábito de leitura para além das exigências da escola, como: As Crônicas de
Gelo e Fogo, de autoria de George R. R. Martin e A Culpa é das Estrelas, de
John Green. Assistem séries, como: Os 13 Porquês (sucesso da Netflix em 2018)
adaptação livro do escritor Jay Asher publicado em 2007). Tanto A Culpa é das
Estrelas como Os 13 Porquês são destinados ao público juvenil e tratam de temas
densos, sendo o primeiro sobre uma menina com câncer e o segundo sobre estupro,
bullying e suicídio. O rico universo
cultural dos alunos, provavelmente associado à facilidade de acesso aos bens
culturais, bem como, as aulas ministradas anteriormente pela
professora-titular, vão incidir positivamente em suas respostas.
O tema tratado era a Independência do
Brasil e o período regencial (1831-1840). As aulas foram ministradas pensando
em um ensino de História que se voltasse para uma abordagem cultural, sem
desprestigiar os eventos políticos. Não
houve o objetivo de desqualificar a cronologia dos eventos e/ou os eventos
considerados mais importantes pela historiografia. Entretanto, a a proposta já
na primeira aula era de tratar também do cotidiano, da cultura, da situação da
mulher, situação da criança pobre, da criança rica, dos escravos e escravas,
dos alimentos que se consumiam entre outros assuntos. Neste sentido, o livro
didático adotado auxiliou bastante: Vontade
de Saber. História 8º ano, de autoria de Marco Pelegrini, Adriana Dias e
Keila Grinberg. No capítulo 8, intitulado “A independência do Brasil”, o
referido livro traz os seguintes subtítulos, abrindo a Unidade com aquarela de
Debret, Aclamação de d. Pedro I no Campo de Sant’Ana (século XIX): As relações
entre Brasil e Europa no século XX (onde fala das relações entre Portugal e
Inglaterra, Bloqueio Continental, transferência da corte portuguesa para o
Brasil); O Brasil deixa de ser colônia (sobre a interiorização da metrópole, o
Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, as revoluções e a revolução
pernambucana); Transformações no Rio de Janeiro (fala da criação de várias
instituições, como Branco do Brasil, Biblioteca Real, etc., o aumento da
população, mudança de hábitos com a presença da corte no Brasil, box com
biografia de Debret), sendo que na seção Investigação na prática, se analise
duas imagens de Debret sobre o cotidiano da cidade da época como fontes
históricas); Rio de Janeiro, a capital do Reino (com infográfico do Largo do
Paço Real, mostrando como era a realidade neste espaço no éculo XIX); A
Revolução do Porto; O conflito de interesses (partidos políticos da época, box
sobre maçonaria), A Proclamação da
Independência (sobre a independência como processo e análise do quadro de Pedro
Américo de 1888, Independência ou Morte e sobre a Biblioteca Nacional na seção
Explorando o tema) e por fim, aas atividades. No capítulo 9, intitulado A
consolidação da independência do Brasil, abre-se a Unidade com aquarela de
Debret, Vendedor de Flores e figura da bandeira do Império do Brasil, com os
seguinte subtítulos: O Brasil independente (que narra o período regencial,
inserindo uma linha do tempo); A formação do Estado nacional brasileiro (trata
das guerras pela independência, box com biografia de Lord Cochrane, seção
História em construção discutindo o significado da independência, a interação
da nação, a assembleia constituinte, a Constituição de 1824);a Confederação do
Equador; Um governo em crise (abdicação de D. Pedro I); O Brasil governado por
regentes (criação da Guarda Nacional, tendências políticas); O Levante dos
Malês (população baiana do século XIX, escravos e ex-escravos na Bahia); A
diversidade étnica dos africanos (com figura representando diversos povos); A
Cabanagem (participação popular); A Revolução Farroupilha (motivações, reações,
acordos); na seção Explorando o tema, trata das mulheres brancas e negras no
Brasil no século XIX e Atividades.
Procuramos em uma das aulas, realizar
uma atividade alternativa denominada “história hipotética”, inspirados no
trabalho de Dayana de Souza (2012). Com esta atividade, pretendemos fazer com
que o aluno recorresse à imaginação histórica, ou seja, que levantasse
hipóteses sobre como seria a vida de pessoas de determinada época e lugar.
Mesmo os historiadores mais tradicionais entendem que não há como retratar a
história como esta realmente aconteceu e que embora o ponto de partida sejam as
fontes históricas, há que interpretar estas fontes para além do que elas
indicam. Em última instância, não há como ter acesso ao que ocorreu, mas sim em
relação aquilo que poderia ter acontecido (COLLINGWOOD, 1994, p.299). O que não
significa que a “imaginação” é ficção, mas que a história, privada da
imaginação, só pode fornecer informação. As hipóteses sobre o que aconteceu
ocorrem em acordo com a plausibilidade histórica, o que Collingwood denomina de
“interpolação”. A atividade solicitada ao aluno é essa “interpolação”, ou seja,
a partir do que ele já tem como conhecimento prévio, conteúdos substantivos e
conceitos estruturais da história, obtidos pela escolarização ou pela pedagogia
informal (família, amigos, mídia, etc.), indaguei o que ele poderia falar sobre
história de Londrina, construindo ele mesmo uma história hipotética com o
auxílio do questionário. Desta forma, o aluno utilizaria a imaginação
histórica, que traduzindo, seria levantar hipóteses sobre o que aconteceu em
Londrina em determinada época e com determinados sujeitos situados
historicamente, e para isso, recorreria à sua memória. A “interpolação” parte
das fontes – aqui, nossos alunos partem do que sabem/lembram sobre a história
de Londrina e da propaganda da Companhia de Terras Norte do Paraná que
introduzi no enunciado –, e assim os alunos constroem uma história provável
segundo seus conhecimentos e/ou associações, preenchendo as lacunas através de
sua imaginação/memória. Ainda com a afirmação: "História não significa
saber que eventos se seguiram a quê. Significa transportar-se para o interior
da cabeça das outras pessoas, observando, nessa situação através dos seus
olhos, e pensar por si mesmo se a forma que a mesma foi abordada era o caminho
certo" (COLLINGWOOD, 2002, p. 57-58 apud ARRAIS, 2009, p. 5).
Coolingwood nos reporta à empatia
histórica. Peter Lee diz que poderíamos substituir a palavra “empatia” por
“compreensão”, e mais precisamente: “compreensão histórica”, que não é um
sentimento, “Embora envolva o reconhecimento de que as pessoas possuem
sentimentos” (LEE, 2003, p. 20). A empatia histórica remete à compreensão
contextualizada do Outro que viveu no passado, mas também do Outro que vive no
presente e predispõe a problematização e contextualização do Eu inserido no
mundo e na interação com outros. Porém, mais do que se colocar no lugar do
Outro, com a empatia “a nossa compreensão histórica vem da forma como sabemos
como é que as pessoas viram as coisas, sabendo o que tentaram fazer, sabendo
que sentiram os sentimentos apropriados aquela situação, sem nós próprios as
sentirmos (LEE, 2003, p. 21).
A imaginação e a empatia, apesar de
parecerem conceitos distantes da ciência histórica, nos reporta à matriz do
conhecimento histórico, qual seja, a contextualização histórica, a realidade
que cerca determinado fenômeno/acontecimento. A imaginação, a empatia, a
contextualização, são conceitos que compreendem a capacidade de “se transpor em
determinada época e lugar” para saber como viviam e pensavam. Este exercício de
criar hipóteses sobre modos de vida de outras culturas não se desprende do
presente vivido, sendo que a ideia é de realizar analogias, não anacronismos.
“As analogias são utilizadas,
freqüentemente, pelos professores como recurso para facilitar a compreensão de
conteúdos escolares, uma vez que possibilitam mediações simbólicas e
aprendizagens significativas. Nesse sentido, revelam-se recurso tentador para
superar o estranhamento dos alunos face ao desconhecido que é, por elas (analogias),
relacionado ao que lhes é familiar. Entre o científico e o senso comum,
tornam-se recursos didáticos com grande potencial para a ressignificação de
saberes e práticas, sintetizando de forma emblemática uma criação do saber
escolar” (MONTEIRO, 2005, p. 334)
As analogias, para não recair no
anacronismo, devem ser contextualizadas. Por exemplo: dissemos que no período
regencial, D. Pedro I abdicou da coroa a favor de seu filho D. Pedro II quando este
era ainda criança e que indagamos aos alunos: “Vocês acham que D. Pedro, com a
idade de vocês teria condições de governar o Brasil?” A resposta foi não.
Assim, mostramos o porquê do período regencial. Logicamente, a realidade dos
alunos não é a mesma que a de D. Pedro II naquele momento, mas a pergunta
serviu ao propósito de levar o aluno a associar a sua realidade com a realidade
passada.
Na atividade, como dissemos, os
estudantes, sujeitos desta pesquisa, foram chamados a “preencher lacunas” a
partir das informações dadas, em acordo com uma determinada demarcação
cronológica e espacial. Este procedimento permite uma transição do conhecimento
factual, do estático, para um nível mais abstrato da história, denominada por
Hilary Cooper de “imaginação dinâmica” (COOPER, 2012, p. 32-33). Os critérios
de validade da história hipotética são narrativos e experimentais, e não
quantitativos ou informacionais. Mesmo crianças dos anos iniciais de
escolarização, podem ser incitadas a usar a interpolação com as questões
propostas por Hilary Cooper: O que eu sei sobre isso (objeto, pessoa ou fato)?
O que posso imaginar sobre isso? Onde posso saber mais sobre isso? Desta forma,
em um primeiro momento recorre-se ao conhecimento prévio, no segundo momento,
às hipóteses, o que estamos chamando de imaginação histórica, e enfim, onde
pesquisar mais sobre a temática (COOPER, 2012, p. 34).
O enunciado era: “Preste atenção na
história de uma família e construa a resposta a seguir conforme você ache
possível”. Logo a seguir, em poucas linhas colocamos como dispositivo de
evocação uma história datada para que o aluno presumisse elementos do cotidiano
do contexto histórico daquele período: “João e Maria era um casal pobre que
vivia na época do Brasil pós-independência. Eles tinham dois filhos, Carlos de
13 anos e Carmem de 11 anos. Maria estava grávida do terceiro filho”. Ao
colocarmos “casal pobre” propositalmente, tínhamos em mente que este casal
poderia ser de brancos pobres ou ex-escravos.
Na primeira questão, foi indagado: Como
era a casa deles? Obtivemos da Turma B, 6 respostas que podemos considerar como
“incorretas” por não serem descontextualizadas ao não se aproximarem da
realidade da época e da Turma A, todas as respostas foram “corretas”. Como
“incorreta” podemos citar: Aluno 4 da Turma B: “Era uma casa de rico grandes espaçosas...” [Mantivemos
a grafia do aluno.] Analisando as respostas “incorretas” podemos ver que
talvez o aluno não tenha interpretado adequadamente o enunciado. Uma das
capacidades necessárias para a construção do conhecimento histórica é a da
interpretação de texto/fontes. Diz Ivo Matozzi (2008) que a construção da
História depende em saber colocar este conhecimento em narrativa e a
compreensão da História se dá por intermédio da interpretação desta.
Algumas respostas se aproximaram
bastante da realidade, como a de Aluno 1 da Turma A: “Era uma casa de madeira esburacada cheia de bicho-barbeiro”.
Nota-se que o aluno, percebendo que no enunciado a família era pobre, associou
o “bicho barbeiro”, que pode ser encontrado neste tipo de moradia. Mesma coisa
o Aluno 2 da Turma A: “Era um barraco de
pau bem simples cheio de cupim com s telhas todas quebradas” e a Aluna 23
da Turma A que comenta que “...era
simples, simples até demais, sem luz, sem água potável e sem higiene”. Vê-se
que houve atenção ao enunciado, e como se fala que a família era pobre, talvez
a associação se voltasse mais para o conceito de pobreza na atualidade.
Contudo, algumas narrativas demonstraram um esforço de contextualização
histórica, como a da Aluna 17 da Turma A, ao falar de “pratos de barro”: “A casa deles era simples e pobre, pratos de
barro, móveis baratos, não tinham coisas que não precisavam, pois até o que
precisavam não tinham”. Algumas respostas, não só em relação a esta
pergunta, serviram para o aluno mobilizar vocabulário mais complexo, como a
Aluna 9 da Turma B: “A casa delas era bem
precária, com 1 quarto ou outro”.
Segunda questão: Quando ficavam
doentes, como se tratavam? Da Turma A, obtivemos duas respostas “incorretas”,
enquanto que da Turma B, três respostas “incorretas” porque demonstravam a
dificuldade do aluno em contextualizar historicamente e duas respostas se
mostraram vagas ao dizer que “um cuidava do outro” ou “se viravam sozinhos”.
Novamente tivemos narrativas bem construídas do ponto de vista da História,
como: Aluna 21 da Turma A: “Eram
provavelmente com ervas, chás, remédios caseiros...” Apreendemos das
narrativas dos alunos duas variáveis: 1) a Turma A respondeu de forma mais
coerente e evidenciando maior vocabulário e escrita correta que a Turma B. Isso
se deve ao fato de a Turma A ter alunos sem distorção idade-série, isto é, não
havia aluno repetente, ao contrário da Turma B, com idades mais avançadas em
relação ao 8º ano escolar; 2) alguns alunos demostraram gostar de preencher o
“questionário”, inclusive desenhando, como o Aluno 4 da Turma B. Ao nosso ver,
isso pode ser relacionado ao fato de que a “história hipotética” mobilizar a
imaginação, o lúdico e também porque o desenho pode expressar o que para o
aluno é mais complicado escrever. Embora seja um instrumento de pesquisa no
nosso caso, também pode ser utilizada como instrumento de avaliação, sem
necessariamente “parecer” uma prova, e, sendo assim, acarretar mais respostas
espontâneas.
Terceira questão: Carlos e Carmem iam
para a escola? Esta questão foi a mais difícil para que eles respondessem
levando em conta o contexto histórico da época, em que tínhamos pouquíssimas
escolas públicas, mesmo assim, com acesso mínimo dos filhos de famílias pobres
(TOLEDO, 2012). Os alunos entenderam que Carlos e Carmem não iriam à escolar,
por terem que trabalhar junto com os pais (16 alunos) ou ajudando em casa (12
alunos), mas 29 alunos disseram que na época, não havia escola para pobres.
Penas dois alunos responderam de forma bem destoante: um, que eles não
estudavam, mas roubavam e outro, que estudavam e eram bons estudantes.
Quarta questão: O que será que eles
achavam da Independência do Brasil? Esta questão, solicitava atenção em relação
aos temas tratados em sala, mais condizentes com a cronologia, os eventos, as
discussões políticas (lembrando que Independência e Período Regencial, são
conteúdos históricos que remetem mais à esfera política). Dos 60 alunos, 20
responderam que a família iria gostar da Independência do Brasil, esperando a
vida melhorar. Duas categorias destas respostas são cruzadas: 18 alunos
responderam que não mudaria nada para a família porque esta era pobre e 11
alunos responderam que a independência só teria sentido para o s mais ricos. Um
aluno confundiu Independência do Brasil com Abolição e por isso entendeu que a
vida seria boa para a família, porque deixariam de ser escravos.
Quinta questão: O que eles comiam? A
maioria dos alunos responderam de forma coerente e obtivemos muitas narrativas
cruzadas. Em síntese, os alunos dizem que a família da “história hipotética”
comeria sobras de comida, comidas produzidas na própria roça e caça. Alguns, de
forma mais completa, responderam: arroz, feijão, mandioca, farofa.
Sexta questão: Qual era o trabalho
deles? Também nesta pergunta, os alunos souberam responder de forma coerente,
considerando que a família trabalhava na roça, em serviço manual pesado ou
então, como escravos (ou seja, nada havia mudado em termos de tipo de
trabalho). Nesta questão percebemos que muitos alunos fizeram questão de
diferenciar o trabalho do homem e da mulher, ou então de lembrar que no
enunciado, Maria estava grávida, em especial, as meninas. Bom ressaltar que a Turma A 14 meninos e 17
meninas. E a Turma B tinha 11 meninos e 11 meninas (6 não colocaram nome): “O João era camponês e Maria não tinha
emprego pois estava grávida” (Aluna 5, Turma A); “Maria trabalha com remédio caseiro. João na roça. Eles não tinham muito
dinheiro para sustentar a família” (Aluna, 19, Turma A); “[o pai] trabalhava de sapateiro e a mãe lavava roupa
para a família dos outros. Carlos ajudava o pai e Carmem ajudava a mãe”
(Aluna 24, Turma B). A estratégia da “histórica hipotética”, como dissemos,
explora a imaginação contextualizada, ou seja, os alunos não apenas respondem a
pergunta, mas constroem uma “historinha”, o que foi possível perceber em quase
todas as respostas de todas as perguntas. Notamos que no caso desta questão,
muitos alunos (10 alunos) responderam que o pai era carteiro, provavelmente
porque associaram com a criação dos correios com a vinda da coroa portuguesa ao
Brasil em conteúdo histórico tratado anteriormente. Todos compreenderam que o
trabalho era pesado, difícil e mau remunerado.
Sétima questão: Como Maria teria seu
filho? Três respostas apresentaram-se de forma cruzada: 29 alunos responderam
que Maria teria filhos por intermédio de parteira, 23 alunos responderam que
ela teria o filho em casa e duas alunas disseram que as mulheres da vizinhança
ajudariam Maria: “Por uma parteira que ia
em sua casa e era através de parto normal” (Aluna 9, Turma B) Apenas um
aluno disse que Maria teria seu filho no hospital e um respondeu sem que
pudéssemos compreender, com “raiz de café”
(Aluno 1, Turma A). A Aluna 19 da Turma A, conta “detalhes” do parto de Maria:
“João colocava Maria em uma cama e com
uma água bem quente para ter o filho...”. Por vezes, a imaginação vai
longe, mas não fica muito distante de uma possibilidade: “Ela tentou fazer uma cesariana caseira mas o BB morreu e ela pegou
tétano” (Aluno 2, Turma A).
Oitava questão: Qual seria a religião
da família? O índice de acertos foi maior na Turma A: 24 alunos responderam que
seria a religião católica, um disse cristã, outro que não sabe e dois disseram
evangélica. Na Turma B. 13 alunos disseram católicos, 10 disseram cristãos, 2
ateus e um, evangélico. Lembrando que na época da “história hipotética”, a
Igreja Católica era ainda bem poderosa, apesar de ter sido desligada do Estado
em 1822. Na Constituição 1824 garantia-se o princípio de liberdade religiosa,
mas com algumas restrições, pois pessoas de baixa renda e que não professassem
o Catolicismo Romano não poderia ocupar cargos políticos. Apenas um aluno
respondeu que Maria era de uma religião de matriz africana, o que seria bem
plausível para a época. Percebemos que a temática da religião é pouco disposta
no livro didático e mesmo nós, sabíamos pouco sobre a mesma. Este tipo de
experiência didático-pedagógica também se torna interessante ao percebermos que
existem assuntos não muito presentes no ambiente escolar, para que possamos
retomá-los futuramente com mais fundamentação.
Nona questão: Do que será que eles
tinham medo? Quatro tipos de respostas se entrecruzaram: 12 alunos responderam
“morrer de fome”, 10 responderam “pobreza”, 12 alunos responderam “de conseguir
sobreviver” e 8 “do desemprego”. Na Turma B, muitos responderam “medo de
revoltas e guerras”, mas não conseguimos entender esta variável. É certo que o
período é perpassado por várias revoltas, isto é, as respostas não estão
incorretas, porém, não sabemos explicar a diferença entre uma turma e outra.
Décima questão: Você gostaria de viver
naquele tempo? Porque? Enquanto que em outras questões, as respostas nos
surpreenderam por serem plausíveis em relação ao contexto histórico, as
respostas quanto a esta última questão eram previsíveis: 34 alunos responderam
que não viveriam naquela época “atrasada” ou “sem progresso”; 15 alunos
disseram que não viveriam sem celular e/ou internet. Contudo, uma grande parte
dos alunos responderam nestas e em outras narrativas que aquele tempo: as
pessoas sofriam mais; tinham mais preconceito contra pobres, negros e mulheres;
as pessoas não tinham chance como hoje de estudar; não havia remédios.
Gostaríamos de finalizar ressaltando
que a esta pesquisa ação nos serviu para conhecer o aluno com o qual trabalhamos,
reorganizando o planejamento das regências. Aprendemos muito também com estes
alunos, pois algumas respostas eram bem elaboradas. Como a resposta da Aluna 23
da Turma A, aliás a única que respondeu “sim”, que gostaria de viver naquela
época, pois para ela, se você é rico, qualquer época é boa. Já o Aluno 16 da
Turma B, que prefere a época da Revolução Francesa para se viver, entende que
“cada época é uma época”, com seus prós e contras.
Referências:
Jean Vieira Ramos é graduando em História na Universidade Estadual de Maringá, participa do PIBID – História da Universidade Estadual de Maringá.
Márcia Elisa Teté Ramos é doutora em Educação pela Universidade Federal do Paraná, docente do curso de graduação em História na Universidade Estadual de Maringá, Coordenadora do Profhistória da mesma universidade e docente do curso de Mestrado em História Social da Universidade Estadual de Londrina.
ARRAIS, Cristiano Alencar. Imaginação histórica e pensamento mediado na obra de R. G. Collingwood. ANPUH – XXV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – Fortaleza, 2009.
Márcia Elisa Teté Ramos é doutora em Educação pela Universidade Federal do Paraná, docente do curso de graduação em História na Universidade Estadual de Maringá, Coordenadora do Profhistória da mesma universidade e docente do curso de Mestrado em História Social da Universidade Estadual de Londrina.
ARRAIS, Cristiano Alencar. Imaginação histórica e pensamento mediado na obra de R. G. Collingwood. ANPUH – XXV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – Fortaleza, 2009.
COLLINGWOOD, R. G. A
ideia de história. Lisboa: Editorial Presença, 1994.
COOPER, Hilary. Didáctica de la história en la
educación infantil y primária. Madrid: Ediciones Morata, 2012.
MATOZZI,
Ivo. “Ensinar a escrever sobre história”. História
& Ensino. Londrina, v. 14, p. 07-28 ago. 2008.
MONTEIRO, Ana Maria f. C. “Entre o estranho e o familiar: o
uso de analogias no ensino de história”. Caderno
CEDES, n. 67, v. 25, set/dez 2005.
PELLEGRINI, Marco; DIAS, Adriana; GRINBERG, Keila. Vontade de saber. História 8º. São
Paulo: FTD, 2015.
SOUZA. Dayana de. Ideias históricas de
alunos de um quinto ano sobre as primeiras vivências de uma hipotética família
recém liberta no pós-abolição. Monografia de Especialização. Londrina. UEL.
2012.
TOLEDO, Maria Leopoldino Tursi. Pensar
a história, repensar seu ensino: por que ensinar o passado à infância
brasileira? In: AMARO, Hudson Siqueira; RODRIGUES, Isabel Cristina. (Org.) 2
ed., Maringá: Eduem, 2012.
Oi Jean. Oi Teté. Muito interessante o artigo de vocês e o trabalho realizado com os alunos a partir da história hipotética. Minhas questões: a partir desta experiência, vocês acreditam ser possível utilizar a história hipotética como recurso do ensino de História para todas as séries do Fundamental e Médio? E pode o exercício da história hipotética auxiliar na formação da consciência histórica genética, em que a história é vista como um processo de alternância entre mudanças e permanências, numa relação estreita entre passado e presente, de forma a demonstrar aos alunos a aplicabilidade do conhecimento histórico na vida prática?
ResponderExcluirObrigada
Regina Célia Daefiol
Olá! Que bom que você gostou do texto! Sua opinião é muito importante para nós. Quanto às suas dúvidas, 1) sim, é possível usar a história hipotética em qualquer ano escolar. Na história hipotética usamos a imaginação histórica para poder contextualizar uma época. Na verdade, a imaginação histórica é um conceito próprio da natureza do conhecimento histórico, portanto, o historiador utiliza também quando precisa preencher as lacunas de uma fonte histórica. Quanto mais remota a temporalidade, mais temos que usar a imaginação histórica e 2) respondendo sua segunda questão, que é interdependente da primeira, a história hipotética é um exercício de imaginação histórica que implica contextualização e empatia histórica, ou seja, como conceitos específicos do conhecimento histórico, quando mobilizados sem recair no anacronismo (imaginar aquela sociedade daquela época segundo nossa própria sociedade e época) e sem “imaginar demais” (criar versões relativistas ou pós-modernas, sem respaldo na história científica – como aquelas histórias anistóricas tipo nazismo é de direita, Ditadura Militar brasileira foi branda ou que o feminismo quer destruir a família para implantar o comunismo, etc.), constroem a consciência histórica genética porque relaciona, compara, vê semelhanças e diferenças, mudanças e permanências, processo, contexto. História hipotética não é criar uma ficção, mas usar a imaginação para construir uma história plausível.
ExcluirEsperamos ter respondido. 😊
Abraço!!!
Com certeza, questões respondidas!! Abração pra vocês!
ExcluirOi, Jean e Márcia!
ResponderExcluirAdorei o texto e a atividade proposta por vocês! Me peguei pensando nas potencialidades dessa história hipotética, sobretudo em relação à humanização necessária ao pleno desenvolvimento da compreensão histórica.
Digo isso em especial pelo fato de termos passado recentemente pela tradicional discussão "golpe x revolução", no contexto que nos rememora o período da ditadura militar. Confesso saber que minhas perguntas não têm respostas fáceis, mas por considerá-las tão importantes e urgentes, as faço sempre que encontro eco: de que modos podemos fomentar a emergência da empatia a partir das aulas de história, em tempos de fake news e revisionismos fantasiosos que beiram a sandice? Como ensinar a crianças e adolescentes, por ex., que tortura não pode ser instrumento estatal? Que divergência política não justifica violação física, jurídica, psíquica, etc.? E que por mais que a história não prescinda dessa dimensão de imaginação em relação ao passado, há algo que aconteceu e que não pode ser negado?
Enfim, mais que respostas, considero necessário mesmo é compartilhar essas reflexões pelo simples fato de não podermos nos dar ao luxo de esquecê-las.
Forte abraço em vocês e obrigada pelo texto!
Caroline Trapp de Queiroz
Oi, Caroline!
ExcluirObrigada pelas perguntas, mas elas são bem complexas.
Acreditamos que a empatia histórica só pode ocorrer por meio da metodologia própria do conhecimento histórico. Ou seja, fontes históricas que possam dimensionar um contexto histórico. sobre a tortura, por exemplo, ficamos muito tempo "passando" pelo Regime Militar destacando mais os aspectos culturais, achando que crianças e adolescentes não poderiam ter acesso à este tipo de história, mas hoje temos uma vertente que defende falar sim da "história sobrecarregada", aquela geralmente silenciada ou mesmo deturpada porque trata de temas "difíceis" e controversos. Nenhuma história pode ser negada, mesmo para o aluno de pouca idade. O conhecimento histórico é um direito e por muitas vezes o passado é sofrimento.
Sobre empatia histórica, veja Peter Lee
Sobre história sobrecarregada, veja Bodo Von Borries
Desculpe-nos por não podermos responder com mais profundidade.
Abração!