A
HISTÓRIA DAS MULHERES COMO OBJETO DO ENSINO DE HISTÓRIA ASSOCIADO A PRÁTICA DE
PESQUISA DE CAMPO
O Ensino
de História e o Material Didático
A algumas décadas atrás, quando se falava do ensino
de história e seus objetos temáticos, sobressaia o aspecto político/econômico
como ponto principal a ser tratado, curricularmente, na disciplina. Tanto os
materiais didáticos quanto a perspectiva da disciplina apontavam para essa
direção e, de certa forma ainda apontam, mesmo que outros temas tenham se
tornado objetos de aprendizagem da disciplina. Bittencourt (2012) analisou essa
característica ao discutir a seleção de conteúdos históricos e tendências
historiográficas que organizam o conhecimento histórico escolar ao longo do
século XX e início do século XXI. A autora observa que o PCN de História
publicado após 1996 para o ensino médio “(...) procurou articular a formação
para a cidadania com o domínio de informações e conceitos históricos básicos”
(p.117). Nessa proposta, existe a focalização de métodos mais ativos de
aprendizagem, que é o da prática da pesquisa histórica escolar e o uso de uma
diversidade de fontes como também a inserção de tendências históricas que
privilegiem a história social e cultural.
Novos temas e opções metodológicas difundidas pela
historiografia acadêmica assim como documentos curriculares sugestivos a novas
temáticas não significam que as mudanças sejam perceptíveis nas salas de aula
da educação básica. Por mais que a história social, expoente da Escola dos Annales,
tenha modificado a tendência hegemônica de uma história focada em personagens
políticos e suas realizações, podemos observar que nos materiais didáticos que
são distribuídos pelas escolas públicas, os aspectos políticos e econômicos
ainda se constituem como base para a abordagem da história escolar. Fonseca
(2011, p.73), ao analisar a função dos livros didáticos de história, observa
que ainda hoje eles são responsáveis “pela permanência de discursos fundadores
da nacionalidade”. Tal característica se relaciona aos assuntos e abordagens
que focalizam a escrita do livro geralmente associados a construção de uma
identidade nacional embasada nos fatos ligados a política e personagens
políticos.
A inserção de temas que fogem do foco
político/econômico em materiais, principalmente o livro didático, são
periféricos e quase sempre ficam meio que escondidos nas páginas, deixando a
critério dos professores se vão fazer referência ou não ao tema. Além do mais,
a construção didática do material disponibilizado para as escolas se ampara
também naquilo que as avaliações nacionais pedem, como por exemplo, o ENEM.
A superexposição de conteúdos centrados na política
e economia foi observada em uma pesquisa de mestrado realizada entre 2009/2010
com alunos do Ensino Médio os quais destacaram que tais aspectos eram
predominantes tanto nos materiais didáticos quanto como assunto nas aulas de
história ao longo da escolarização (FLORENCIO, 2011).
Os alunos pesquisados observaram que o material
didático disponibilizado tanto pelo sistema público de ensino quanto pelo
sistema privado tinha como foco as relações de poder no âmbito político assim
como os aspectos econômicos da vida social e eram, nas aulas de história, os
principais articuladores do ensino e aprendizagem. Os jovens da pesquisa também
deixaram evidente que estavam interessados ‘também’ em outros assuntos a serem
discutidos nas aulas de história tais como a vida de personagens históricos
diversos (homens e mulheres), os programas com teor histórico que são
veiculados pela televisão assim como o uso de outros materiais que não apenas
os livros didáticos usuais.
Se para os alunos que cursavam o ensino médio a
quase dez anos atrás, as aulas de história deveriam mostrar uma maior
diversidade de temas e materiais didáticos, o que os alunos de hoje dessa mesma
modalidade de ensino pensam a respeito das aulas de história e suas temáticas?
Uma hipótese é a de que assim como os alunos pesquisados em 2010, os alunos de
hoje gostam de uma maior diversidade de temas que a historiografia oferece sem
que, a questão política seja negligenciada pois, como os alunos de 2010
disseram, a política faz parte da vida. Assim, acreditamos que os aspectos
políticos da vida cotidiana que envolvem as relações de poder no âmbito do
Estado, nos relacionamentos pessoais, econômicos e sociais devem estar
conectados a personagens e a fontes de pesquisa diversas que deem uma
perspectiva ampla de participação de todos na construção da história local e
nacional envolvendo não apenas homens, mas, mulheres.
Rüsen (2011, p.116) ao abordar sobre o livro
didático observa que esse deve considerar as “(...) experiências e expectativas
dos alunos e alunas, sobretudo com seu apego geral, específico de cada de cada
geração, de suas próprias oportunidades na vida, bem com as experiências
cotidianas (...)”. Concordamos com o autor e, entendemos que o livro deve
traduzir, também, a participação das mulheres nos processos históricos de forma
mais visível amparando uma percepção de cidadania que dê as mulheres o devido destaque
social.
O contexto histórico que faz da política e economia
expoentes centrais de materiais didáticos distribuídos tanto na rede pública de
ensino quanto na rede privada, está relacionado a perspectiva da disciplina de
História ter sido definida como uma disciplina para formação da cidadania a
partir do processo de redemocratização no final da década de 1980. Porém, não
devemos entender que a formação para exercício da cidadania se resuma única e
exclusivamente ao destaque das relações políticas condicionadas ao exercício do
poder no âmbito do Estado: ela também está vinculada ao conhecimento de
direitos e deveres, das desigualdades econômicas e sociais, das atribuições de
papeis nas relações entre homens e mulheres, entre outras características. Nesse
caso, o conceito de cidadania pode ser trabalhado de forma global envolvendo
diversos temas como é o caso da história das mulheres.
Ao abordarmos a perspectiva de se tratar em sala de
aula sobre uma história das mulheres, estamos buscando diversificar as
temáticas da disciplina de História assim como mostrar que as mulheres também
participam ativamente da política, da economia exercendo os mais variados
papéis sociais. A questão aqui é que o livro didático ainda não ampliou o
espaço para tratar da participação das mulheres na sociedade mesmo que, a
historiografia disponibilize material a respeito do assunto.
Alguns
pressupostos sobre o projeto Histórias das Mulheres em Roraima:
Sendo a política e a economia, a cultura e as
relações sociais exercícios de homens e mulheres, vemos como necessária e
atual, a inserção nas aulas de história da educação básica, da temática
História das mulheres. Historicamente as mulheres ocuparam e ocupam espaços
determinantes na sociedade sendo tão importantes quanto os homens na condução
de reinos tais como as rainhas que governaram a Grã-Bretanha, por exemplo.
Existem outros exemplos históricos de presença das mulheres em espaços de
poder, em ações de lutas por direitos, exercendo resistências a um mundo onde
os homens tinham prioridade em determinadas profissões e até mesmo de decisão
sobre a vida delas e dos filhos, etc.
Jane Austen, ícone da literatura inglesa e mundial,
usou seus romances para questionar a sociedade inglesa do século XVIII que
limitava tanto a liberdade da mulher quanto sua autonomia econômica. Exemplos
estão nos romances Orgulho e Preconceito, Razão e Sensibilidade que trazem
personagens femininas sem direitos de participar da herança do pai e sempre
correndo o risco de verem-se arruinadas com a morte deste já que a propriedade
da familia, pela lei, pertenceria ao parente do sexo masculino mais próximo sem
nada fosse dado as filhas ou a esposa. A autora também questionou, através da
literatura, a necessidade que as mulheres daquele período social tinham em
arrumar casamentos que lhes proporcionasse sustento e segurança pois, a elas
não restava outra opção de sobrevivência.
Em todas as épocas, mulheres atuaram contra o
status quo que lhes impunha um lugar e um papel social específico. Não podemos
afirmar que tais atuações foram pensadas e organizadas tendo como objetivo
atingir mudança de paradigma nas estruturas que embasam os significados do ser
homem ou mulher, porém, as ações em si demonstram a não conformação com a
condição social relegada às mulheres em todas as épocas. Aqui e ali, a séculos
atrás ou mesmo hoje, as mulheres agem, saem de suas casas e vão à luta por seus
interesses. Mary Del Priore (2017) no livro que organizou sobre História das
Mulheres no Brasil, tece aspectos do mundo feminino que valoriza a ação, a
busca por direitos e resistência as imposições culturais ou sociais que as
mulheres exerceram ao longo da história.
Se por um lado as mulheres são personagens importantes
historicamente, por outro não possuem a devida visibilidade nas salas de aula
como objeto de estudo e nem ocupam espaço mais amplo nos livros didáticos. Tal
circunstância, levou-me a trazer o tema para sala de aula no Ensino Médio,
objetivando, com isso que os alunos pudessem observar as mulheres como sujeitos
históricos e construtoras também da história da humanidade.
Na pesquisa virtual por material acessível aos
alunos que priorizasse uma linguagem mais adequada a modalidade do ensino
médio, observamos que, a maioria dos trabalhos que trazem as mulheres como tema
de pesquisa e estudo e que estão disponíveis na internet são destinados a
academia tais como dissertações e teses, artigos científicos. Além dessa
limitação, os temas abordados nesses trabalhos não se relacionam com o ensino
de história na escola, mas sim com pesquisa histórica como por exemplo, a
história da educação das mulheres. Dessa forma, não encontrando material
didático adequado optou-se por 03 textos da coletânea organizada por Priore
(2017): Eva Tupinambá, Mulheres pobres e violência no Brasil urbano e De Colona
a Boia-Fria.
A coletânea, composta de 20 textos oferecem um
panorama das mulheres como sujeitos da história assim como as mudanças
culturais e sociais que se operaram ao longo dos séculos nesse grupo
específico. Por abrangerem vários períodos históricos, a escolha pelos três
textos já citados foi devido a cada um trazer aspectos da mulher exercendo
papéis sociais diversos em determinados grupos assim como comportamentos
relacionados a classes sociais e mudanças no exercício do trabalho. Com os
textos, os alunos poderiam, não dar conta de uma ampla história das mulheres,
mas, se familiarizar com o assunto observando as mudanças e permanências nas
estruturas de poder que envolvem também a mulher assim como a cultura exercida
por elas e as resistências ao status quo dominante.
Os textos analisados apresentam, além das
narrativas sobre as mulheres em diferentes épocas, informações a respeito das
fontes consultadas para a organização da narrativa. Tal característica se
mostrou relevante pois, além de estudar a temática, os alunos tiveram contato
com os tipos e usos de fontes sobre pesquisa histórica empreendida pelos
historiadores e demais pesquisadores. A
partir das leituras, puderam compreender um pouco mais sobre a construção do
conhecimento histórico através de pesquisa acadêmico/cientifica como também
refletir sobre a forma como os pesquisadores interpretam essas fontes.
Os alunos
e suas percepções sobre a temática das mulheres e a prática de pesquisa em
História.
No 4º bimestre do ano letivo de 2017, junto a duas
turmas do 2º ano do Ensino Médio e dentro do tema geral História de Roraima,
trabalhamos o tema mulheres, porém, no aspecto que mais aparece na mídia local:
violência doméstica. Os alunos daquele ano fizeram uma pesquisa na internet
sobre os tipos de violência mais corriqueiros, dados sobre as vítimas e os
autores da violência além das motivações (segundo os envolvidos) e formas de
prevenção.
Antes, porém, de terem estudado os aspectos
envolvidos nas ocorrências de violência, os alunos foram visitados por uma
professora da Universidade Estadual de Roraima que é pesquisadora sobre
história das mulheres do campo. A palestra teve como objetivo mostrar o processo
de pesquisa sobre o tema além de difundir os dados coletados, as falas das
mulheres pesquisadas e os resultados obtidos mostrando a importância da mulher
no contexto social local. Ao final do bimestre, os alunos apresentaram textos e
organizaram um pequeno teatro à comunidade escolar para alertar sobre os
aspectos da violência doméstica assim como sobre a valorização da mulher como
individuo atuante na sociedade.
Ao iniciar o ano letivo de 2018, os alunos do 3º
ano foram chamados a responder uma pesquisa escrita sem necessitarem se
identificar. A pesquisa diagnóstica, composta por 07 questões abertas, pedia
aos alunos para responderem se já haviam estudado temas que tivessem as
mulheres como personagens centrais dos fatos históricos, se achavam importante
tratar da temática História das Mulheres em sala de aula como também da
História de Roraima, entre outras questões a respeito do componente curricular
História e sua importância como parte do conhecimento escolar.
Dos 95 alunos matriculados e frequentando as aulas
de História, 85 alunos responderam as questões: 50 homens e 35 mulheres. Nas
respostas, 75% dos alunos afirmaram não terem estudado sobre a participação das
mulheres como personagens importantes dos fatos históricos ou mesmo não
lembravam se já haviam estudado e os que haviam estudado, tinham feito no ano
anterior quando estavam no 2º ano: “Não estudei. Creio eu que essa história não
foi abordada porque os professores davam aula de acordo com o livro. Porém, no
técnico em enfermagem estudei a história de duas mulheres que foram importantes
na area da saúde” (Aluna, 17anos). A mesma aluna concorda que é importante
tratar de uma história das mulheres na sala de aula onde elas sejam personagens
visíveis dos fatos e acontecimentos históricos: “Porque nós mulheres também
somos capazes de ser e fazer. Poderíamos saber que fomos ‘principais’ em algum
acontecimento histórico e isso pra sermos reconhecidas pelos cidadãos assim
como são os homens”.
As duas respostas revelam que a aluna gostaria de
ser representada em uma temática que privilegia as mulheres, porém não teve, ao
longo da escolarização, o enfoque visível dessa representação. Observando todas
as respostas da pesquisa diagnóstica, nenhum dos pesquisados discorda da
inserção das mulheres como tema central na disciplina escolar e acham
importante estudar sobre elas inseridas no processo histórico em geral e dentro
da história local.
A pesquisa diagnóstica também revelou que os alunos
não desenvolveram pesquisa de campo ao longo de sua escolarização. Apenas dois
responderam de forma afirmativa sobre terem feito pesquisa, porém, foi em
outras disciplinas escolares. Essa particularidade revela que há uma
preferência nas aulas de história, pelo conhecimento mediado pelo livro
didático.
Severino & Severino (2013, p. 30) destacam que
“as estratégias didáticas mais fecundas são aquelas que envolvem uma atividade
operacional contínua. É assim que os estudantes construirão, paulatinamente, os
seus conceitos”. Os autores defendem que o aluno deve ter oportunizado, por
parte dos professores, situações onde “(...) possam vivenciar experiências ou
realizar investigações de campo, igualmente com o objetivo de iniciar o
trabalho científico.” O processo de investigação científica, nesse caso,
propicia uma aprendizagem significativa a respeito não apenas do objeto de
investigação em si (que é uma fonte) como de todo contexto que o inclui.
A pouca opção pela pesquisa de campo no contexto da
escolarização básica é surpreendente numa época onde a discussão sobre a
qualidade da aprendizagem e o protagonismo do aluno na construção do
conhecimento são defendidas por pesquisadores da educação, professores e outros
agentes ligados a escola. Schimdt & Cainelli (2010, p. 54), observam que o
ensino de História tem como objetivo provocar a reflexão do aluno sobre a
realidade em que vive. As autoras destacam que “(...) do ponto de vista
didático-pedagógico, só é relevante a aprendizagem que seja significativa para
o próprio aluno”. Nesse sentido, aprendizagem significativa diz respeito ao que
o aluno vê como importante na vida dele e também na vida dos outros, o que faz
diferença em suas práticas cotidianas relacionados também com o não lhe é
familiar. Tal aprendizagem significativa, acreditamos, está essencialmente
relacionada a ação do aluno como construtor de conhecimento e, nesse sentido, a
prática da pesquisa de campo se constitui como um método adequado.
Após a pesquisa diagnóstica sobre o conhecimento
dos alunos em relação a inserção das mulheres na disciplina de História no Ensino
Médio, no 3º e 4º bimestre do ano de 2018, foi realizada a programação
referente a prática docente e discente que trouxe as mulheres para o centro dos
estudos em História vinculando esse tema com a história local e, fechando com a
realização da pesquisa de campo. Os alunos estudaram os textos já citados,
organizaram discussões e reflexões em grupo e escreveram um texto argumentativo
considerando as fontes lidas e discutidas.
Desde o início do ano letivo de 2018 havia no
planejamento, o uso da pesquisa de campo tanto como método de ensino e
aprendizagem no 3º ano do Ensino Médio como para conhecimento da atuação das
mulheres no estado de Roraima. A pesquisa de campo se justificaria pela
necessidade de se conhecer a história recente do Estado através da voz das
mulheres locais que tem importância social nas mais diversas profissões e
atuações, mas que não são objeto de estudo e análise da escola.
Quando vamos empreender uma pesquisa de campo, não
o vamos sem leituras a respeito do tema pois, a leitura embasa o pesquisador a
ter uma visão mais global e importante na construção da problemática. Sendo os
alunos iniciantes na prática de pesquisa, conforme mostrou o diagnóstico feito
na primeira semana de aula, a falta de material que trouxesse mulheres como
protagonistas ou personagens da história de Roraima dificultou aos alunos
saírem em campo com uma aprendizagem teórica mais aprofundada da temática
apesar de terem estudado os 03 textos da coletânea História das Mulheres no
Brasil. No entanto, o projeto foi formalizado com a participação das 4 salas de
3º ano seguindo a estrutura de tema, problema, objetivos, justificativa,
metodologia, etc.
Na metodologia de coleta de dados (visando tanto a
percepção da mulher como agente histórico quanto a construção de fontes orais)
optou-se pela entrevista com perguntas construídas pelos próprios alunos a
partir de temáticas como memórias da infância, processo de escolarização,
profissão e conciliação entre a vida pessoal e profissional, dificuldades ou
preconceitos sofridos enquanto mulher, entre outros assuntos. Ao todo foram
entrevistadas, em audio e video, 42 mulheres das mais diversas profissões,
etnias, idades e classes sociais que vivem em Roraima.
Ao coletarem os dados por meio das entrevistas, os
alunos foram orientados a construir uma narrativa sobre a entrevistada de seu
grupo. Tais textos, disponibilizados pelos grupos, serviram para que
comparassem as situações vividas pelas mulheres analisando as aproximações e
distanciamentos contidos nas trajetórias assim como observar as transformações
e permanências ocorridas nos modos de viver na cidade, os personagens
históricos lembrados nas entrevistas e os desafios de inserção da mulher nos
espaços ao longo do tempo. Cada sala produziu um tipo de documentário amador
assim como um site onde será disponibilizado as narrativas escritas, o
documentário e as entrevistas em estado bruto. Tal produção visa atender a
necessidade de fontes de pesquisa assim como a reflexão sobre o papel da mulher
na sociedade e, especialmente, no estado de Roraima.
Aprendizagens
sobre História e Mulheres a partir da pesquisa de campo
Ao fim das entrevistas, os alunos fizeram uma
avaliação e registro de suas aprendizagens. No total, 97 alunos estiveram
envolvidos na realização do trabalho, uma vez que 02 novos alunos foram
incorporados às turmas no 4º bimestre. Novamente os alunos responderam a 06
questões abertas sobre: motivações para realização do trabalho sobre as
mulheres, se haviam considerando-o importante no contexto escolar, quais foram
suas aprendizagens ao realizarem o trabalho, se consideram importante realizar
pesquisa de campo na educação básica e quais os momentos que consideraram mais
importantes durante a realização da pesquisa.
Sobre as motivações para a realização do trabalho:
“mostrar que as mulheres são importantes e fazem parte da história de Roraima”
(Aluna1, 18 a). “Que as escolas públicas têm capacidade e conhecimento para
chegarem longe com projetos de pesquisa” (Aluna1, 18 a). “Trazer informações
para professores e alunos que vão estudar sobre o assunto no futuro” (Aluno1,
17). “Tornar visível a participação das mulheres na sociedade em geral,
principalmente na de Roraima” (Aluno2, 18). “Porque há falta de informações
sobre a história das mulheres de Roraima e também a ensinar os alunos a fazer
pesquisa de campo” (Aluna2, 17).
As respostas dos alunos mostram que eles
compreenderam as motivações de realizar um trabalho com a temática História das
Mulheres porque evidenciam uma problemática: não há fontes de pesquisa
disponíveis sobre um assunto que é necessário abordar na sala de aula. Além
disso, associaram o tema à importância da mulher na sociedade, porém, sem que
elas tenham visibilidade tanto nas salas de aula quanto nessa sociedade que é
construída por elas no cotidiano. Também é interessante chamarem atenção para o
fato de estarem aprendendo a fazer pesquisa, coisa que não aprenderam de forma
sistemática durante o processo de escolarização. Sobre isso, Severino e
Severino (2013, p. 10-11) observam que “...é tarefa pedagógica prévia, de
responsabilidade do processo educativo, sensibilizar o aluno para o significado
e para a importância do trabalho organizado e sistemático.”
Todos
os alunos consideraram a temática importante para sua vida uma vez que “(...)
as histórias dessas mulheres (entrevistadas) dão uma lição a cada um de nós já
que vemos como é grande a participação delas na sociedade” (Aluna3, 18). Aqui
observamos a importância do contato dos alunos pesquisadores com as mulheres
que entrevistaram pois, ressaltam que aprenderam nessa relação. Existe, na ação
da pesquisa, a necessidade de identificação do pesquisador com o objeto de sua
pesquisa fazendo com que haja uma aprendizagem significativa.
Concordamos com Severino & Severino (2013, p.08)
quando dizem que a aprendizagem significativa só acontece quando existe um
“processo de construção do conhecimento, o que, por sua vez, exige do aprendiz
uma postura de maior autonomia na condução do estudo, com maior grau de
iniciativa de sua parte”. Essa questão, ressaltada pelos autores, vem de
encontro ao que uma aluna (Aluna4, 18) observou: “o momento mais importante de
todo trabalho foi na entrevista onde me dei conta de que as mulheres são de
tudo um pouco: mães, trabalhadoras, guerreiras. Eu aprendi muito nesse
trabalho”. A estudante mostra que o contato com a entrevistada foi momento de
aprendizagem significativa para vida dela. Bittencourt (2012, p. 138) faz uma
relação entre a seleção de conteúdos significativos e a impossibilidade de o
professor tratar de uma “história da humanidade”. Segundo a autora, também
existe “(...) a necessidade de atender os interesses das novas gerações, além
de estar atento às condições de ensino”. Desse modo, trabalhar com a temática
da mulher na história é dar voz a um interesse crescente de meninos e meninas
que desejam sair do tradicional escopo da disciplina que é tratar das questões
político/econômicas apenas com personagens homens.
A pesquisa de campo promove para os alunos,
situações de aprendizagem diferentes ao permitir que eles tenham contato direto
com outras pessoas, lugares e temas potencializando aprendizagens. O Aluno5, 18
diz: “o momento mais importante do trabalho foi ter saído da sala de aula para
realizar a entrevista”. Essa resposta mostra o quanto os alunos valorizam
atividades que se mostram diferentes do contexto de sala de aula e uso do livro
didático. Aluna6, 17 ressalta que “o mais importante é deixar um trabalho para
que as pessoas tenham acesso e passem a dar mais importância ao tema História
das Mulheres”. Vemos nessa fala, a importância atribuída ao trabalho realizado
que fez uma construção de fontes as quais poderão ser consultadas e estudadas
atualmente como daqui a 50 anos.
Considerações Finais
O ensino de história na escola pública possui
muitos desafios. Desafios relacionados a material didático disponível para ser
consultado nas aulas, lido e debatido. Também há o conteúdo desses materiais,
quase sempre relacionados a temáticas que não se aprofundam em questões
relacionadas a cultura, patrimônio e mentalidades. A estrutura das escolas é
outra limitação sendo que muitas, sequer possuem acesso à internet ou
computadores em boas condições de uso.
Apesar das limitações estruturais ou de ordem
teórica/pedagógica, trazer temas que mobilizem os estudantes a perceberem que
estão construindo conhecimentos importantes tanto para si mesmos quanto para
outros é um dos modos de conferir melhor qualidade a experiencia escolar assim
como a aprendizagem condicionada aos objetivos da disciplina de história.
Para Rüsen (2011, p. 36) “História como uma matéria
a ser ensinada e aprendida tem de passar por um exame didático referente à sua
aplicabilidade de orientar para vida”. As palavras de Rüsen vão de encontro a
perspectiva do objetivo que norteou o nosso trabalho junto aos alunos da
disciplina: tornar o ensino de história relevante para vida prática, não
servindo somente como conhecimento a ser avaliado formalmente, mas como
referência para orientação nas relações cotidianas.
Referências
Rutemara Florencio é
professora da educação básica na rede pública estadual de
Roraima e atualmente dá aula de História no Ensino Médio.
BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História Fundamentos e Métodos.
4ª edição. São Paulo: Cortez, 2012
FLORENCIO,
Rutemara. Recepção e Representações Sociais: as minisséries históricas e a
produção de significados para disciplina de história por alunos do Ensino
Médio. Dissertação de Mestrado em Educação. UNESA, Rio de Janeiro, 2011.
FONSECA,
Thais Nívia de Lima e. História e Ensino
de História. 3ª edição. Belo Horizonte: Autentica, 2011.
PRIORE, Mary Del (org.) História das Mulheres no Brasil. 10ª edição. São Paulo: Contexto,
2017
RÜSEN, Jörn. O livro Didático Ideal. In: Jörn Rüsen e o Ensino de História. 1ª
edição. Curitiba: Editora UFPR, 2011, p. 109-127 - SCHMIDT, Maria Auxiliadora;
BARCA, Isabel; MARTINS, Estevão de Rezende (org.)
SCHMIDT, Maria A.; CAINELLI, Marlene. Ensinar História. 1ª edição. São Paulo,
Scipione, 2010
SEVERINO, Antônio Joaquim; SEVERINO, Estevão
Santos. Ensinar e Aprender Com Pesquisa
No Ensino Médio. 1ª edição. São Paulo: Cortez, 2013
Boa tarde! Diante das explanações feitas sobre o tema acima, podemos dizer que as escolas e academias são responsáveis por não incentivar o processo de conscientização do papel da mulher na sociedade, por não estimular, por que não dizer, a historiografia feminina que servirá como fundamentação teórica em busca da igualdade entre mulheres e homens?
ResponderExcluirDesde já, agradeço a atenção.
RICLEUMA MARIA FERREIRA MOTA
Boa tarde! Diante das explanações feitas sobre o tema acima, podemos dizer que as escolas e academias são responsáveis por não incentivar o processo de conscientização do papel da mulher na sociedade, por não estimular, por que não dizer, a historiografia feminina que servirá como fundamentação teórica em busca da igualdade entre mulheres e homens?
ResponderExcluirDesde já, agradeço a atenção.
RICLEUMA MARIA FERREIRA MOTA
Oi Ricleuma. Obrigada por sua pergunta que é bastante pertinente. De acordo com o que tenho visto nos diversos livros didáticos de História-que privilegiam uma história geral protagonizada pelos homens- a resposta é sim. Escolas e a própria academia não popularizam a participação da mulher na construção da sociedade o que nos leva a uma invisibilidade que prejudica a busca por direitos iguais ou equiparados aos dos homens. Existe a necessidade óbvia de tornar os feitos e ações das mulheres, perceptíveis aos alunos da escolarização básica facilitando assim que o grupo vá criando a representação de que a mulher é tão importante socialmente quanto o homem. Para isso é necessário que a academia revise metodologias e abordagens assim como objetos e temas. Tal situação poderá condicionar os autores de livros didáticos e professores a abordar o tema em pé de igualdade como é feito com as ações dos homens.
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