Uiran Gebara da Silva


AS TEMPORALIDADES DA ANTIGUIDADE E O ENSINO DE HISTÓRIA NO BRASIL


O propósito deste texto é fazer uma reflexão preliminar sobre as implicações para o Ensino de História resultantes do reconhecimento de múltiplas temporalidades na forma da História que chamamos de Antiguidade. O texto está dividido em três partes. Na primeira eu pretendo apresentar brevemente as possíveis e múltiplas temporalidades que podem ser desveladas dentro da forma Antiguidade, e problematizar este ocultamento ou subsunção causado pela nossa noção hegemônica de temporalidade, efetivada pela narrativa homogênea e linear da História Universal Eurocêntrica/ocidentalizante. Em seguida eu busco refletir sobre as possibilidades de se trabalhar essa concepção plural de temporalidades ofereceriam para o nosso currículo brasileiro, tomando como orientação algumas das propostas de competências, habilidades e conteúdos correspondentes sugeridos pelos PCNs ligados ao aprendizado da temporalidade histórica. Concluo com uma breve reflexão sobre como a Antiguidade pode auxiliar na elaboração de outras temporalidades para o Ensino de História.

I. Introdução
A Antiguidade é em geral reconhecida pelo senso comum como uma época distante da história da humanidade, uma época repleta de origens. A origem das cidades, do Estado, da Civilização, ou mesmo, para alguns, da assim chamada Civilização Ocidental. Esta ideia de “época” é uma forma de abstrair as várias faces e temporalidades das sociedades denominadas como antigas sob uma única temporalidade. O propósito desta comunicação é fazer uma reflexão preliminar sobre como o reconhecimento de múltiplas temporalidades na forma da História que chamamos de Antiguidade pode impactar o Ensino de História no Brasil.

O texto está dividido em três partes. Na primeira eu pretendo apresentar brevemente as possíveis e múltiplas temporalidades que podem ser desveladas dentro da época ou Período denominados Antiguidade, e, valendo-me do conceito de “formas da História”, busco problematizar o ocultamento ou subsunção dessas temporalidades a uma noção unitária de temporalidade que é resultante da narrativa homogênea e linear da História Universal Eurocêntrica/ocidentalizante. Num segundo momento do texto, reflito sobre a importância de se trabalhar uma perspectiva plural de temporalidades nas propostas curriculares do contexto educacional brasileiro. Aqui tomo como orientação algumas das propostas de competências, habilidades e conteúdos correspondentes ligados ao aprendizado da temporalidade histórica sugeridos pelos PCNs. Encerro com uma breve reflexão sobre as oportunidades que os conteúdos de Antiguidade oferecem para a proposição de práticas de ensino-aprendizagem que incluam essa reflexão sobre temporalidades no Ensino de História.

II. As Temporalidades da Antiguidade
1. A visão eurocêntrica/ocidentalizante
Como mencionei há pouco, nosso senso comum estabelece a Antiguidade como uma “época”. Tal perspectiva não é, porém, uma característica inerente desse tempo passado, sendo, antes, resultado da cuidadosa elaboração de grupos de intelectuais europeus ao longo de boa parte do período moderno. Nossa ideia de Antiguidade foi artificialmente construída em uma série de contextos intelectuais bastante particulares e é resultado direto da formação da consciência histórica europeia. Esse movimento se inicia com o renascimento e se seculariza com o iluminismo, mas apenas se consolida com a institucionalização da disciplina História (como um conhecimento acadêmico ou científico) no XIX, cristalizando uma visão do tempo da humanidade como linear e evolutivo, tendo como sentido e critério dessa evolução o progresso da sociedades europeias e, posteriormente, da assim chamada Civilização Ocidental. As “épocas” tem um papel importante na organização dessa visão. Elas são ao mesmo tempo etapas temporais dessa ideologia do progresso da Europa ou do Ocidente, mas também setores de especialização dentro da História Cientifica. É nestes termos que me valho da noção de “formas da História” e da ideia da Antiguidade como uma destas formas (GUARINELLO, 2003).

Como setores de especialização da disciplina, as formas organizam as fronteiras internas da disciplina e, o que é crucial, as fronteiras documentais. Há vários tipos fundamentação das “formas”: as espaciais (Atenas), as temporais (Antiguidade), as políticas (Império Romano), “étnicas” (Gregos), e até mesmo estéticas (Era Clássica). Cada uma dessas modalidades implica na criação de fronteiras documentais e de trabalho investigativo. Também por causa delas os historiadores com diferentes especializações acabam por não dialogar com estudiosos que estariam cronologicamente muito próximos de si, enquanto conversam com outros que estudam documentos oriundos de períodos mais distantes. As mais potentes e efetivas, como o leitor deve ter intuído, são as formas que organizam a nossa ideia de temporalidade linear, isto é, as etapas temporais da ideologia do progresso, ou o que Jean Chesneaux chamou de quadripartismo: Antiguidade, Idade Média, Idade Moderna e Contemporânea (CHESNEAUX, 1995). E é como estas etapas que elas mais afetam a nossa cultura histórica e o desenvolvimento de consciência histórica em contextos escolares. Pois essa visão da temporalidade é permeada pela ideologia do progresso e vincula esse progresso ao desenvolvimento de uma forma de sociedade em particular: a sociedade moderna e/ou capitalista que surgiria numa pequena pontinha do ocidente da Eurasia no século XVIII, que a partir desse momento foi capaz de pela força política e econômica dominar o resto do globo. O resultado disso é que se elege essa forma efêmera e recente de relacionamento dos seres humanos entre si e com a natureza como a forma ótima de sociedade e articula-se ela como critério de compreensão da história do mundo. A história particular e provinciana da Europa (e do Ocidente) se torna História Universal e os passados das sociedades do resto do planeta ficam subordinados aos seus encontros com essa “História Universal” – em geral na forma da subordinação política ou econômica (CHAKRABARTY, 2000).

Tal perspectiva vem sendo duramente criticada nas últimas duas décadas. A desconstrução do eurocentrismo inerente a essa concepção de temporalidade não é mais movida apenas pela acusação de alguns estudiosos ligados às áreas não europeias e não ocidentais e passou a ser assumida também por aqueles que trabalham com especializações tradicionais da história (como é o caso da História Antiga). Um dos maiores reflexos dessa desconstrução é o desenvolvimento de uma nova forma de História Global da qual um dos eixos principais é construir uma História do mundo que não seja eurocêntrica ou ocidentalizante (CONRAD, 2016). E dentro deste contexto, própria categoria de “consciência histórica”, anteriormente usada para demarcar a excepcionalidade da cultura europeia ou ocidental, vem sendo utilizada de forma mais generalista e desvinculada daquela perspectiva. Contribui para a consolidação desse uso, principalmente, as investigações sobre historiografia global que mostraram que esse desenvolvimento intelectual foi compartilhado por intelectuais ligados a sociedades e culturas imperiais em várias partes do globo (CROSSLEY, 2015; SUBRAHMANYAM, 1997).

2. As múltiplas temporalidades da e na Antiguidade
Um das maneiras de lidar com a temporalidade na Antiguidade e seu impacto no Ensino de História seria a reflexão sobre as próprias categorias de tempo e temporalidade articuladas naquele recorte (MARQUES, 2008). Eu pretendo aqui lidar com uma dimensão diferente. Assim como as formas do no quadripartismo estão associadas à temporalidade e à duração lineares da concepção de História Universal europeia, é possível relacionar cada uma daquelas “formas da História” mais restritas que se encontra dentro do estudo da Antiguidade a alguma ideia de temporalidade ou duração. Em alguns casos tais temporalidades podem ser tão artificiais quanto as das formas maiores, mas em outros, podem ser expressões da temporalidade das relações sociais que se busca recuperar a partir dos vestígios empíricos do passado.

Há nas representações modernas das sociedades da Antiguidade, portanto, diferentes tipos de temporalidades (e suas respectivas durações), associadas a diferentes fenômenos sociais (ou a projeções modernas que buscam explicar e recriar supostos fenômenos sociais antigos).

O primeiro tipo de temporalidade é a ligada aos ritmos da “Política”. As investigações e narrativas sobre a Antiguidade costumam articular-se por meio da temporalidade de seus governantes ou das formas de governos de uma entidade política (talvez a mais importante modalidade desta última seja ligada à ideia de cidade-estado). As Histórias do Egito antigo contabilizadas por meio de dinastias (GRIMAL, 2012) ou as de Atenas pela sucessão de formas de governos (FINLEY, 2002). Esta temporalidade política também tem uma modalidade integracionista, isto é, a que articula a narrativa como expressão de processos de integração em direção a unidades políticas cada vez mais amplas, uma temporalidade da “Hegemonia” ou do Império”, como se encontra nas Histórias da Mesopotâmia (GARELLI, 1982), ou do Império Romano (GRIMAL, 2011).

Outro tipo de temporalidade é a “Étnico-nacional”, cuja narrativa que expressaria o processo de desenvolvimento de um povo (LEFEVRE, 2013). Tal modalidade é altamente problemática, pois apesar de os documentos oriundos da Antiguidade apresentarem inúmeros tipos de identidades sociais que poderíamos relacionar ao conceito de “etnia” (HALL, 1997), a narrativa moderna tende a projetar sobre essas identidades a temporalidade do Estado-nacional, cujo ritmo é o de uma unidade cultural politicamente imposta, via de regra ausente na antiguidade, tome-se como exemplo a cultura grega e as ilusões a respeito de sua homogeneidade (VLASSOPOULOS, 2007).

Um terceiro tipo de temporalidade é ainda mais problemática. Essa temporalidade, que eu chamaria de “Cultural-estética”, está baseada na ideia de desenvolvimento da cultura das sociedades da Antiguidade, cultura aqui sendo entendida como produção de artefatos culturais de alto valor estético e civilizacional. A história das sociedades da antiguidade fica aqui subsumido à narrativa de seu desenvolvimento intelectual e artístico, marcada pela visão de evolução até um suposto apogeu e sua subsequente e obrigatória decadência. É a temporalidade ligada à ideia de “clássico” ou “época clássica” – ideias criadas pela obra conjunta do Renascimento e do Iluminismo europeus – que desempenham um papel inegável na visão de um excepcionalismo da Civilização Ocidental via um suposto “legado da Antiguidade” (Beercroft, 2007; Greenwood, 2016).

Uma quarta forma de temporalidade que eu chamaria de Material, parece um pouco mais próxima da realidade empírica do que a anterior, mas é tão permeada de pressupostos ideológicos quanto ela. Essa temporalidade baseia-se na observação dos diversos graus de domínio da natureza e das formas dos instrumentos e ferramentas criadas pelos ser humano, resultando numa temporalidade organizada em torno do desenvolvimento técnico nas sociedades antigas e em expressões como Idade do Bronze e Idade do Ferro (LIVERANI, 2016), ou nos Modos de Produção do marxismo (ANDERSON, 2000). Contudo, tal temporalidade foi desde o século XIX conformada pela ideologia do progresso, convertendo-se em uma concepção linear daquele desenvolvimento técnico que contaminou boa parte da historiografia sobre a Antiguidade, seja ela marxista, finleyana, rostovzeffiana, ou filiada aos Annales.

Um último tipo, que estou chamando de “temporalidades alternativas”, é em realidade um conjunto de temporalidades (contraditórias entre si) que tem menos destaque nas narrativas tradicionais sobre a Antiguidade. Uma delas abrange as temporalidades das regiões periféricas, sociedades que a historiografia não considera centrais política, econômica ou culturalmente (hicsos, núbios, fenícios, frígios, gauleses, cristãos hereges, etc.), mas que apresentam seus ritmos históricos próprios quando aparecem como coadjuvantes e resistentes na narrativa sobre as sociedades consideradas centros civilizacionais (Roma, Grécia, Egito faraônico, etc.) ou quando observadas diretamente (MATTINGLY; ALCOCK, 1997). A outra é ligada a uma visão mais global da Antiguidade, resultado de desenvolvimento recentes, que tenta reconstruir essa ideia de passado global sem se tornar refém dos pressupostos eurocêntricos, ainda incipiente e que pensa a temporalidade (ou as temporalidades) das conexões (comerciais, políticas, culturais) possíveis entre as várias sociedades antigas (GUARINELLO, 2013; HORDEN; PURCELL, 2000).

Não pretendo reinventar a roda, apenas apresentar possíveis temporalidades que podem ser inferidas a partir de representações e narrativas já existentes e que compõem o estudo da Antiguidade, há importantes implicações na existência dessas múltiplas temporalidades. Elas demonstram que sob essa forma “Antiguidade”, uma forma da História que foi projetada sobre o passado mediterrânico e mesopotâmico pelos intelectuais europeus, há uma pluralidade de temporalidades. Tais temporalidades correspondem a narrativas e histórias que não se reduzem a História Universal, mas elas ainda assim acabam sendo articuladas por pressupostos ideológicos variados que tendem a subsumi-las a algum tipo de concepção linear e evolutiva do tempo. Isto é, mesmo que nós modernos nos livrássemos da forma Antiguidade, ainda assim teríamos muitas camadas ideológicas conformando a temporalidade das sociedades do passado (as ideologias do Estado-nação, do progresso, o juízo estético). Há aí, porém, embriões de outras temporalidades, de uma história não linear e de tempos não homogêneos, vítimas da artificialidade das formas e das fronteiras disciplinares, da História como narrativa sobre os centro de poder, temporalidades que colocadas em evidência podem dar visibilidade outras histórias.

III. Os desafios da temporalidade no Ensino de História
Há, certamente, desafios , mas também grandes vantagens para o Ensino de História no Brasil ao se trabalhar a partir desta perspectiva que reconhece essa múltiplas temporalidades. Como objeto desta reflexão, eu uso as propostas de competências, habilidades e conteúdos correspondentes ao aprendizado da temporalidade histórica no Ensino Básico sugeridos pelos PCNs. Embora eu tenha consciência da distância que há entre as propostas legais neles representadas e a duradoura resistência ao seu uso da parte de professores de história, o seu papel na orientação tanto dos livros didáticos quanto dos exames do Ensino resultaram em impactos na organização dos currículos (MAGALHAES, 2006).

O tema da temporalidade de fato aparece recorrentemente nos PCNs. Nos PCNs para Ensino Fundamental está claramente expresso na descrição dos Objetivos Gerais de História Para O Ensino Fundamental, que incluem “organizar alguns repertórios histórico-culturais que lhes permitam localizar acontecimentos numa multiplicidade de tempo, de modo a formular explicações para algumas questões do presente e do passado;” e “reconhecer mudanças e permanências nas vivências humanas, presentes na sua realidade e em outras comunidades, próximas ou distantes no tempo e no espaço;” (BRASIL, 1997, p. 37). Dentre os conteúdos para o 2º ciclo do Fundamental I, encontra-se o eixo temático Organização histórica e temporal, o qual apresenta o sub-tema Organização histórica e temporal (p. 51), onde se encontram conteúdos diretamente ligados a esta reflexão. Tais incluem a uma série de propostas voltadas para a construção de habilidades e competências nesse sentido: a construção de sínteses históricas, a compreensão de calendários e medições de tempo de forma a localizar acontecimentos de curta, média e longa duração, a construção de sínteses cronológicas e a produção de linhas de tempo, todas elas tendo como propósito relacionar a história local com a história regional e a história nacional e a mundial. Há também uma densa proposta de construções de diferentes periodizações históricas, de forma a caracterizar a temporalidade de modelos econômicos, políticos e culturais, em relação a contextos locais e nacionais, comparando com os recortes cronológicos tradicionais da disciplina (p. 50-51). É importante notar que estas operações aqui foram pensadas em conexão com o aprendizado de História em nível local, regional e nacional, com ênfase no estabelecimento de conexões entre estes diferentes níveis, estando rigidamente subordinadas a uma forma “Estado-nação” da História e não tendo conexão imediata com a forma “Antiguidade” que abrange conteúdos do Fundamental II. Contudo, a demarcação nos itens anteriores da necessidade, no que diz respeito à compreensão das temporalidades históricas, do estabelecimento das relações entre história local, regional, nacional e mundial mostra que tais questões devem ser retomadas nos ciclos e etapas posteriores.

Por sua vez, no assim denominado 3º ciclo do Fundamental II, um dentre os objetivos para este ciclo retoma a reflexão sobre as temporalidades: “localizar acontecimentos no tempo, dominando padrões de medida e noções para distingui-los por critérios de anterioridade, posterioridade e simultaneidade” (BRASIL, 1998, p. 54). Aqui, ao se observar os eixos temáticos e conteúdos correspondentes, há de fato, a menção recorrente das habilidades ligadas à localização temporal. No eixo temático História Das Relações Sociais, Da Cultura E Do Trabalho, dentro do subtema As relações sociais, a natureza e a terra, há uma sequência de conteúdos que abrangem as relações entre a sociedade, a cultura e a natureza, no que é denominado “História Brasileira” (p.57-58), “História dos povos americanos” (p. 58-59) e “História de povos do mundo” (p. 59-60) em diferentes tempos. Estes conteúdos são seguidos por um item que propõe como conteúdos as diferenças, semelhanças, transformações e permanências nas relações entre a sociedade, a cultura e a natureza, ressaltando a necessidade de compreensão da temporalidade destas relações entre ser humano e natureza em diversos lugares do mundo (p. 60). Preocupações semelhantes se repetem no subtema Relações de Trabalho, que propõe a capacidade de caracterizar e analisar diferentes tipos de forma de trabalho, assim como referenciar e localizá-las cronologicamente e identificar as suas durações no tempo” (p. 62).

Por sua vez, nos PCNs para o Ensino Médio encontra-se também itens relacionados à compreensão das temporalidades (BRASIL, 2000). A competência Investigação e compreensão inclui as habilidades “relativizar as diversas concepções de tempo e as diversas formas de periodização do tempo cronológico, reconhecendo-as como construções culturais e históricas;” e “estabelecer relações entre continuidade/permanência e ruptura/transformação nos processos históricos”. Já a competência Contextualização sócio-cultural inclui as habilidades “situar as diversas produções da cultura – as linguagens, as artes, a filosofia, a religião, as ciências, as tecnologias e outras manifestações sociais – nos contextos históricos de sua constituição e significação” e “situar os momentos históricos nos diversos ritmos da duração e nas relações de sucessão e/ou de simultaneidade”. Aqui contudo, são explicitamente denominados Habilidades e Competências e apresentados desvinculados de conteúdos específicos, isto é de saberes que reflitam sujeitos, processos e relações históricas.

Como se pode ver, nas propostas de organização curricular dos três níveis de ensino aqui analisados, Fundamental I, II e Médio, a preocupação com o desenvolvimento da capacidade de compreensão da temporalidade está presente. Os parâmetros não apontam para a compreensão de uma temporalidade linear e homogênea, estritamente ligada à História Universal europeia, mas para a capacidade de reflexão, desde o início do processo formativo, sobre a dimensão da temporalidade e o reconhecimento de suas múltiplas dimensões e modalidades, com graus cada vez mais complexos e aprofundados ao longo do tempo de estudo. Isso não deveria ser surpresa pois já há um bom acúmulo intelectual no que diz respeito da necessidade de incorporar a compreensão da temporalidade no ensino de história, posicionando-se contra um ensino mais factual, o assim chamado “ensino conteudista” (BEZERRA, 2003; BITTENCOURT, 2018; BITTENCOURT; NADAI, 2009; BOVO; DEGAN, 2017; FONSECA, 2010).

Tem-se, portanto, de um lado, o reconhecimento na legislação da importância dessas capacidades e, do outro, uma forma “Antiguidade” que apresenta dentre os seus saberes correspondentes diversas oportunidades para o desenvolvimento de concepções mais plurais de temporalidade. Não só na produção acadêmica mais recente onde isso é explícito (FUNARI, 2003), mas como eu tentei mostrar aqui, mesmo a partir da historiografia tradicional de meados do século XX. A dificuldade não está nas sociedades da Antiguidade nem nas propostas legais para o currículo. Um dos desafios está, como já mencionado, nos desacertos de nossas próprias categorias culturais e na maneira colonial com a qual o Brasil olha para a Antiguidade. Há uma outra dificuldade, que corresponde a um impasse já tradicional nas discussões sobre organização curricular (e que se manifesta no cotidiano da organização dos planos e de ensino de cada professor): a oposição entre uma organização temporal ou cronológica (integrada e intercalada são temporais) ou por eixos temáticos (BITTENCOURT, 2018; FONSECA, 2010). Tal impasse, em última instância, é resultado da equiparação de uma organização curricular temporal exclusivamente com a temporalidade do quadripartismo e do não reconhecimento das possibilidade e ensino de outras temporalidades embutida na proposta por eixos temáticos. Esse impasse, certamente, é resultado daquela estruturação colonial de nossas categorias e do fato institucional e disciplinar que a temporalidade da História Universal europeia serve de infraestrutura acadêmica e escolar para a disciplina História.

IV. Conclusões
Não há repostas imediatas para esse impasse, apenas a necessidade de trabalhar na direção de construir práticas de ensino-aprendizagem que valorizem essa percepção mais rica das temporalidades e do tempo histórico. Muito embora a forma de organização da disciplina História impeça e imponha o uso do quadripartismo, na academia e na sala de aula, isso não significa que, ao mesmo tempo que ele é usado pelo professor para articular junto aos alunos concepções de temporalidades mundiais e de longa duração, não possa ser problematizado e questionado. Neste contexto, o que eu busquei apresentar aqui foi que o recorte ou forma Antiguidade, mesmo em suas representações tradicionais apresenta inúmeras oportunidades para que a reflexão sobre a coexistência de múltiplas temporalidades correspondentes a diferentes processos e sujeitos históricos. Mais do que tornar o professor refém de uma “linha do tempo” rígida e evolucionista, essa “forma da História”, exatamente porque é uma construção artificial articulada com aquela linha do tempo, guarda dentro de si inúmeras histórias e temporalidades que podem permitir desconstruir, em sala de aula, a ideia de que a temporalidade da História Universal europeia seja de fato universal e apontar na direção de categorias de temporalidades mais amplas que não tomem uma parte (Europa, Ocidente) pelo todo (o Globo).

Referências
Uiran Gebara da Silva é Professor do Departamento de História da UFRPE e membro do LEIR-MA-USP, Leitorado Antiguo (UPE) e Niep-PreK (UFF)

ANDERSON, P. Passagens da Antiguidade ao Feudalismo. São Paulo: Brasiliense, 2000.

BEZERRA, H. G. Ensino de História: Conteúdos e Conceitos Básicos. In: KARNAL, L. (Ed.). História na Sala de Aula: conceitos, práticas e propostas. São Paulo: Contexto, 2003. p. 37–48.

BITTENCOURT, C. M. F. Ensino de história: Fundamentos e métodos. 5. ed. São Paulo: Cortez Editora, 2018.

BITTENCOURT, C.; NADAI, E. Repensando a noção de tempo histórico no ensino. In: PINSKY, J. (Ed.). O ensino de história e a criação do fato. São Paulo: Editora Contexto, 2009. p. 93–120.

BOVO, C.; DEGAN, A. As temporalidades recuadas e sua contribuição para a aprendizagem histórica. Revista História Hoje, v. 6, n. 12, p. 55–76, 2017.

BRASIL, S. DE E. F. Parâmetros Curriculares Nacionais (1a a 4a Série): História e Geografia. Brasília: MEC/SEF, 1997.

BRASIL, S. DE E. F. Parâmetros Curriculares Nacionais (5a A 8a séries): História. Brasília: MEC/SEF, 1998.

BRASIL, S. DE E. F. Parâmetros Curriculares Nacionais (Ensino Médio): Ciências Humanas e suas Tecnologias. Brasília: MEC/SEF, 2000.

CHAKRABARTY, D. Provincializing Europe: Postcolonial Thought and Historical Difference. Princeton: Princeton University Press, 2000.

CHESNEAUX, J. Devemos fazer tábula rasa do passado? Sobre história e historiadores. São Paulo: Ática, 1995.

CONRAD, S. What Is Global History? Princeton: Princeton University Press, 2016.

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FINLEY, M. I. Os gregos antigos. Lisboa: Edições 70, 2002.

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FUNARI, P. P. DE A. A Renovação da História Antiga. In: KARNAL, L. (Ed.). História na Sala de Aula: conceitos, práticas e propostas. São Paulo: Contexto, 2003. p. 95–107.

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MARQUES, J. B. O Conceito de Temporalidade e sua aplicação na Historiografia Antiga. Revista de História (São Paulo), v. 158, n. 1, p. 43–65, 2008.

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VLASSOPOULOS, K. Unthinking the Greek Polis: Ancient Greek History beyond Eurocentrism. Cambridge: Cambridge University Press, 2007.

36 comentários:

  1. O ensino de história como vemos em todo decorrer do curso nos mostra nas obras a luta pela liberdade, seja cultural, social ou religiosa, mais diante da desvalorização do ensino na sala de aula com o conhecimento a ser passado, como lhe dá com com as leis que obrigam o profissional da área a se limitar as escolhas do grupo escolar(administradores) a passar somente o que lhe imposto, mesmo sabendo da necessidade da turma em termos do que é preciso passar para que os alunos possam entender os vários processos e conflitos históricos no meio social?

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    1. Olá José Hernandes,
      Acredito que se eu entendi sua pergunta corretamente, vc quer saber como lidar com as leis que limitam o professor às escolhas do grupo escolar. Bom, não são exatamente as leis maiores da educação que estabelecem essa imposição, mas a maneira com a qual elas são manifestas no nível da administração. Ou seja, é necessária uma disputa política em níveis mais locais - o que significa lidar com os pequenos poderes de gestores ou professores acomodados.

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  2. Boa tarde, um dos problemas que o campo de estudos da história antiga têm atualmente no ensino da história nas escolas é sua desvalorização até mesmo dos próprios profissionais da área, que por sua trajetória acadêmica voltada a estudos específicos, acabam por não dar tanta importância seja a Antiguidade e ao Medievo. Esses problemas poderiam ser sanados de que forma ou pelo menos amenizados? NELES MAIA DA SILVA

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    1. Este comentário foi removido pelo autor.

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    2. Olá Nelles,
      No que diz respeito à Antiguidade e ao Medievo, os professores (e também os pesquisadores) tem que se distanciar de uma concepção que vincula o sentido desse passado numa herança ocidental e procurar um sentido que presentifique tais passados para nós, permtindo uma apropriação criativa e com sentido. Isso passa por problematizar os saberes relacionados a estas duas formas da História, assim como explorar sua presença na nossa cultura histórica.

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  3. Prof. Uiran Gebara da Silva, boa tarde. Primeiramente gostaria de parabenizá-lo pela reflexão expressa neste trabalho, completamente atualizada com os caminhos e descaminhos da História Antiga e de seu Ensino em um cenário tanto nacional quanto internacional. Chamou particularmente nossa atenção a ponderação do professor acerca de como a imposição do modelo quadripartite do Ensino de História inevitavelmente nos coloca - e por "nos" falo dos professores de História e historiadores brasileiros - em uma posição de colonizados, enxergada como inferior pelos responsáveis por tal imposição - que, como o professor bem informou, são os próprios criadores e maiores beneficiários dos modelos de História baseados nestas temporalidades. Neste sentido, ao afirmar que "não há repostas imediatas para esse impasse [colonial, imbrincado em nossos currículos], apenas a necessidade de trabalhar na direção de construir práticas de ensino-aprendizagem que valorizem essa percepção mais rica das temporalidades e do tempo histórico", o senhor crê que este movimento de valorização de outras percepções históricas que não as hegemônicas - baseadas no modelo quadripartite França, Itália, Alemanha e Inglaterra - poderia gerar uma consciência histórica no brasileiro que contribuiria potencialmente para o rompimento destas relações pós-coloniais com as potências europeias? Deixamos claro que o horizonte de pergunta são os reflexos desta atitude nas média e longa durações.
    Victor Braga Gurgel

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    1. Olá Victor,
      Eu acredito de fato que o caminho seja este. O impulso de descolonização do saber implica também na descolonização da nossa compreensão da Antiguidade. Isto é produzir um conhecimento sobre o passado das sociedades desse recorte que chamamos de Antiuidade que não pertence apenas à Europa, ou ao Ocidente, mas que é um patrimônio cultural mundial. É nos apropriarmos em nossos termos desse passado, e provincianizar a interpretação europeia.

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    2. Agradeço pela esclarecedora resposta!

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  5. Prof. Uiran Gebara da Silva, boa noite! Excelente reflexão. A História Antiga sempre me fascinou, mas tenho observado que muitos colegas da área não compartilham do mesmo pensamento, acredito que isso ocorra devido ao fato de muitos deles apenas tiveram contato com um ensino linear nessa área. As práticas de ensino-aprendizagem que valorizam a percepção mais rica das temporalidades e do tempo histórico me chamou a atenção. Poderia me indicar alguns livros que valorizam essa metodologia?
    Davidson Santos de Melo.

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    1. Olá Davidson,

      Não há muitas publicações sobre isso à nossa disposição. Eu recomendaria começar pelos que mencionei no texto:
      BEZERRA, 2003; BITTENCOURT, 2018; BITTENCOURT e NADAI, 2009; BOVO; DEGAN, 2017; FONSECA, 2010.
      Eu incluiria aí também a obra Futuro Pasado de Reinhart Koselleck, que oferee um arcabouço teórico inicial importante.

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  6. Olá Uiran, boa noite! Gostei muito de suas explanações e penso que são muito atuais. Sou licenciando em História e recentemente na turma de 7° ano do meu estágio, conversamos sobre o processo de expansão árabe e a religiosidade islâmica. Teu argumento, sobre as possibilidades de se pensar as temporalidades e as pluralidades no ensino básico, se encaixa na minha prática pedagógica. Sempre tento levar a dúvida como carro-chefe da aula, seguido das várias percepções de um mesmo fato histórico. E claro, pensando a BNCC, Currículo Mínimo do Município e entre outras legislações importantes para a função. Além de toda a discussão feita por você, qual dica daria para mim, em início de carreira, no intuito de sempre trazer estas várias possibilidades das temporalidades e como inseri-las em sala de aula?
    Newton Pinto Cordeiro.

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    1. Olá Newton,
      Que ótimo que meu argumento vai ao encontro da sua prática em sala de aula. Um das coisas que temos de fazer sistematicamente (com o risco de sermos cansativos) é sempre lembrar que essas fronteiras são arbitrárias, são construções, que os antigos não se consideravam "antigos", que isso é uma invenção. No que diz respeito ao conteúdo, o uso de documentos e problematização pode abrir possibilidades para discutir em sala de aula que o tempo vivido e a temporalidade dos processos sociais não corresonde ao do quadripartismo. Um bom momento para fazer isso é ao discutir "transições" como a da Antiguidade à Idade Média, por exemplo. Outro maneira de lidar com isso seria a reflexão sobre as concepções de tempo presentes nestas outras culturas, que é um trabalho bem produtivo e que permite trabalhar material mítico e poético.

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  7. È bom saber que na disciplina História Antiga há vários tipos de formas de estudos como por exemplos os espaciais (Atenas), os políticos (Império Romano), ètnicos (Gregos) e estéticos (Era Clássica). A História da Europa é Universal e os passados das Sociedades são referências para todo o Planeta.
    Anderson Lúcio da Silva.

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    1. Olá Anderson,
      A perspectiva aqui vai em outro sentido: primeiro em desvincular a Antiguidade de seu papel ideológico na criação de um passado para a Europa; segundo ao propor que há muitas temporalidades que ficam escondidas dentro dessa caixa chamda "Antiguidade" arbitrariamente proposta pela Historiografia Europeia.
      FAzer um bom ensino de História hoje é resgatar essas temporalidades eesses espaços do sequestro perpetrado pela "Historia Universal" (que em verdade não é universal, e provinciana, porque europeia)

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  8. Professor, primeiramente eu parabenizo-lhe pelo texto, um assunto bastante pertinente e muito instigante, aprendi muito com ele.
    Penso que os historiadores selecionam, interpretam e apresentam os fatos, conferindo-lhes sentido no tempo, determinando como analisá-los, encaixando-os em uma temporalidade.
    Entretanto, será que muitos historiadores, ao fazê-lo, não agem conforme seus próprios interesses e experiências? Traduzindo a vontade de sua época e o conceito de tempo em que estão inseridos, criando temporalidades historiográficas específicas?

    Att.

    Fábio Roberto Krzysczak

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    1. Olá Fábio,
      De fato todos os historiadores fazem isso. Não há exceção. E os mais periogosos são os que dizem não fazer, alegando uma impossível neutralidade ideológica do conhecimento histórico, e o fazem ser ter consciencia de que o fazem.
      A saída para isso é a objetividade da recriação do passado em nosso discurso, mas não baseada na neutralidade, mas na explicitação e problematização de nossas próprias posições de partida. A inclusão desses pontos de partida em nossa reflexão, o que oferece transparência sobre nossa argmentação aos leitores, alunos e críticos. Isso vale para as temporalidades ou outros aspectos do passado.

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  9. Boa Noite!

    Desde já dirijo meus parabéns a você Prof. Uiran Gebara da Silva pelos seu excelente texto que aborda de forma construtiva as questões principalmente relacionadas a cerca do ensino de História do Brasil, sou professor e a cada ciclo de troca de livro didático percebo que cada vez mais os tais materiais abordam apenas de forma muito superficial a respeito do ensino de história do nosso país, alguns autores estão elaborando os materiais apenas sob a égide de suas concepções formalistas e centralizadoras e muitos dados importantes e cruciais ficam perdidos pelo caminho, é percebível que a contemporaneidade afeta de forma absurda na constatação e apresentação dos fatos passados, com isso o que poderia ser feito e quais medidas devem ser levadas em conta por estes autores no que tange a retratação correta para estes materiais?

    Bruno Cena Macedo

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    1. Olá Bruno,
      Como eu respondi ao Fábio, não há como escapar da influência do nosso tempo e das nossas posições sobre o nosso trabalho como examinadores críticos da memória social. O passado é visto a partir de mudanças nos problemas colocados pelos historiadores a partir do presente e, por causa disso, hoje se fala de grupos subalternos e identidades marginais de uma forma que até metade do século XX não se fazia. Isso é positivo, pois é resultado da concordância da produção teoricamente controlada e empiricamente embasada do passado. O que não é positivo é que haja uma regressão nestes processos e que se tente valorizar intrepretações do passado que não correspondem à documentação ou a uma concepção emancipada do ser humano.

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  10. como despertar os alunos para pesquisar e ler de maneira autônoma, para além da historia dos cronogramas escolares, que de certa forma trazem um modelo de historia Europa e Ocidente,fazendo eles buscarem sobre como historia da africa por exemplo?
    Ronildo Pontes Oliveira

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    1. Olá Ronildo,
      A única boa resposta que eu posso te dar é "oferecer para eles a oportunidade de ler mateiriais sobre esses outros passados". Isso significa diminuir o uso do livro didático se desdobrar para conseguir esses outros materiais, abrir a discussão na sala de aula e fora dela. Também, eventualmente, incluir isso nos processo de avaliação, o que nunca é o mais efetivo.

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  11. Achei o texto excelente por problematizar as diversas temporalidades, em especial o modelo quadripartite francês. Eu confesso a minha dificuldade em pensar fora desse modelo para incluir os fatos históricos ao longo do tempo,e credito tal fato a toda uma formação que sempre me remetia ao modelo e a livros didáticos que não me davam outra alternativa, embora eu saiba que o papel como professora seria fundamental para quebrar esse ciclo. A BNCC tanto para o Ensino Fundamental como para o Ensino Médio garante o Ensino de História nas diferentes temporalidades. Dessa forma, pergunto, como a formação inicial para o licenciado em História tem contribuído para a quebra do modelo quadripartite a partir dos seus currículos?

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    1. Olá Neila,
      Os PCN's e os DCN's garantem. A BNCC nem tanto. A produção da BNCC teve vários problemas e o resultado da terceira versão é bastante preocupante. Especificamente no que diz respeito às temporalidades, ela é bastante vaga e diminui a centralidade das habilidades e competências associadas a esse conceito quando comparamos a BNCC com os documentos anteriores, mais flexíveis.
      QUanto à formação do licenciado em História, acho que e certo sentido ha muitos bons cursos que oferecem pontos de partida críticos do esquema tradicional. O que eu posso dizer sobre a área de Antiguidade é que o patamar da discussão hoje em dia entre os pesquisadores não permite mais aquela visão restrita. A questão é se o licenciado tem acesso à visão mais arejada, ou é formado de acordo com perspectivas dos anos 1950. Esse também é um trabalho continuo que deve inclusive ser pensado em termos de formação continuada.

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  12. Bom dia!

    Me chamou a atenção um trecho do artigo que diz o seguinte:
    “E é como estas etapas que elas mais afetam a nossa cultura histórica e o desenvolvimento de consciência histórica em contextos escolares. Pois essa visão da temporalidade é permeada pela ideologia do progresso e vincula esse progresso ao desenvolvimento de uma forma de sociedade em particular: a sociedade moderna e/ou capitalista que surgiria numa pequena pontinha do ocidente da Eurasia no século XVIII, que a partir desse momento foi capaz de pela força política e econômica dominar o resto do globo”.

    É sabido que a discussão das grades curriculares e das práticas pedagógicas estão sempre permeadas pelo campo político, principalmente do grupo que está no poder e que tudo o que sabemos ou não sabemos é uma construção histórica. A minha questão é a seguinte: como pensar a prática pedagógica do ensino de história como libertária? Ou como relacionar os parâmetros curriculares do ensino de história com a temática de uma educação Democrática para o ensino de história?

    No mais, ótimo texto, devemos como educadores questionar o ensino tradicional, o que funciona ou não, que prejudica a aprendizagem ou não. Parabéns.

    Att,
    Sarah Nathalia Cordeiro Cim

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    1. Olá Sarah,
      Essa é a grande questão de fundo: "Ou como relacionar os parâmetros curriculares do ensino de história com a temática de uma educação Democrática para o ensino de história?"
      A nossa legislação já caminha nessa direção - Nem tanto a nova BNCC, que vai num sentido contrário, mais pela maneira descuidada e atropelada com que foi produzida do que por alguma ideologia de fundo.
      O ensino de história como prática libertária é um ensino que se orienta pela emancipação, pela autonomia, pela crítica. No atual contexto tems de protegere nossa legislação (LDB, PCNs, DCNs) e criticar essa atual BNCC que caminha num sentido contrário.
      No contexto da prática docente, acredito que apesar das péssimas condições de trabalho em que vive o professor, nosso objetivo é explorar a sala de aula como espaço de produção de conhecimento, de saberes. Nada mais autônomo e emancipador do que isso. Mas isso significa ir além das provinhas e testes conteudistas como forma de avaliação.

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  13. Professor,se tratarmos as temporalidades da Antiguidade como parte de um todo em um processo de longuíssima duração, seria possível estabelecer paralelos entre a Antiguidade e tempo presente.Com isso,seria possível aumentar a relevância do ensino da Antiguidade tanto clássica quanto oriental na base curricular de história?

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    1. Olá Filipe,
      Esse é certamente um caminho. O grande desafio neste caso é estabelecer precisamente quais seriam as características deste processo de longuíssima duração sem cair em teleologias ou retornar à ideia eurocêntrica de "legado clássico".

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  14. Inicialmente tecer o agradecimento ao trabalho pela abordagem da problemática que faz parte do contexto de estudante de graduação em licenciatura e desafios ao exercício da docência. Posto isso, minha questão está relacionada ao interesse dos discentes por leituras acerca da temática, principalmente no que diz respeito a mitologia, porém como despertar o mesmo interesse por leituras afro-brasileiras, a exemplo, a ancestralidade e raízes negras pouco vistas mesmo com a Lei 10.639/03 a partir do enfrentamento de uma história tradicional ainda vista nos materiais didáticos através do ensino da história social que valorize tais sujeitos invisibilizados fim de superar a “demonização” de suas práticas e de seus referentes?

    Att: Gabriela Grilo de Almeida Cordeiro

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    1. Olá Gabriela,
      A mitologia é um bom caminho para descobrir sociedades antigas, sejam elas do mediterrâneo, da Europa, ou da África. Para mim se trata em primeiro lugar da criação da oportunidade. Como professor de história, eu trabalho em sala de aula com muito narrativas míticas (dos povos do Mediterâneo e do antigo Oriente Próximo) do que eu gostaria. Mas tento criar oportunidades. Acho que o mesmo deve valer para as leituras ligadas à narrativas míticas africanas, área com a qual tenh pouca experiência de trabalho. Um caminho é a reflexão sobre a presença dessas temáticas na cultura e no dia a dia, principalmente na indústria cultural. Trazer isso para a sala de aula significa diferenciar essa presença na nossa cultura dos sentidos e funções nas socidades antigas. Felizmente hoje em dia há mais material para se trabalhar no que diz respeito à mitologia afro-brasileira do que mesmo há dez anos atrás. Colocar várias matrizes míticas lado a lado, comparando e problematizando as tradições pode ser frutífero também.

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  15. Boa tarde professor!

    Dentro da sala de aula, as múltiplas temporalidades são por muitas vezes deixadas de lado ou/e ignoradas, então, como trabalhar com o aluno a ideologia de temporalidades na antiguidade se ele já tem uma base, fundamentada por professores acomodados e até mesmo despreparados, de História Universal (Europeia) e positivista?

    Fernando Raiol Mareco

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    1. Olá Fernando,
      So um bom professor (ou bons alunos com autonomia) resolve os problemas gerados por professores despreparados e acomodados. Por outro lado, se já há nos alunos o desenvolvimento dessa concepção baseada na História Universal, se há essa base, há um objeto que pode ser problematizado, desconstruído e a partir do qual podemos repensar a história global. Essa base, existindo, pode e deve ser criticada.

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  16. Boa tarde professor Uiran. O tema que o senhor nos convidar a refletirmos e fascinante tanto para jovens, crianças e adultos. Aprendi muito com seu texto e fiquei ainda mais fascinado pela temática. Nas aulas de história eu procuro sempre entrar no tema a partir de uma situação atual. Partir da realidade do aluno para ensinar História significa tomar o cotidiano dos alunos como a primeira referência. Como isso pode ser feito pelo professor tendo como referencia a História antiga?
    att,
    Jorge Luis de Medeiros Bezerra/Antônio Guanacuy Moura

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    1. Olá Jorge e Antônio,
      Com a Antiguidade é bastante possível trabalhar o ensino a partir de temas atuais ou do cotidiano, visto que muito dos conteudos e saberes associados a esta área dialogam com problemas políticos e sociais do mundo moderno, como é o caso da reforma agrária romana ou tributação rural no Egito, ou são pensados a partir de categorias ali criadas, como é o caso das noções "politica" ou "república". O cuidado aí é não forçar excessivamente a compração, e lembrar que parte do nosso trabalho com a Antiguidade também é provocar o estranhamento e usá-lo para entender a alteridade dessas sociedades.

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  17. Olá, minha pergunta é necessariamente, como os professores especialistas em Antiguidades, vem lidando com essa transição cada vez maior na área em relação a pesquisa e ensino do século XX para o XXI, especialmente em universidades?

    Maria Luísa Soares Marcolino

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    1. Olá Maria Luisa,
      Eu não sei se entendi a sua questão. Acho que do ponto de vista do trabalho do especialista, a Antiguidade que ele pesquisa se tornou não mais distante, mas mais próxima do que seria o ensino no século XXI. Ela é mais interessante porque mais plural. É mais fácil então trabalhar as sociedades da Antiguidade no contexto de ensino básico quando as representações possíveis dessas sociedades são mais ricas, mais dinâmicas e mais distantes daquele tipo de história política das elites ou uma história econômica sem sujeitos que eram as faces mais visíveis da História Antiga tradicional. O outro lado do problema é como pensar essa Antiguidade arejada no contexto da formação e atualização dos professores, uma vez que essa área tende a ser subvalorizada em iniciativas nesse campo.

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