Priscilla Gontijo Leite e Victor Braga Gurgel


APROPRIAÇÕES DA TRADIÇÃO CLÁSSICA NO BRASIL E O ENSINO DE HISTÓRIA ANTIGA

 A construção do passado das nações latino-americanas se realizou a partir da experiência europeia, através de processos de média e longa duração envolvendo as relações desiguais entre as potências dominadoras e os colonizados, entre os séculos XVI e XIX. Levando isto em consideração, faremos um breve percurso histórico de como se sucedeu a imposição das culturas históricas europeias no então chamado Novo Mundo, nos focando nas apropriações da chamada Antiguidade Clássica, culminando na criação do Imperial Colégio de Pedro II, bem como em quais foram as consequências para a construção da identidade nacional brasileira. Após este momento, nos dedicaremos ao Ensino de História Antiga no Brasil a partir da análise da 3ª versão da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para o Ensino Fundamental, aprovada em dezembro de 2017. Com isso, nosso intuito é perceber como a tradição clássica foi apropriada no Brasil em diferentes momentos, especialmente nos mecanismos oficiais de educação dos séculos XIX ao XXI.

O Brasil, como todas as demais nações da América Latina, ao construir seu passado, utilizou-se largamente da experiência europeia, pretensamente universal, cujas bases se assentam na Antiguidade greco-romana. É importante salientar que esta história europeia subjugou e ainda subjuga histórias locais (Cf. Hartog, 2003, p. 115-154; Joly, 2009, p. 1). Através da história europeia, a Antiguidade, especialmente a Antiguidade Clássica, passou a fazer parte da própria história da América, tornando um elemento para a constituição da própria identidade e memória. Um exemplo evidente desse aspecto é o nome do maior estado brasileiro, o Amazonas, referência direta à mitologia grega, que foi utilizada pelos viajantes que atravessaram a região a partir do século XVI para entendê-la.  

Ademais, o processo de construção da identidade moderna dos estados latino americanos e de sua história oficial foi intrínseco a outros dois, a saber, o surgimento da História científica, em fins do século XVIII e inícios do XIX, e a criação da ideia de nação (GUARINELLO, 2003, p. 56; 2013, p. 20). Neste sentido, para compreender como se sucedeu a apropriação do passado antigo europeu pela América Latina – e pelo Brasil, concomitantemente – abordaremos de modo breve o olhar dos europeus sobre as Américas durante o período das colonizações. Através deste esforço, explanaremos como estas relações foram importantes na criação e vinculação deste passado antigo europeu às Américas, principalmente ao Brasil.

Em seguida, concentraremos a análise na realidade brasileira e explanaremos como se deu a criação do primeiro currículo escolar de História no Brasil, dentro do Imperial Colégio de Pedro II, no século XIX. A organização curricular foi importante para a manutenção da História Antiga como um conteúdo relevante a ser ensinado, apesar de várias críticas do período ao ensino do Latim, que era considerado inadequado para as habilidades que os jovens precisavam empenhar, principalmente ligadas aos ofícios técnicos e comerciais.

Por fim, analisaremos a proposta de ensino de História Antiga presente na última versão da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para o Ensino Fundamental, oficialmente em vigor desde dezembro de 2017.

A invenção de um passado a partir das relações de alteridade entre europeus e autóctones americanos – séculos XVI – XIX

José Otávio Guimarães, na apresentação da coletânea A tradição clássica e o Brasil, faz a seguinte provocação acerca dos estudos clássicos no país: “Qual seria, de fato, a importância do estudo desse mundo longínquo, no espaço e no tempo, para uma nação cuja história ‘começa’ no século XVI? (Guimarães, 2008, p. 5). O historiador responde à esta questão ao problematizar as principais críticas feitas aos estudos clássicos e à História Antiga, que concerne ao seu caráter elitista e supostamente dissonante com as questões atuais brasileiras. Nessa operação, o autor expõe as raízes das acusações a estas áreas na história recente brasileira.

Entretanto, o questionamento do helenista é uma das primeiras perguntas que muitos se colocam ao estudar a História Antiga na educação formal, seja no nível básico ou superior: afinal, para que no Brasil deveria estudar o passado dos antigos gregos e romanos? Essa questão sempre se coloca aos especialistas da Antiguidade. A partir desses questionamentos, podemos indagar como o Brasil se relaciona atualmente com a sua noção de passado antigo e qual é o papel desse passado antiquíssimo na formação do cidadão brasileira durante a educação básica.

Para compreendermos este aspecto, nos debruçaremos rapidamente no modo como a noção de passado antigo se formou, a partir das relações dos europeus com suas colônias nas Américas – entre os séculos XVI e XIX – focando-nos em como as relações de alteridade forjaram o olhar dos europeus sobre o diferente, utilizando das referências greco-romanas para trazer o novo para um domínio conhecido, um exercício de “tradução”.  Em seguida, os europeus tentaram impor este olhar aos nativos americanos. Com isso, tem-se a associação entre o passado antigo latino-americano com o passado antigo europeu.

Inicialmente, foi a partir do confronto com o outro que o francês Jean de Léry, ao falar sobre o “país da América” – em suas palavras – adjetivou de novo o mundo do outro lado do Atlântico: ao fazê-lo, estabeleceu uma relação de alteridade caracterizada pela inversão (Hartog, 2014, p. 244-45). Esta é assinalada pela tradução. Ao abordar o outro – do latim alter, de onde provém a palavra “alteridade” – aquele que o faz toma a si como referência. Ou seja, ao traduzir algo novo para os seus semelhantes, o viajante tomou a sua realidade como referência. O outro, então, ao invés de ser enxergado como um sistema diferenciado, é visto dentro do mesmo sistema do observante – porém, como inverso deste.

Cristóvão Colombo é um exemplo de inversão na tradução, pois “em suas primeiras viagens, não deixou de encontrar sereias, de informar-se sobre as amazonas e precisar, numa carta, que não havia encontrado monstros. [...] Em suma, o Novo Mundo não foi apreendido como ‘novo’, mas como uma mistura de fantástico e familiar.” (Hartog, 2003, p. 130).

Outro exemplo dessa operação encontra-se no primeiro registro por escrito do contato dos europeus portugueses com os autóctones americanos – a carta do escrivão Pero Vaz de Caminha ao então rei D. Manuel I (1469 – 1521). Nela, os indígenas são apresentados como “inocentes”, “gente boa e de boa simplicidade”, gente sem nenhuma crença; como tábulas rasas, onde “imprimir-se-á ligeiramente neles qualquer cunho, que lhes quiserem dar”; e como povos não alcançados pela “salvação” judaico-cristã, ao contrário dos portugueses (CAMINHA, 1500, p. 12; 13 – 14).

Também encontramos isso em André Thévet que, com a ajuda do bacharel em medicina e tradutor Mathurin Héret, em 1557 publica Les singularités de la France antarctique, livro em que expõe os relatos de sua viagem ao Brasil. Nesta obra, há várias comparações dos “selvagens do Brasil” e seus modos de lutar com o dos antigos. O recurso a eles, então, era utilizado para se referir aos confins (as lendas das sereias e dos seres míticos habitantes do Atlântico). Com o desbravamento dos mares, e o encontro com povos totalmente diferentes, este recurso é utilizado para enquadrar e dominar ideologicamente os selvagens, descrevendo-os de modo que façam algum tipo de sentido para os europeus. Como exemplo, “as práticas guerreiras, funerárias e outras dos selvagens vieram a ser relacionadas não mais ou não só com as dos citas, mas também com as dos espartanos ou dos romanos”. (Hartog, 2003, p. 131). Advinda desta ideia, surgiu a equivalência entre o afastamento espacial e o temporal. A distância temporal entre os antigos e os modernos seria então transposta ao atravessar o Atlântico.

Desde a chegada dos europeus às Américas amplia-se o interesse em dominar os nativos, envolvendo teólogos, filósofos e políticos. Na parte da América Espanhola, a Coroa tinha uma dificuldade de justificar a dominação indígena, aspecto que foi resolvido pela Escola de Salamanca, o que evidencia que a tarefa de pensar o índio esteve então nas mãos de intelectuais, que nunca tiveram contato com quaisquer autóctones (Hartog, 2003, p. 131). Para tanto, eles utilizaram a comparação dos nativos americanos com os povos da Antiguidade Clássica, bem como obras da Antiguidade para justificar a dominação em suas facetas mais terríveis, como o genocídio e a escravidão de vários povos. Um exemplo, é o uso de A Política de Aristóteles e sua teoria da escravidão por natureza, para legitimar a escravização dos indígenas. Nesse processo, universitários, intelectuais e teólogos atualizam a classificação do indígena, através de uma generalização em que “os índios são vistos como escravos por natureza, aos quais, portanto, era legítimo dar senhores” (Hartog, 2003, p. 132). Porém, com o passar do tempo, as descobertas dos europeus de civilizações nas Américas extremamente desenvolvidas, como o império Inca, os Maias e os Astecas, colocaram por terra tais considerações, uma vez que não se podia negar o grande grau de complexidade destas civilizações, totalmente capazes de gerir a si mesmas.

A escola de Salamanca novamente entra em cena, e, entre 1520-30, cunham uma nova classificação dos indígenas. A partir da exegese do jus naturae, de São Tomás de Aquino, se dá a passagem da teoria da escravidão por natureza à teoria da infância. Atos como canibalismo, sacrifícios humanos, sodomia, por exemplo, eram vistos como atitudes de povos ainda em seu princípio – isto, vale salientar, a partir da visão eurocêntrica da história linear, dada a influência da visão judaico-cristã do tempo. Este, conforme o seu passar, seria o responsável por civilizá-los. De novo, tal elemento separando os selvagens dos modernos, e os comparando com os antigos, pois, na visão dos europeus, eles estariam vivendo em um outro tempo. Desta forma, a Coroa Espanhola tinha o dever e a responsabilidade de educar os índios, trazendo-os para o tempo da civilização.

Com o passar do tempo, as configurações do saber se alteram na Europa dos séculos XVII e XVIII e isso repercute na forma como os nativos são vistos. François Lafitau, missionário jesuíta, publica em 1724 Moeurs des sauvages amériquains compares aux moeurs des premiers temps. Na época em que esta obra foi lançada, já não era mais necessário justificar a colonização. Por esta razão, a comparação empregada pelo autor não tinha esse objetivo. Por outro lado, buscava encontrar, nos hábitos e costumes dos autóctones, vestígios da Antiguidade, pois Lafitau defendia a ideia de que os nativos americanos tinham sido, em um passado remoto, testemunhas diretas dos antigos (Hartog, 2003, p. 136 – 138).

Já em um período posterior, Joseph-Marie de Gérando, em Les considérations sur les méthodes à suivre dans l’observation des peuples sauvages (1800), introduz a ideia da observação dos autóctones como monumentos das origens dos tempos (Hartog, 2003, p. 134 – 138). O diferencial na visão de De Gérando é que este não buscava, com a sua observação, atingir os antigos. Ele pensava que seria inútil o papel imposto aos indígenas de mediador dos antigos. Para o pensador, o contato com os nativos americanos era encarado como “avanço em direção às origens da humanidade” (Hartog, 2003 p. 136), um tempo muito mais afastado de nosso atual estágio do que a Antiguidade.

Portanto, ao longo dos séculos XVI até o XIX, o indígena sempre foi observado de diversas maneiras e a Antiguidade teve um papel importante na categorização dele não apenas como diferente do europeu, mas inferior. No século XVI, este foi visto como exótico, possuidor de uma diferença radical em relação aos europeus. A distância física foi associada, então, à distância temporal. Neste caso, a Antiguidade auxiliou a construção de sua imagem pelos europeus, que a utilizaram para traduzir através da inversão os nativos americanos. No século XVII esta visão é reforçada pelos pensadores, época em que a conquista e a colonização se efetivam. É durante o século XVIII, então, que a imagem do indígena é atrelada à Antiguidade de uma maneira mais intensa. Este é, assim, visto como um testemunho direto, em tempos remotos, dos antigos, possuindo vestígios deste passado. No século XIX, finalmente, foram enxergados como o símbolo da liberdade, buscando-se através deste argumento contrapor os modos de governo baseados na Antiguidade – como a democracia e a república, por exemplo. Os índios seriam teoricamente os mais livres dos seres humanos. Mais livres que os antigos, cuja noção de liberdade baseava-se na participação dos cidadãos na política. Mais livres que os modernos, que tinham nesta noção a ideia de liberdade civil ou individual (Hartog, 2003, p. 145).

O ensino de História Antiga e a construção da noção de brasilidade: séculos XIX a XXI

É justamente nesse contexto de mudanças do século XIX, em que não apenas a visão sobre o indígena se altera, mas tem-se no Brasil a constituição de um projeto de brasilidade, que as artes e a educação passam a ter um papel importante, recebendo subsídios do Estado. É nesse cenário que se tem a criação do Imperial Colégio de Pedro II, em 1837. Seu pioneirismo no estabelecimento de um currículo seriado no Brasil, com grande ênfase na tradição clássica; a criação da disciplina escolar História no ensino secundário público, bem como a centralidade da mesma na elaboração deste currículo (Penna, 2008, p. 67), são considerados por nós fundamentais no plano governamental de difusão de uma noção de passado comum do povo brasileiro.

A base do currículo do Imperial Colégio de Pedro II era o currículo francês (Penna, 2008, p. 67). A disciplina escolar História foi influenciada pelos modelos das nações europeias, tendo como principal modelo também a França. Como não se tinha nenhum material preparado quando da inauguração do Colégio, “importou-se” livros europeus, especialmente os franceses, que eram traduzidos pelos professores e disponibilizados para seus alunos. Assim, a História seguia o modelo quadripartite francês, com uma grande ênfase no começo na História Antiga, principalmente na história romana, como indica o próprio nome da cadeira História Antiga e Romana, inaugurada em 1838. Um ano depois, em 1839, abre-se uma turma do 5º ano, tendo em sua grade a cadeira de História Romana. Nota-se, deste modo, que as elites brasileiras consideravam importante o ensino da história romana, principalmente dos aspectos políticos relacionados com a república e especialmente a fase política do Império.

Somente em 1840 a cadeira foi renomeada para História Geral e História da Pátria, com a ênfase maior ao passado do Brasil (Penna, 2008, p. 73). Esse fato é significativo por demonstrar o papel do ensino de História Antiga na trajetória do Brasil, além de nos permitir ver a consideração que as elites possuíam em relação a esse conteúdo, enxergado como fundamental para a formação de seus jovens.

Dessa forma, a tradição clássica, aqui constituída pelo ensino de História Antiga e também do Latim, esteve presente de forma central no currículo do Colégio desde a sua fundação até meados da década de 1870. O modelo de História presente neste recorte era caracterizado por uma narrativa acrítica, que não problematizava as suas fontes. Este quadro só sofreu alterações a partir de 1870. Deste período até o encerramento da instituição em 1889, a Antiguidade passam a receber menor atenção, sendo considerada apenas mais um período da História. (Penna, 2008, p. 77).

O currículo do Imperial Colégio de Pedro II, incluindo a inserção em maior ou menor medida dos conteúdos da Antiguidade, demonstra um projeto consciente das elites brasileiras e de seu governo, durante o século XIX, em “ocidentalizar” a História e a memória brasileira, trazendo a marca da civilidade (Guarinello, 2003, p. 48 – 49; 2013, p.7). Dessa maneira, assim como nos séculos passados, a Antiguidade serve ao propósito de ligar o Novo Mundo ao Velho Continente. Nos tornamos ocidentais por carregar várias marcas da herança da Antiguidade: somos cristãos, falamos uma língua latina, vivemos hoje numa democracia e muito da nossa cultura escrita se baseia nos clássicos antigos (Guarinello, 2013, p. 13). Dessa forma,

“sem nos darmos conta, para o bem e para o mal, a História Antiga nos ocidentaliza. Coloca-nos numa linha do tempo, nos posiciona na História mundial como herdeiros do Oriente Próximo, da Grécia e de Roma. Por ela, viramos sucessores da História Medieval, e a História do Brasil se torna um ramo da História europeia nos tempos modernos, quando nosso território foi colonizado pelos portugueses a partir do século XVI” (Guarinello, 2013, p. 13).
        
Essa mesma estrutura linear de perceber o tempo permanece ao longo de todo o século XX, época em que a História Antiga é vista como um ponto de partida da História da Humanidade e seus conteúdos são ensinados nas séries iniciais na educação básica. A disposição dos conteúdos nessa linearidade não é restrita ao ensino básico, alcançando também o ensino superior, em que a disciplina de História Antiga é ministrada no primeiro ano de formação – com a criação do primeiro curso de História no Brasil na Universidade de São Paulo em 1934. É neste período que, de maneira tímida, se iniciam as pesquisas acadêmicas brasileiras no âmbito da História Antiga.

A partir do golpe que implantou a Ditadura Civil-Militar em 1964, as disciplinas e as investigações na área passam a refletir o caráter de controle ideológico característico do período, através de uma narrativa histórica factual e positivista, não apresentando uma análise efetiva dos processos históricos. Por esta razão, “toda uma geração de estudantes e professores formará seus conhecimentos históricos e perpetuará através de suas produções essa historiografia” (Silva & Gonçalves, 2015, p. 5).

Durante o processo de finalização da Ditadura na década de 1980, ocorreu intenso debate no Brasil acerca dos objetivos da disciplina História, bem como do seu ensino. Nesse período, a História Antiga passa a dialogar intensamente com as teorias sociais e filosóficas de então, renovando seus fundamentos teórico-metodológicos e há também criação da SBEC (Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos), importante para divulgar e incentivar os trabalhos na área (Gurgel, 2018, p. 18).

No decorrer do século XX e XXI, a História Antiga se consolidou como uma área de pesquisa forte, com a presença de especialistas em universidades públicas e privadas em todas as regiões do Brasil (Gurgel, 2018, p. 16-20). Esse avanço nas pesquisas, contudo, chegou de forma tímida na educação básica, como pode-se perceber pelos livros didáticos. Eles são o principal recurso didático dos professores, mas infelizmente, com relação a História Antiga, ainda apresentam simplificações, generalizações, anacronismos, juízos de valor e uma perspectiva que trata a Antiguidade como exótica e distante da realidade dos alunos (Leite, 2016, p. 1315-1317). Além disso, têm grande importância na difusão das visões de História presentes no seio da sociedade brasileira, que privilegia uma visão linear e progressista da História em que as sociedades do passado seriam mais “atrasadas” do que às de agora. Salientamos também que a produção do livro didático passa por diversos agentes, e refletem escolhas norteadoras de determinados valores, muitas vezes mercadológicos.

Como atestam Silva & Gonçalves (2015, p. 10), os principais problemas dos livros didáticos relativos aos conteúdos da Antiguidade estão na apresentação de uma narrativa baseada numa linha do tempo, utilização de conceitos ultrapassados – como classes sociais – bem como num suposto determinismo geográfico. Como saída para esta problemática, sugerem uma intervenção mais direta do professor de História, através da utilização de fontes históricas durante as aulas, perspectiva com a qual concordamos.
        
A educação básica atualmente está passando por modificações com o estabelecimento de uma Base Nacional Curricular Comum (BNCC), que prevê que 60% dos conteúdos ficariam a cargo de um programa nacional destacado na Base e 40% sob a responsabilidade os estados e municípios para contemplar a realidade plural do país, e a Reforma do Ensino Médio – MP nº 746 de 16 de fevereiro de 2017 (Leite, 2017, p. 13-14).
        
As discussões a respeito da BNCC são anteriores à 2015, mas nesse ano ganham maior peso com a divulgação da primeira versão para o Ensino Fundamental e Médio. Um dos principais pontos de crítica é a retirada dos conteúdos de História Antiga e Medieval da BNCC (Leite, 2016, 2017; Frizzo 2016; Gurgel, 2018). Depois de várias polêmicas, uma segunda versão é divulgada em 2016, e finalmente, em 2017 a terceira versão da BNCC é aprovada (Resolução CNE/CP Nº 2, de 22 de dezembro de 2017), trazendo apenas diretrizes de ensino do Infantil e do Ensino Fundamental, deixando de fora o Ensino Médio – que seria regulamentado por um documento cuja previsão de lançamento é no ano de 2019.
        
Portanto, atualmente o ensino de História Antiga na educação básica está regulamentado pela BNCC, que restringe o ensino desses conteúdos ao 6º Ano, momento em que os alunos estão começando a desenvolver o raciocínio histórico.
Ensino de História Antiga no Brasil na atualidade: perspectivas a partir da 3ª versão da Base Nacional Comum Curricular (BNCC)
        
A 3ª versão da BNCC ainda mantém a Antiguidade em um viés eurocêntrico, além de ainda adotar o modelo quadripartite francês – Antiguidade, Idade Média, Idade Moderna, Idade Contemporânea –, que reforça esta visão (BRASIL, 2017, p. 371, 373, 375, 377 e 379 – 381). Tal perceptiva é negativa para um ensino de história crítico, pois muitas vezes constrói uma visão linear e progressiva da História em que as sociedades industrializadas europeias estariam no topo. A consequência direta disso na sociedade brasileira, em que há vários povos que não estão inseridos num processo industrial, é considerá-los como atrasados. Assim, a História promoveria a construção de estereótipos ao invés de fomentar o ensino da alteridade, algo que a História Antiga pode possibilitar, ao promover o estudo de povos tão distantes no tempo e no espaço.

Ainda deve-se destacar a falta de conceptualização da “Antiguidade”, ou a “noção de antigo”. Assim lemos a Habilidade de História do 6º ano do Ensino Fundamental, (EF06HI06): “Discutir o conceito de Antiguidade Clássica, seu alcance e limite na tradição ocidental, assim como os impactos sobre outras sociedades e culturas” (BRASIL, 2017, p. 371). Consideramos válida a ideia de discutir a Antiguidade Clássica nas nuances apresentadas, uma vez que esta foi e é importante na formação da identidade do cidadão brasileiro e latino-americano, ao integrá-lo ao mundo ocidental. Entretanto, o que hoje se entende por “Antiguidade Clássica” provém de uma noção de “antigo”, inventada e cristalizada pelo Ocidente durante o Renascimento, o que dificilmente será possível discutir com estudantes do 6º ano, pelo próprio estágio de aprendizagem em que cada um se encontra. Além disso, a não retomada dos conteúdos sobre a Antiguidade nos anos seguintes restringe a discussão a respeito dos impactos da herança da Antiguidade na formação do Brasil – como foi apresentado com o impacto dos textos clássicos a respeito dos indígenas durante o período colonial.

Finalmente, tendo isso em vista, um ponto interessante seria inserir a crítica à noção de “antigo” durante o ensino do tema “Renascimento”. Na Base, este se encontra nos conteúdos do 7º ano, na Unidade Temática Humanismos, Renascimentos e o Novo Mundo. Algum objeto de conhecimento relacionado com a invenção da noção de “antigo” poderia muito bem ser aí incluído. Desta forma, o estudante poderia compreender mais profundamente aspectos considerados naturais em sua visão de mundo e cotidiano, mas que foram histórica e socialmente construídos. A ideia do que é “antigo” é um destes aspectos.
        
A disposição dos conteúdos na BNCC pode levar o aluno a perceber a Antiguidade como uma etapa superada, já que se constrói uma visão linear e progressiva do tempo. Portanto, isso impediria o aluno de perceber como a Antiguidade sempre esteve presente no horizonte político e cultural do Ocidente, e especialmente no Brasil, como foi apresentado nas duas primeiras partes do texto.

Nessa versão da BNCC, o estudo da Antiguidade inicia-se com Egito e Mesopotâmia sempre na perspectiva de contraponto com a Antiguidade Clássica – como indica a habilidade (EF06HI05) “identificar aspectos e formas de registro das sociedades antigas na África, no Oriente e nas Américas, distinguindo alguns significados presentes na cultura material e na tradição oral dessas sociedades.” Assim, parece que os povos da África, Oriente e das Américas servem apenas de preparação para entender o Ocidente, sendo que a construção de “Nós” e os “Outros” se dá por critérios civilizacionais e progressistas.

Os conteúdos a respeito de Grécia e Roma apresentam uma forte perspectiva política e economicista, como indicam as unidades temáticas “Lógicas de organização política” e “Trabalho e formas de organização social e cultural” (Brasil, 2017, p. 370). Concentra-se no estudo da pólis e nas fases da história política de Roma e nesse ponto ainda é muito semelhante ao currículo do Imperial Colégio de Pedro II, em que se tem um grande destaque a História Política da Antiguidade Clássica.

Também podemos notar avanços na proposta como a inclusão da habilidade EF06HI12 (“Descrever as dinâmicas de circulação de pessoas, produtos e culturas no Mediterrâneo e seu significado”) que reforça o ensino dos processos de integração no Mundo Mediterrâneo, objeto de estudo em diferentes grupos de pesquisa no Brasil. Desta forma, notamos uma diferença em relação à primeira versão da Base, que desconsiderou os projetos de pesquisa em História desenvolvidos no país (Leite, 2016, p. 1314). Outro exemplo de avanço é a inclusão da temática das mulheres, como demonstra o item EF06HI16: “Descrever e analisar os diferentes papéis sociais das mulheres no mundo antigo e nas sociedades medievais”.

Os pontos de avanço da BNCC ainda recebem maior destaque se realizarmos um paralelo entre a terceira versão com as anteriores no que respeita à História Antiga. A primeira versão não contava com nenhum conteúdo programático relativo à História Antiga e à História Medieval, ficando estes totalmente a cargo dos 40% dos conteúdos cuja responsabilidade é dos estados e municípios. Já a segunda introduz estas temáticas, porém, não faz nenhuma menção específica ao Oriente Antigo – nem mesmo de seus povos mais estudados, como é o caso do Egito Antigo e os povos da Mesopotâmia (Gurgel, 2018, p. 20).

Apesar destas constatações, a partir da terceira versão da BNCC nota-se que ela não conseguiu absolver as críticas apresentadas pelos especialistas na área de História Antiga, pois mantém um modelo que privilegia uma divisão temporal tripartida que vai do Oriente (com o destaque da Mesopotâmia e do Egito) para o Ocidente (Grécia e Roma), ainda muito forte nos livros didáticos. Tal perspectiva auxilia na criação de uma imagem progressista da História, em que o auge seria o sistema capitalista.

Considerações finais

Nesse percurso, nota-se que a Antiguidade sempre esteve presente na construção da memória e da identidade nacional, servindo sobretudo para enquadrar o Brasil nas sociedades ocidentais. O grande desafio hoje é conseguir fazer com que esses conteúdos sejam apresentados como “significativos” na formação dos cidadãos, e não como algo pertencente ao campo do exótico ou dos primórdios da humanidade.

Se no século XIX, o ensino de História Antiga gozava de grande prestígio por causa do Imperial Colégio de Pedro II, nota-se que no século XX e XXI essa área do saber se consolidou como um campo de pesquisa forte, formando pesquisadores de grande qualidade e produzindo uma diversidade de materiais que podem ser encontrados nas várias revistas científicas da área e que também são apresentados nos muitos eventos científicos que acontecem no país. Assim, a História Antiga hoje é muito mais crítica do que já foi, e permite também ao brasileiro conhecer sua realidade e refletir sobre o mundo em que está inserido. Além disso, conhecer a Antiguidade ajuda a entender o processo de difusão de uma ideia de brasilidade pensada pelos governos e pelas elites brasileiras do século XIX, bem como uma das facetas do processo de dominação indígena durante o período colonial.

Pensar o ensino de História Antiga é refletir sobre os processos de construção da identidade e da memória nacional, uma vez que a escola é o espaço crucial para a produção e reprodução da memória, pois é

“Por meio dos currículos obrigatórios e dos livros didáticos, [que] instituições estatais e privadas influenciam de modo decisivo a memória social de todos os brasileiros, não apenas dando sentido e unidade à História da nação brasileira, mas também inserindo-a no contexto bem mais amplo da História mundial” (Guarinello, 2013, p. 10, adendo nosso)

Dessa forma, o ensino de História Antiga é de grande importância na educação básica, pois é capaz de dotar o cidadão em formação de mecanismos que possibilitem a reflexão sobre o processo de construção de sua própria identidade, além de promover o exercício da alteridade e o reconhecimento da pluralidade de cultural, tão importantes para promover a tolerância.

Entretanto, como todo conhecimento é produto social e historicamente produzido, o seu processo de produção e difusão está incluso nos jogos de poder. Quanto ao conhecimento acadêmico da Antiguidade, isto não seria diferente. “É legítimo – e necessário – escolher certos aspectos da Antiguidade que podem nos interessar, servir de fonte e reflexão e até mesmo, por vezes, de inspiração.” (Dabdab Trabulsi, 2017, p. 30). Cabe aos historiadores, então, estar atentos à estas mudanças e escolhas feitas pelos poderes estabelecidos no que tange a sua área, sempre criticando e expondo à sociedade as formas, sutis ou não, empregadas para deslegitimar direitos democráticos e liberdades tão arduamente conquistados.

Particularmente, cremos que o Ensino de História Antiga é capaz de dotar o cidadão brasileiro de criticidade frente à Nova Ordem Mundial, em que o capital exerce a sua hegemonia. Desta forma, ele permite ao estudante desnaturalizar este processo de dominação, em que uma de suas mais fortes bases está em sua pretensa origem na Antiguidade.

A produção historiográfica brasileira acerca da Antiguidade, por partir de um contexto geopolítico de terceiro mundo, faz com que a visão dos historiadores brasileiros sobre a Mundo Antigo traga à tona características comumente não notadas pelo eixo central dos estudos clássicos na Europa – França, Inglaterra, Alemanha e Itália (Bonfá, 2016, p. 29). Por esta razão, deveria haver um maior diálogo por parte dos redatores da Base com os historiadores especialistas em Antiguidade.

Por esta razão, cremos que as interferências que se buscaram realizar no ensino oficial de História devem ser feitas com cuidado, pois esse conteúdo é capaz de dotar o cidadão de um olhar crítico frente à conjuntura política brasileira e internacional. Assim, a retirado dos conteúdos de História Antiga na educação básica deve ser vista com reservas, pois há um sério risco de que esse conhecimento, antes reservado apenas à elite (Funari; Silva; Martins, 2008, p. 9), voltar a pertencer unicamente a ela, e, ao invés de ser utilizado para criticar o status quo das classes dominantes, serviria para legitimá-los.

Por fim, os processos particulares de formação da civilização brasileira permitem com que o seu olhar para o Mundo Antigo perceba fatores mais desconectados de influências europeias muito fortes, gerando decerto contribuições para a área. Como nos orienta Guarinello (2003, p. 58), projetarmos as nossas preocupações do presente no passado antigo pode, assim, render bons frutos. E, acima de tudo, que tenhamos ânimo para os desafios vindouros que atravessaremos, sempre utilizando do conhecimento histórico – inclusive aquele da Antiguidade – para criticar e deslegitimar poderes antidemocráticos.

Referências

Priscilla Gontijo Leite é professora Adjunta de História Antiga da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).

Victor Braga Gurgel é mestrando em História pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB).


BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2017.

BRASIL. RESOLUÇÃO CNE / CP Nº 2, DE 22 DE DEZEMBRO DE 2017. In: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=79631-rcp002-17-pdf&category_slug=dezembro-2017-pdf&Itemid=30192>. Acesso em janeiro de 2019.

BONFÁ, Douglas Cerdeira. “Antiguidade, Identidade e Usos do Passado”. In: Revista Est. Fil. E Hist. da Antiguidade, Campinas, nº 30, jan-dez 2016, p. 11 – 32.

CAMINHA, Pero Vaz de. Carta de Pero Vaz de Caminha. Rio de Janeiro: Ministério da Cultura – Fundação Biblioteca Nacional. Departamento Nacional do Livro, s/d. Disponível em <http://objdigital.bn.br/Acervo_Digital/Livros_eletronicos/carta.pdf > Acesso em janeiro de 2019.

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PENNA, Fernando de Araújo. “A importância da tradição clássica no nascimento da disciplina escolar História no Imperial Colégio de Pedro II”. In. CHEVITARESE, André Leonardo; CORNELLI, Gabriele; SILVA, Maria Aparecida de Oliveira (Orgs.). A tradição clássica e o Brasil. Brasília: Archai – UnB/FORTIUM, 2008, p. 67 – 79.

SILVA, Lisiana L. T. & GONÇALVES, Jussemar W. “O Ensino de História Antiga: algumas reflexões”. In: Anais do XVIII Simpósio Nacional de História, v. 28. Florianópolis: 2015, p. 1 – 15.


44 comentários:

  1. Eu gostaria de saber se na opinião de vocês o ensino de Antiguidade seria melhor aproveitado pelo aluno do ensino médio, devido a maturidade, para que se aproveite melhor os métodos de ensino, como vocês mencionam, de levar fontes para a sala e instigá-los a investivegar tais fontes? Ou ja abordar tais atividades no Ensino Fundamental II?
    Julia Mahamut Garcia

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    1. Este comentário foi removido pelo autor.

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    2. Primeiramente, agradecemos pela pergunta. Cremos que um estudante do Fundamental II - mais especificamente do 6º ano, primeiro ano em que os conteúdos de Antiguidade são ministrados, conforme estabelecido pela 3ª versão da reforma da BNCC 2017 - tem total capacidade de compreender as fontes antigas, dentro de seus limites, evidentemente. Cabe ao professor de História trabalhar estas fontes - sejam textos, imagens, esculturas, construções, etc. - de uma forma que faça sentido para a sua visão de mundo. É digno de nota que tal prática deve ser realizada em todos os níveis de Ensino. Quanto a exemplos concretos do Ensino de História Antiga no Fundamental II, temos os trabalhos do prof. Guilherme Moerbeck, da UERJ. Ele publicou, recentemente, interessantes artigos acerca de sua experiência como docente no ensino básico público do Rio de Janeiro, em que realizou oficinas que trabalharam a História Antiga com estudantes do Fundamental II. Recomendamos a leitura de "Clivagens sociais e relações étnico-raciais: um estudo sobre a Consciência Histórica nos 7º e 8º anos do Ensino Fundamental"; "Campo acadêmico, História Antiga e Ensino: comentários em torno do presente e do futuro de uma área" e "Uma longa jornada da cidade antiga à contemporânea: escola, memória e cotidiano", todos de sua autoria. Os textos podem ser facilmente encontrados em PDF na internet. Ademais, também acreditamos - em ressonância com a bibliografia citada - que o Ensino de História, seja qual for o recorte temático ou cronológico trabalhado, só impacta efetivamente o estudante - seja ele do nível médio ou não - através da apresentação de fontes históricas, uma vez que só assim ele será capaz de solidificar uma consciência histórica (na perspectiva do historiador Jörn Rüsen). No entanto, a escolha por fazê-lo recai sobre o professor. Além disso, caso este decida por tal modalidade de ensino, a própria escolha das fontes a serem trabalhadas direcionará a sua perspectiva histórica. Isto não torna o professor refém das fontes e das narrativas hegemônicas europeizantes, muito pelo contrário: cabe ao professor de História decidir como trabalhá-las, se a partir de uma visão que legitima uma narrativa histórica da Antiguidade hegemônica, baseada no passado europeu como Universal; ou se através de uma crítica ao modo em que estas próprias fontes foram utilizadas pelos historiadores, tanto no passado quanto no presente, para legitimar esta visão linear da História. Estamos cientes das dificuldades para a aplicação desta visão, uma vez que a cultura escolar é complexa, e movida por diversas forças, nem sempre em consonância com os interesses do Ensino das disciplinas que constituem o currículo da Educação Básica. Entretanto, não perdemos o otimismo frente a uma melhora neste sentido, se houver esforço coletivo dos professores de História. Esta é, por fim, a nossa opinião.
      Victor Braga Gurgel

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  2. A globalização obedece à lógica do capital, que enquanto tal não respeita as necessidades e muito menos os direitos dos povos. Apenas as elites conectadas se privilegiam com as novas tendências da economia mundial. Populações inteiras são, muitas vezes, excluídas. Na América Latina, o desmonte do Estado-Nação é orquestrado de modo a acentuar ainda mais a dependência econômica e a desnacionalização das mais diversas riquezas, desde aquelas ligadas ao subsolo até as empresas estatais. O fim do Estado-nação significa, sobretudo uma transferência
    de patrimônio ao capital internacional. Ao se globalizar, ou ao ser privatizado o conhecimento científico deixa de ser um patrimônio científico e cultural no sentido de ser um espaço em que a América Latina com suas contradições poderiam expressar sua identidade e defender seus interesses coletivos, expressos na superação da desigualdade social e na emancipação econômica, política e cultural da maioria de seus habitantes. Com isso, a maior parte da população latino-americana fica cada vez mais expropriada, empobrecida, e incapaz de reagir ao imperialismo expresso na globalização.

    Diante disso, como o ensino da História pode ser repassado aos alunos afim de torna-los seres capazes de mudar essa realidade futuramente?

    Att, Aparecida Maria Bernardo Matos.

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    1. Muito obrigado pela excelente pergunta. A História, enquanto área do conhecimento, juntamente com o seu Ensino, pode ser capaz de despertar aquilo que Jörn Rüsen chama de "consciência histórica", que corresponde à conscientização de um sujeito de sua participação na História, bem como do lugar que o próprio ocupa nas dinâmicas historicamente influenciadas. Neste sentido, o Ensino de História ocupa um papel central, uma vez que ele, mesmo não sendo o único formador daquilo que chamamos de consciência histórica, é a única linguagem capaz de gerar reflexões de caráter histórico mais dotadoras de criticidade frente às diversas realidades em que o sujeito se encontra inserido. Como bem afirma Rüsen, “a reflexão humana sobre a história (inclusive na ciência da história) tem por finalidade obter um conhecimento histórico com o qual se pode situar qualquer um no processo do tempo.” (RÜSEN, 2001, p. 12).

      Tanto a globalização quanto a lógica do capital são historicamente explicadas e construídas. Dada a complexidade destes dois fatores, cremos ser o Ensino de História profícuo ao lançar as bases para que o estudante critique como estes dois elementos estão presentes em sua vida. As narrativas históricas, ao mostrarem como se sucederam os processos que levaram a realidades específicas, mostram que eles não possuem caráter determinista. Assim, o Ensino de História tem um papel central na formação deste senso crítico, frente à Nova Ordem Mundial, onde o capitalismo e a globalização andam de mãos dadas em seu caráter subjugador - seja ele cultural, econômico e político.

      No caso de nosso estudo, tentamos demonstrar como a História Antiga, enquanto área do conhecimento, foi desde sempre e ainda é utilizada como mantenedora desta dominação - dada que surgiu na Europa, atendendo inicialmente a interesses puramente europeus - e como nós, professores de História e historiadores brasileiros e latino-americanos, podemos utilizar desta sua característica para criticá-la. Ou seja, usando o próprio sistema para mostrar a sua construção de caráter dominador, e, assim, gerar uma consciência histórica no estudante acerca das influências que a Antiguidade possui em sua vida e no mundo ao seu redor. Para que a Antiguidade não seja utilizada somente como instrumento de dominação, mas também de libertação.

      Por fim, quanto às mudanças de realidade, devemos levar em consideração as durações em que tais mudanças se processam. O Ensino de História é empoderador no sentido que explicamos, e como tal, tanto em escala individual como coletiva, é transformador por essência. Exortamos, assim, os professores de História a tentarem se atualizar o máximo referente às suas condições, bem como a terem consciência da grande importância de seu papel em uma sociedade pós-colonial como a brasileira, que continua enfrentando dominações estrangeiras de toda a espécie.

      Referência:
      RÜSEN, Jörn. Razão histórica: teoria da história: fundamentos da ciência histórica. Tradução de Estevão de Rezende Martins. Brasília: Editora da UnB, 2001.

      Victor Braga Gurgel

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  3. O Brasil ao construir o seu passado utilizou-se de experiência Européia, tendo como base a Antiguidade Greco-romana. Um exemplo prático é o Estado do Brasil o Amazonas sendo que a Antiguidade serve para ligar O Novo Mundo ao Velho Continente tornando-nos Ocidentais por termos como herança:o cristianismo, a democracia etc...
    Anderson Lúcio da Silva.

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  4. Gostaria de saber sua opinião sobre o seguinte fato: o que sobrou desse currículo francês no nosso ensino de História? Ou a nossa base curricular atual ainda está de acordo com os ideais e objetivos do currículo francês do início do Colégio de D. Pedro II?

    Eder Wilker Soares dos Santos

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    1. Eder,
      A principal continuidade da perspectiva francesa no nosso currículo é temporalidade: a divisão quadripartite (Antiga, Medieval, Moderna e Contemporânea). Acrescenta-se a isso a divisão tripartite da História Antiga (Oriente, Grécia e Roma). Infelizmente, a BNCC não conseguiu avançar sobre essa divisão temporal da Antiguidade e por isso pode promover alguns esteriótipos, como levar o aluno acreditar que o Oriente é mais atrasado que o Ocidente. Para evitar isso o papel do professor é fundamental.
      A respeito da segunda questão, é mais proveitoso realizar reflexões comparando a BNCC com a LDB. Nesse sentindo, notamos o esforço da BNCC para promover uma educação cidadã, mesmo que em alguns aspectos, tenha adotado uma postura mais conservadora.

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    2. Eder,
      A principal continuidade da perspectiva francesa no nosso currículo é temporalidade: a divisão quadripartite (Antiga, Medieval, Moderna e Contemporânea). Acrescenta-se a isso a divisão tripartite da História Antiga (Oriente, Grécia e Roma). Infelizmente, a BNCC não conseguiu avançar sobre essa divisão temporal da Antiguidade e por isso pode promover alguns esteriótipos, como levar o aluno acreditar que o Oriente é mais atrasado que o Ocidente. Para evitar isso o papel do professor é fundamental.
      A respeito da segunda questão, é mais proveitoso realizar reflexões comparando a BNCC com a LDB. Nesse sentindo, notamos o esforço da BNCC para promover uma educação cidadã, mesmo que em alguns aspectos, tenha adotado uma postura mais conservadora.
      Priscilla Gontijo Leite

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  5. Parabéns pelo texto.
    Guarinello é uma ótima referência. Com ele é possível refletir sobre a significativa importância das culturas orientais nas trajetórias históricas das culturas ocidentais, inclusive greco-romanas. O papel histórico, por exemplo, do mar Mediterrâneo, como conector cultural. Nesse, sentido, gostaria de fazer uma provocação (se me permitem): Como inscrever a Amazônia como condição de possibilidade para uma História Antiga do Brasil?

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  6. Parabéns pelo texto.
    Guarinello é uma ótima referência. Com ele é possível refletir sobre a significativa importância das culturas orientais nas trajetórias históricas das culturas ocidentais, inclusive greco-romanas. O papel histórico, por exemplo, do mar Mediterrâneo, como conector cultural. Nesse, sentido, gostaria de fazer uma provocação (se me permitem): Como inscrever a Amazônia como condição de possibilidade para uma História Antiga do Brasil?
    Arcângelo da Silva Ferreira.

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    1. Arcângelo agradeço a intervenção e sua colocação é pertinente e se fez presente em vários debates da BNCC desde 2015: afinal como definir o que é história regional e história do Brasil? Devemos lembrar que segundo a proposta 60% dos conteúdos seriam definidos na BNCC e os outros 40% por estados e municípios para respeitar a diversidade brasileira. Nesse sentido, acreditamos que a problematização do conceito de "História Antiga" pode contribuir para o debate, promovendo a reflexão se esse conceito pode ser aplicado ou não no Brasil e por que o termo "História Antiga no Brasil" não é tão usual.
      Sobre isso, recomendo a entrevista do historiador Eduardo Góes Neves, que debate sobre a ocupação do território antes da presença dos europeus.

      https://www.youtube.com/watch?v=v3Tg-z6q97Q

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    2. Obrigado pelas considerações e indicação da entrevista.

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    3. Arcângelo agradeço a intervenção e sua colocação é pertinente e se fez presente em vários debates da BNCC desde 2015: afinal como definir o que é história regional e história do Brasil? Devemos lembrar que segundo a proposta 60% dos conteúdos seriam definidos na BNCC e os outros 40% por estados e municípios para respeitar a diversidade brasileira. Nesse sentido, acreditamos que a problematização do conceito de "História Antiga" pode contribuir para o debate, promovendo a reflexão se esse conceito pode ser aplicado ou não no Brasil e por que o termo "História Antiga no Brasil" não é tão usual.
      Sobre isso, recomendo a entrevista do historiador Eduardo Góes Neves, que debate sobre a ocupação do território antes da presença dos europeus.

      https://www.youtube.com/watch?v=v3Tg-z6q97Q

      Priscilla Gontijo Leite

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  7. Muito obrigada pela resposta, e mais ainda pela recomendação dos artigos do professor Guilherme Moerbeck, irei procurar o pdf e me aprofundar melhor no assunto. Mais uma vez obrigada :D
    Julia Mahamut Garcia

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  8. Primeiramente parabéns pelo trabalho , gostaria de saber a opinião de vocês sobre as dificuldades da apresentação do conteúdo por parte do professor do ensino básico, tendo em vista que o livro didático é de certa forma pobre de informações sobre História Antiga , tanto no ensino fundamental como médio . Como vocês já citam a afirmação de Silvia e Gonçalves sobre os problemas e a utilização de fontes históricas para além do livro didático, quais as fontes utilizadas vocês julgam de fundamental importância ? E a relevância que as mesmas podem trazer para a aprendizagem do aluno ?
    (Maria do Carmo Rodrigues do Nascimento)

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  9. Maria do Carmo,
    as fontes são de grande importância para o ensino de qualquer conteúdo de História. No caso da Antiguidade Clássica, infelizmente, ainda não temos uma grande quantidade de fontes traduzidas para o português. Porém isso não impede de utilizar fontes escritas e arqueológicas na sala de aula. Para o uso de fontes arqueológicas, por exemplo, temos o acervo de fotos do grupo de pesquisa Imagens da Antiguidade Clássica (http://iac.fflch.usp.br/imagines), que traz todas as referências e informações em português. Além disso, nos principais museus do mundo é possível fazer o download de imagens e informações sobre as fontes arqueológicas. A respeito das fontes textuais há diversos projetos de tradução das fontes antigas e algumas iniciativas para o uso dessas fontes na educação básica, como é o caso do Projeto Prolicen Vocabulário Político da Antiguidade (UFPB). Para ter acesso a essas fontes escritas fique atento as publicações das revistas acadêmicas e também aos sites dos grupos de pesquisa.

    Sobre sua segunda pergunta: as fontes são essenciais para desconstruir esteriótipos dos alunos que, em muitos casos, são provenientes de filmes e jogos. Assim, acreditamos que as fontes aproximam a Antiguidade para o aluno, deixando de ser um lugar distante e mágico.
    Até breve,
    Priscilla Gontijo Leite

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  10. Diante da problemática da escolha do livro didático, como produzir livros inteiramente relevantes á nossa cultura local?

    SUELY COSTA MOURA

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  11. Cara Suely,
    Essa problemática é objeto de estudo de inúmeras pesquisas. Antes de responder sua pergunta, considero válido ponderar a respeito do papel (e do peso) do livro didático na prática do professor. Quais os motivos para priorizar o livro didático no lugar de outros materiais? Dificilmente os aspectos mais detalhados da História local serão abordados num livro didático, mesmo aqueles elaborados numa perspectiva mais regional. Por isso é importante que o professor elabore seus próprios materiais de acordo com as especificidades que encontra inserido. Para tanto é necessário uma melhoria na carreia docente, para que o professor tenha tempo para produzir seu próprio material, e acesso a formação continuada.
    Portanto, acho que a resposta para sua pergunta está na atuação do professor e não na elaboração do livro didático.
    Até breve,
    Priscilla Gontijo Leite.

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  12. Primeiramente gostaria de parabenizar os autores por excelentes raciocínios esclarecedores e contundentes. De que forma, porém, é possível trabalhar com as fontes e desenvolver nos anos que antecedem o fundamental II, um raciocínio interpretativo da História em suas temporalidades diversas no Antigo Egito, por exemplo, civilização que comumente é vista como exótica e misteriosa?
    Viviane Roza de Lima

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    1. Viviane,

      Agradeço pela sua pergunta. Em relação ao Ensino do Antigo Egito, a quantidade de fontes que pode ser trabalhada pelo professor é imensa. Como exemplo, citamos filmes, como "Cleópatra" (1963); "A Múmia" (1999); elementos muito presentes na mentalidade dos brasileiros, como as pirâmides, obeliscos, múmias - e tudo aquilo estudado pela Egiptomania; textos mágico-religiosos, a exemplo do "Grande Hino à Aton", do Período Armaniano; iconografias de templos e complexos funerários em geral; a própria escrita hieroglífica em seus mais variados estágios.

      Seria interessante também que o professor partisse da própria visão dos estudantes do Egito como algo exótico e misterioso para tentar aproximar a História do Antigo Egito de suas realidades. A partir dos elementos trazidos à tona pelos próprios estudantes, o docente poderia demonstrar a visão histórica dos mesmos, o que contribui para o aumento do interesse dos discentes, e os dota de uma compreensão do Antigo Egito mais baseada na historiografia e na Egiptologia.

      Porém, estes são só alguns caminhos que podem ser tomados, sendo utilizados como exemplos que mostram a possibilidade de trabalhar o Egito de uma maneira leve e até mesmo lúdica, de acordo com a realidade dos estudantes. Fica sob a responsabilidade do professor, por fim, escolher como trabalhar este recorte temático e geográfico, tendo sempre o cuidado em criticar os pontos de vista comuns e redutores da Antiguidade de uma maneira geral.

      Até breve,
      Victor Braga Gurgel

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    2. Obrigada pela resposta. Me questiono pois são matérias que devido a grade pertinente do período letivo a ser cumprido, são civilizações que costumam serem trabalhadas em pouquíssimo tempo em contraste com outras, tais como Grécia e Roma. Grata por tais sugestões e ouso pedir alguma referência para que eu possa melhor explorar tais formas de abordagem em sala de aula.

      Att.
      Viviane Roza de Lima

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    3. Olá Viviane,
      Você já conhece a página do Leitorado Antigo no Facebook? É uma ótima página para encontrar material para preparar as aulas, pois todas as fotos possuem legenda e indicação de onde o artefato está. Abaixo segue o link da galeria de fotos do Egito e Ensinando História antiga.

      https://www.facebook.com/pg/leitorado.antiguo/photos/?tab=album&album_id=1579834728968927

      https://www.facebook.com/pg/leitorado.antiguo/photos/?tab=album&album_id=1609994722619594



      Até logo,
      Priscilla Gontijo Leite.

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  13. Em pleno século XXI, em meio ao grande avanço da tecnologia. Quais atitudes os docentes de História, devem ter, para atrair a atenção dos alunos sobre as temáticas relacionadas a historiografia da História Antiga?
    Pois, sabemos que muitos ao imaginar o passado, acham que foi uma época "atrasada" e nao se interessam em compreender acerca da construção histórica de seus povos.

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    1. Alvanir Ivaneide Alves da Silva
      Observação: Esqueci de assinar meu nome na postagem a cima.

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    2. Ivaneide,
      Acreditamos que o melhor caminho é considerar a tecnologia uma aliada e principalmente desenvolver ações que possibilitem aos alunos uma postura crítica diante das tecnologias. Uma forma fácil de fazer isso em sala de aula, é através de análises de jogos e filmes que tratam da Antiguidade e que muitas vezes já fazem parte do repertório do aluno. A partir disso, demonstrar os anacronismos dessas produções, bem como o trabalho do historiador nessa área. Há diversos planos de aulas prontos a respeito de produções como Hércules, Espartaco e Gladiador. Também há vários outros recursos tecnológicos interessantes, como as reconstituições em 3D, que avançaram muito nos últimos anos. Recomendo o site https://www.altair4.com/en/, que tem vários vídeos sobre as cidades da Antiguidade. Também recomendo o site do Laboratório de Arqueológica Romana Provincial (http://www.larp.mae.usp.br/) que tem vários aplicativos específicos para o estudo da Roma Antiga. Você encontra também maquetes digitais no site do Laboratório de Estudos da Cidade Antiga (http://labeca.mae.usp.br/pt-br/). Dessa forma, já está disponível na internet vários materiais produzidos por pesquisadores brasileiros e estrangeiros. Cabe ao professor selecionar aquilo que atende as suas especificidades.

      Até breve,
      Priscilla Gontijo Leite.

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    3. Obrigada pela resposta!
      E agradeço as sugestões de conteúdos, para o aprimoramento de meus conhecimentos.
      Abraço!
      Alvanir Ivaneide Alves da Silva

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  14. Os escravos negros dos seculos XVI ate XIX também não tiveram um papel importantes assim como os índios?
    HEINZ DITMAR NYLAND

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    1. Heinz,
      Ambos tem importância fundamental e portanto quisemos demonstrar que, infelizmente, o repertório da Antiguidade foi utilizado para justificar sua dominação.
      Priscilla Gontijo Leite.

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  15. Dentro dessa visão classista da história,pode-se inserir o Brasil na história ocidental como herdeiro indireto da Antiguidade através de Portugal;em detrimento da própria antiguidade dos povos americanos.Hoje,w luz de todas as descobertas arqueológicas e históricas a respeito dos povos nativo-americanos,como estabelecer no dia a dia do professor de história novos parâmetros que instaurem essa antiguidade nativa a sua devida importância?
    (Filipe Richter de Melo)

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    1. Filipe,

      Devemos ser cuidadosos quanto às relativizações radicais na História, e em sua escrita.

      Primeiramente, frisamos que o Brasil esteve e ainda está inserido nas dinâmicas europeias de poder - a partir de uma visão classicista da História ou não. A Antiguidade foi apenas um dos aspectos utilizados para atingir este fim. Os Estudos Clássicos e da História Antiga em geral apenas demonstram, de uma maneira crítica, como se sucederam estas dominações, a partir da Antiguidade e dos Usos do Passado.

      Quanto à sua segunda pergunta, não consideramos válida a busca por uma pretensa "antiguidade dos autóctones" na América Latina, justamente porque ela carrega consigo as mesmas categorias europeias que fazem referência a esta antiguidade grega e romana, que tanto gostaria de se livrar. Até porque, como bem afirma Guimarães (2008, p. 6), esta premissa carrega consigo certas correntes etnológicas, que só nos lembram que a Etnologia é um fruto do Ocidente - e de Heródoto.

      Já em relação ao Ensino de História dos Autóctones, há uma corrente da Antropologia, Etnologia e da História dedicadas unicamente à esta questão - dada a sua importância e complexidade -, possuindo um lugar próprio na BNCC, sem esta busca europeizante por uma "antiguidade nativa".

      Referência:
      GUIMARÃES, Jose Otávio. “Apresentação – Reatualizar a tradição clássica”. In: CHEVITARESE, André Leonardo; CORNELLI, Gabriele; SILVA, Maria Aparecida de Oliveira (Orgs.). A tradição clássica e o Brasil. Brasília: Archai – UnB/FORTIUM, 2008, p. 5 – 13.

      Até breve,
      Victor Braga Gurgel

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  16. Diante do que fora falado sobre as versões da BNCC, ainda temos uma dificuldade na criticidade aos conteúdos que legitimam esses poderes eurocêntricos, elitistas e antidemocráticos que apesar de serem considerados por nossos alunos como "distantes", nos faz muito refletir sobre nossa conjuntura política advinda de anos desse modo. Portanto, como eu, enquanto professora (em formação) de História, poderia usar de estratégias para uma aproximação do presente dos meus alunos com a Antiguidade, através de vieses que não fossem pautados somente na política/economia, mas, observando processos sobre as minorias (ainda não tão visíveis no LDH). Como poderia articular isso para uma aula?

    Daniele Shirley Sobral de Melo

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    1. Daniele,
      Agradeço sua pergunta e já antecipo afirmando que não há uma única resposta, pois tudo dependerá da realidade de sua sala de aula. Contudo, independentemente da realidade que esteja inserida – com mais ou menos recursos a sua disposição – o primeiro passo para realizar uma boa aula é pesquisa sobre o tema.
      Sobre como abordar as minorias na Antiguidade, há o site do grupo de Pesquisa Subalternos e Populares na Antiguidade (https://subalternosblog.wixsite.com) em que você encontrará material de seu interesse. Além disso, temos o jogo “Vipasca Antiga”, desenvolvido por pesquisadores brasileiros, em que o protagonista é uma pessoa comum andando pela cidade mineradora romana em Portugal. Com esse jogo é possível trabalhar vários assuntos relacionados a Roma, como por exemplo sua expansão. Também há materiais interessantes nos links que recomendei em posts anteriores.
      De toda forma, valorizar o trabalho humano, principalmente na Antiguidade, é fundamental para aproximá-la do aluno, para que ela não fica no campo do exótico e mágico, muitas vezes exagerado nos filmes. Sobre o trabalho na Antiguidade, recomendo o livro de Ciro Flamarion Cardoso “Trabalho Compulsório na Antiguidade” que reúne várias fontes sobre esse tema.
      Até breve,
      Priscilla Gontijo Leite.

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    2. Desde já agradeço pelas recomendações.

      Daniele Shirley.

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  17. Pelos colonos europeus utilizarem a antiguidade durante os séculos XVI à XIX, para enquadra as civilizações latinas americanas e justificar a colonização, a noção de história antiga americana e a construção da memória nacionalista não estaria fundamentada e bases falseadas e manipuladoras, por utilizarem a história antiga para a ocidentalização das Américas?

    Fernando Raiol Mareco

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    1. Fernando,

      Procuramos demonstrar estas bases falsas no presente estudo. Entretanto, pela mesma razão que elas existem, não podemos ignorar a presença da tradição cultural europeia na construção da identidade histórica e intelectual brasileira e sul-americana (GUIMARÃES, 2008, p. 6). O estudo crítico da História Antiga - que caracteriza a historiografia brasileira atual - desnuda estes aspectos manipuladores, sendo inegável que os mesmos façam parte da nossa história, estando presentes em nosso dia a dia nas mais variadas formas.

      A História Antiga estudada no Brasil e na América Latina possui, então, como particularidade, este crítica à manipulação afirmada por você em sua pergunta.

      Referência:

      GUIMARÃES, Jose Otávio. “Apresentação – Reatualizar a tradição clássica”. In: CHEVITARESE, André Leonardo; CORNELLI, Gabriele; SILVA, Maria Aparecida de Oliveira (Orgs.). A tradição clássica e o Brasil. Brasília: Archai – UnB/FORTIUM, 2008, p. 5 – 13.

      Até breve,
      Victor Braga Gurgel

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    2. Muito obrigado professor, e parabéns pelo texto.

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  18. JESSICA MONTEIRO VIANA DE ANDRADE11 de abril de 2019 às 15:16

    Em meio a experiências, percebi que trabalhar a história antiga em sala de aula é muito mais complexo para os alunos do que as outras "idades". Qual a sua opnião sobre essa questão?

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    1. Jessica,

      A Antiguidade tem suas especificidades, como por exemplo longas temporalidades. A dificuldade com a História Antiga se relaciona com a própria dificuldade do aluno em lidar com as temporalidades, vendo muitas vezes o passado como uma massa amorfa. Infelizmente a forma como é abordada na educação básica faz com que se perpetue preconceitos. O artigo de Renata Rodrigues demonstra como alunos no ensino superior ainda chegam na sala de aula repleto de noções distorcidas sobre a Antiguidade.
      Tratar a Antiguidade como sendo exótica, mágica e distante apenas reforça esses preconceitos. Por isso, para um ensino eficiente, o aluno deve perceber que a Antiguidade faz parte do horizonte cultural e político do mundo Ocidental, com repercussões até mesmo no Brasil. Para tanto, os conteúdos sobre a Antiguidade devem ser retomados e relacionados em vários momentos do ensino. No nosso texto, demonstramos como a Antiguidade se fez presente no processo de dominação colonial, algo que ainda não é muito trabalhado.
      Att,

      Priscilla Gontijo Leite.

      Ref. Rodrigues, Renata Cardoso Belleboni. Reflexões no ensino da História Antiga. Revista NUPEM. V. 4, n.7, 2012, p. 25-36.

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  19. Boa noite, achei muito interessante seu trabalho.
    O que vocês pensam sobre a ideia da exclusão da História Antiga do currículo para aumentar o tempo para história do Brasil e da América Latina ?

    Tiago Tormes Souza

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    1. Tiago,
      A exclusão da História Antiga e Medieval fez parte apenas da 1ª versão da BNCC e recebeu inúmeras críticas, pois retirava do formação do cidadão esse conhecimento que, entre outras coisas, é fundamental para entender a formação política e cultural das sociedades ocidentais.
      A versão aprovada para o ensino fundamental (3ª versão) já inclui os conteúdos de Antiga e Medieval.
      Para mais detalhes sobre esse debate e a crítica sobre a retirada de História Antiga, recomendo o dossiê da revista Mare Nostrum e especialmente meu artigo "Ensino de História, reformas do ensino e percepções da Antiguidade: apontamentos a partir da atual conjuntura brasileira" em que aprofundo nessas discussões.

      Mare nostrum V. n. 8
      https://www.revistas.usp.br/marenostrum/issue/view/10208

      Priscilla Gontijo Leite

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  20. A maior parte dos livros didáticos parecem excluir a presença dos indígenas brasileiros e até mesmo da América Latina após abordarmos a escravização do africano. Ainda assim, o pouco que vemos nestes livros sobre os índios os coloca de forma parecida com a visão de Bartolomeu de las Casas: uma visão de um índio ingenuo e livre, e que precisa de uma figura paterna para lhe guiar. De que maneira podemos trazer tais temáticas para dentro da sala de aula, abordando a América Latina e seus povos, em um recorte pré-colonização, e em que idade acreditam que esta temática possa ser abordada.
    Vitor Augusto Simionato Tozo

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    1. Vitor,

      Como bem notado por você, esta visão pitoresca e idealizada do indígena brasileiro nos livros didáticos não faz sentido frente à realidade. Muito interessante a sua colocação, uma vez que a construção desta imagem esteve muito atrelada ao processo de colonização utilizando a Antiguidade como um dos elementos para legitimar a dominação sobre os indígenas.

      O século XIX foi central na construção dessas visões acerca do indígena, pautadas no Mundo Antigo. Como exemplos, o estudo de Varnhagen de 1876, intitulado "L ’Origine Touranienne des Américains TupiCaribes et des Anciens Égyptiens, Montrée Principalement par la Philologie Comparée, et Notice d'une Ancienne Migration en Amérique, Invasion du Brésil par les Tupis." É interessante notar que neste estudo, o pensador e diplomata brasileiro tenta demonstrar, através de uma filologia comparada entre o tupi e a escrita egípcia antiga, como os autóctones brasileiros estavam próximos dos egípcios antigos: uma evidência da ideia apresentada em nosso estudo, da associação da distância espacial entre a Europa e as Américas com a distância temporal entre os europeus e os seus "antigos".

      Em 1857, antes deste estudo, José de Alencar lançava "O Guarani", em que retrata o indígena com ideais do guerreiro clássico, em que ele era apresentado como um ser humano ingênuo e dotado dos mais puros valores morais.

      Logo, se nota uma continuidade da visão expressa por Las Casas, ainda pela classe intelectual brasileira.

      Quanto à idade, a 3ª versão da BNCC estabelece os estudos dos indígenas na área de Língua Portuguesa nos 6ºs e 7ºs anos, em Geografia nos 7ºs anos, e na área de História a partir do 5º ano. Infere-se daí que os infantes possuem capacidade para compreender o assunto, afirmação com a qual concordamos.
      Já quanto ao recorte pré-colonização, recomendamos o livro de caráter introdutório, de fácil leitura, do antropólogo brasileiro Carlos Fausto, por não sermos especialistas no tema:

      FAUSTO, Carlos. Os índios antes do Brasil. Rio de Janeiro: Zahar, 2000.

      Tanto o livro do Varnhagen - e estudos feitos a respeito do mesmo - quanto o livro de Carlos Fausto são facilmente encontrados para download na internet.

      Até breve,
      Victor Braga Gurgel

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